Mariana
Mortágua* – Jornal de Notícias, opinião
A
Madeira é uma região ultraperiférica onde, durante décadas, a má gestão dos
dinheiros públicos, a completa inversão de prioridades políticas e, mais tarde,
a austeridade acentuaram as situações de pobreza e a urgência de políticas de
desenvolvimento económico e social. Ninguém põe em causa a necessidade de
incentivos públicos ao investimento na região, incluindo os fiscais. O que deve
ser questionado é se a Madeira pode ou deve ficar refém de um offshore, que usa
e abusa do discurso do desenvolvimento regional para justificar a sua própria
existência quando, na verdade, os objetivos são outros.
O
regime da Madeira não é equiparável ao das ilhas Caimão, sobretudo em termos de
exigências de transparência, mas é utilizado para favorecer práticas
internacionais de planeamento fiscal agressivo, sobretudo ligado a esquemas de
sobrefaturação.
Na
verdade, a lei já prevê que, para usufruir de benefícios de IRC, as empresas
tenham de criar um certo número de postos de trabalho. O problema é que não se
diz nem se fiscaliza o tipo de trabalho, permitindo que empresas facilmente se
estabeleçam detendo apenas um código postal e um falso trabalhador. O que o
projeto do Bloco quer fazer é, para as novas empresas que venham a instalar-se,
definir regras mais exigentes para o emprego criado.
Neste
momento, uma empresa com lucros até 2,73 milhões de euros pode beneficiar de um
IRC de 5% desde que crie um "posto de trabalho". Na nossa proposta,
essa empresa passaria a ter de empregar pelo menos seis pessoas a tempo inteiro
com contrato por tempo indeterminado. Assumindo salários médios de 900euro, a
nova regra equivaleria a 3,7% do lucro. Se a Associação Comercial e Industrial
do Funchal acha que isto põe em causa o centro internacional, então é porque
admite que o seu propósito não é criar emprego mais sim atrair empresas que
querem reduzir a sua fatura fiscal.
O
projeto visa também eliminar as isenções para a distribuição de dividendos e
rendimentos aos acionistas. Se o propósito é incentivar as empresas que se
localizam na Madeira, então as políticas devem ser direcionadas para as
empresas em vez de se constituírem como borlas aos seus donos.
O
projeto do Bloco não incomoda pelos efeitos negativos que possa ter na Madeira,
até porque esses argumentos são falsos. Incomoda porque expõe a verdadeira
razão da sua existência.
*Deputada
do Bloco de Esquerda
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