Martinho Júnior, Luanda
1
– Num mundo que vai mergulhando na crise, no caos e no terrorismo, a Europa
está a ser engolida por arrasto, irremediavelmente à mercê de suas próprias
contradições e vassalagem, num quadro dum capitalismo neoliberal capaz de
antropofagia, de tão obcecado que está o poder decorrente dos processos de
hegemonia unipolar numa envenenada via de globalização!
Os
Estados Unidos mantêm a Europa sob jugo, manipulando instrumentos como a União
Europeia e a NATO, mas também eles estão cada vez mais impotentes face à crise,
ao caos e ao terrorismo, em relação aos quais tem uma fatia maior de
responsabilidade.
No
que à Turquia diz respeito, são vários os observadores e analistas
internacionais que apontam para o clérigo Fetulá Gulen, exilado nos Estados
Unidos e para a CIA, como entidades mentoras e impulsionadoras da tentativa de
golpe de estado militar contra o governo de Erdogan, associando a iniciativa ao
facto da mudança em 180º na geo estratégia de aproximação turca à Síria e à
Rússia.
De
tanto semear ventos, pouco a pouco os Estados Unidos vão colhendo tempestades
que se vão refletindo aliás não só um pouco por todo o mundo, mas também por
dentro de sua tão complexa quão heterogénea sociedade, refletindo-se no
carácter do poder.
2
– A Turquia, dramaticamente situada a sudeste da Europa e na charneira com o
Médio Oriente, é cada vez mais exponencial nesse quadro desagregador e
depressivo.
O
ambiente sócio-político do país demonstra-o, com um Erdogan incapaz não só de
integrar as distintas sensibilidades que compõem a diversificada sociedade
turca, mas também incapaz de em tempo fazer as leituras adequadas aos fenómenos
que se distendem nas suas periferias, tanto no que diz respeito aos seus
vizinhos no Mar Negro, quanto na sua relação com a Europa, tanto pior em
relação ao Médio Oriente.
Erdogan
está nesse aspeto a ser vítima não só duma conjuntura decadente, mas sobretudo
do desastre que é o próprio Erdogan, de tão mau uso que ele tem feito do poder
animado de carácter neo fascista.
Incapaz
de suster a crise económica interna acompanhada da degradação dos instrumentos
de poder, incapaz de integrar os curdos, incapaz de estabelecer relações
coerentes com a Rússia (o seu vizinho mais poderoso a norte), incapaz de se ver
livre dos radicalismos islâmicos que sustentam a Al Qaeda e o Estado Islâmico,
incapaz de estabelecer pontes construtivas em direção aos poderes instalados no
Irão, no Iraque e na Síria, Erdogan atraiu para a Turquia as enfermidades
conjunturais “animadas” de crise, de caos e de terrorismo.
3
– No preciso momento em que John Kerry de visita a Moscovo, acordava com Lavrov
o refinamento da plataforma de entendimento na luta contra o Estados Islâmico e
a Frente Al Nushra, uma tentativa de golpe de estado militar sacudiu a Turquia
com maior visibilidade em Ankara e Istambul.
A
plataforma de entendimento norte-americano-russo em relação sobretudo à Síria,
envolveu esta semana (recorde-se pouco tempo depois do BREXIT), cedências
importantes da parte dos Estados Unidos, asfixiados pelas suas próprias
contradições externas.
Com
efeito John Kerry já se pronuncia nestes termos: “há vários subgrupos do
Estado Islâmico e da Frente Al Nushra, nomeadamente o Jaysh al-Islam e o Ahrar
al-Sham, que não respeitam as condições de cessar-fogo e continuam os combates”…
Implicitamente
os Estados Unidos estão a reconhecer que afinal o campo do que eles qualificam
como “rebeldes moderados” na Síria, está minado pelo Estado Islâmico
e pela Frente Al-Nushra, com “apêndices” que não respeitaram os
sucessivos cessar-fogo do governo sírio, sobretudo em Damasco e Alepo.
Esse
reconhecimento põe também em cheque os financiadores e os apoios internacionais
do Estados Islâmico e da Frente Al-Nushra, tal como desses dois subgrupos.
O
Jaysh al-Islam (Exército do Islão), beneficia do financiamento da Arábia
Saudita e de treino propiciado (antes do BREXIT), pelos serviços secretos
britânicos, incide a sua ação sobre Damasco!
O
Ahrar al-Sham (Movimento Islâmico dos homens livres do Sham), criado no início
da crise síria antes mesmo do Exército da Síria Livre, incide sua ação sobre
Alepo, é enquadrado pela Turquia, financiado pelo Qatar e recebe apoio nos
relacionamentos externos do MI6, antes do BREXIT.
4
– É evidente que o carácter e o comportamento do poder de Erdogan na Turquia,
está a ser sucessivamente apanhado em contrapé, pelo que Erdogan vai tomando
decisões que em curto espaço de tempo se vão contrariando umas às outras, ao
fim e ao cabo lançando ele próprio a confusão nos mecanismos de poder, com
risco de ele, desse modo, ir perdendo domínio sobre eles.
A
tentativa de golpe de estado militar na Turquia surge no rescaldo de sucessivas
desarticulações, medidas e contramedidas, que se adicionaram a fenómenos
conjunturais e internos mais extensos (conforme apontei acima).
Se
bem que os militares golpistas não tenham alcançado o êxito da tomada do poder,
o ambiente sócio-político na Turquia está degradado, manifestando-se já por
dentro dos instrumentos de poder de estado, pelo que as medidas de repressão
que Erdogan promete sobre os golpistas e outros sectores sociais (por exemplo
os Tribunais), só concorrerão para uma degradação ainda maior do que a
presente, num momento em que a crise, o caos e o terrorismo vão também minando
a complexa sociedade turca.
Os
políticos neoliberais, como autênticos aprendizes de feiticeiro, ao
contribuírem para semear ventos, estão também já a colher as tempestades!
Fotos:
-
Encontro de John Kerry com Putin (esta semana finda);
-
Erdogan e o Rei da Arábia Saudita (antes da tentativa de viragem de 180º por
parte da Turquia em relação à Síria);
-
Está à espreita o ocaso de Erdogan.
A
consultar (Martinho Júnior):
-
A hegemonia unipolar estimula a internacional neo fascista – http://paginaglobal.blogspot.pt/2016/01/a-hegemonia-unipolar-estimula.html;
-
Areias movediças – http://paginaglobal.blogspot.pt/2016/02/areias-movedicas.html
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