quarta-feira, 25 de maio de 2016

CIDADE DE INGLATERRA “REPARA” HISTÓRIA AO ELEGER PREFEITO NEGRO



Alberto Castro*, Londres – em Afropress

Londres/Reino Unido - O destaque mundial dado ao êxito do trabalhista Sadiq Khan, que nas eleições municipais de 5 de maio passado, no Reino Unido, entrou para a história como o primeiro prefeito (mayor) de Londres originário de uma minoria étnica (paquistanesa) e religiosa (muçulmana), ofuscou o feito de Marvin Rees, ex-jornalista e igualmente trabalhista, eleito prefeito de Bristol, a sexta cidade mais importante da Inglaterra.

Rees, de 43 anos, filho de um imigrante negro jamaicano e de uma inglesa branca bateu por margem significativa o carismático independente George Ferguson à frente da cidade mais populosa do sudoeste da Inglaterra desde 2012, tornando-se o primeiro negro eleito prefeito de uma importante cidade européiaeia.  

Traçando um paralelo entre a sua vitória com a de Khan na capital, Rees lembrou que ambos são políticos de origem familiar modesta que ascenderam à altos postos do Governo por intermédio do Partido Trabalhista. Ele recordou o árduo passado vivido com a mãe em um conjunto habitacional onde era uma das raras faces "castanhas" na cidade, cuja população ronda hoje cerca de 435 mil de habitantes, sendo cerca de 92% constituída por brancos.

Trajetória 

Segundo o jornal online Bristol 24/7, ter crescido naquele ambiente difícil com tensões raciais fez com que ele formasse as fundações para suas crenças políticas.

Mestre em Teoria Política pela Universidade de Swansea, ele se destacou no final da década de 1990 como líder comunitário juvenil ligado à organizações cristãs de combate à pobreza e pela justiça social, tanto no Reino Unido como nos EUA, casos daTearfund e Sojourners. Ainda nos EUA, obteve em 2.000 um mestrado em Desenvolvimento Econômico Global pela Universidade de Eastern, instituição cristã de ensino superior na Filadélfia, Pensilvânia.

De volta ao Reino Unido, iniciou entre 2001 e 2010, uma curta, intercalada e intensa carreira como jornalista e apresentador de rádio e televisão na BBC, entre outros. Afastou-se do jornalismo para trabalhar no Serviço Nacional de Saúde (NHS, sigla em inglês) como diretor de um programa focado na igualdade racial no tratamento da saúde mental.

Concomitantemente engajou-se na política através da Operação Voto Negro (OBV, sigla em inglês), um grupo de campanha em favor da justiça racial nascido de um programa nacional criado em 1996 na Câmara dos Comuns para apoiar pessoas de minorias britânicas de origem africana e asiática que aspiram chegar à lideranças na esfera pública.

Foi nessa altura que chamou atenção e se beneficiou do Yale Fellows World, um programa de bolsas de estudo anual da universidade norte-americana de Yale destinado a um grupo entre 16 a 20 pessoas que ao meio de suas carreiras se distinguem como líderes na sua profissão, disciplina acadêmica e áreas geográficas. 

No seu segundo regresso ao Reino Unido em 2011, o seu talento e suas potencialidade políticas não passaram despercebidos ao Partido Trabalhista ao qual se juntou. Em 2012 foi selecionado para a liderança local do partido como candidato à mayor de Bristol e derrotou surpreendentemente correligionários concorrentes bem mais cotados incluindo o líder e o vice-líder locais do partido e um deputado da sigla no Parlamento de Westminster. 

Todavia, mesmo contando com o apoio da máquina partidária e do então líder Ed Miliband, Rees terminou em um frustrante segundo lugar atrás do independente Fergurson. Regressou ao seu trabalho na NHS mas foi novamente chamado para disputar a nomeação dos trabalhistas ao cobiçado cargo. Desta feita contou com a acirrada concorrência de Mark Bradshaw, vereador do município bristolense de Bedminster, a quem venceu tangencialmente. 

Contando com empenhado apoio do líder trabalhista Jeremy Corbyn, a aposta do partido nele revelou-se a melhor e a prová -la está a margem de cerca de 18% de vantagem com que ganhou categoricamente do oponente independente que o havia derrotado em 2012 e que, segundo o Independent, agradeceu ao novo homem forte da cidade por o "devolver à sua vida normal".

Simbolismo

Mas porque razão, ou razões, a vitória de Rees se reveste de um simbolismo histórico particular? A resposta é dada por Simon Woolley, diretor da OBV, em artigo para o Guardian. Com o título "Triunfo de Marvin Rees desafia o passado racista de Bristol", ele lembra a história da cidade, principal porto de escravos da Grã-Bretanha de 1730-45, que emergiu e prosperou como importante polo comercial na esfera global  em função do comércio internacional de africanos escravizados. 

Ela é igualmente o local de nascimento de Edward Colston, um dos mais conhecidos proprietários de escravos, cujos ganhos com tal famigerado comércio financiaram o crescimento da cidade que ainda hoje o homenageia ao manter uma estátua sua e uma escola com seu nome. 

Para Woolley, o feito simbólico de o descendente de escravizados estar agora a governar a cidade é uma história de esperança que não pode passar despercebida e nem ser esquecida. Importante porque, segundo ele, Bristol e sua governação, tal como algumas outras cidades inglesas, não pode ser compreendida efetivamente sem ser parcialmente analisada através do prisma da raça.

Note-se todavia que Marvin Rees que, segundo o Guardian se descreve a si mesmo como "uma mistura racial e o filho de uma mãe solteira branca", não é o primeiro afrodescendente a exercer o cargo mayor no Reino Unido. John Archer (1863-1932) nascido em Liverpool, filho de um negro de Barbados e de mãe branca irlandesa, eleito na municipalidade londrina de Battersea em 1913, é frequentemente citado como sendo o primeiro negro chefe do executivo de uma cidade britânica. Porém, segundo a Wikipédia, esse honroso título pertence ao médico, cirurgião e político Allan Glayser Minns (1858-1930), originário das Bahamas, eleito na cidade deThetford, Norfolk, em 1904.

*Alberto Castro é correspondente de Afropress em Londres e colabora em Página Global

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