Miguel
Guedes* – Jornal de Notícias, opinião
A
Convenção Nacional do Partido Democrata norte-americano (CND) termina amanhã
depois de dias de turbulência que bem demonstram a divisão em que o partido
mergulhou desde que Bernie Sanders fez história e a sua mini-revolução. Mas
enquanto tenta fortalecer uma candidata dentro do seu próprio eleitorado para
uma eleição que bate à porta em meses, a CND prevê o futuro e reforça a minha
convicção: Michelle Obama será candidata presidencial em 2020 (caso Donald
Trump vença) ou em 2024. Com um discurso que nem Melania Trump terá facilidade
em plagiar, Michelle conquistou num ápice o resgate emocional de uma plateia
que não perdoa o jogo sujo com que o partido tramou a campanha de Bernie. Há
qualquer coisa que os Obama têm e podem.
Bernie
Sanders podia ter plagiado as palavras de Ted Cruz na Convenção Republicana:
"Votem segundo a vossa consciência". Não o fez. Pelo contrário,
tentou persuadir os seus apoiantes de que não há dúvida possível na escolha
entre Clinton subjugada aos piores jogos de interesses e Trump que não abdica
de se apresentar no papel do palhaço rico que insiste em ser dono do circo.
Ainda assim, a relutância com que os congressistas receberam os pedidos de
união à volta da candidatura de Clinton, entre vaias e assobios, mostra bem
como estão transviadas as opções de voto nos democratas do movimento
"Bernie or Bust". Como referia a humorista Sarah Silverman no
palanque, "vocês estão a ser ridículos". Trump fechou a porta do
Congresso Republicano a liderar as sondagens nacionais. O que antes era um
alerta é agora uma certeza: não é mais possível admitir que Trump nunca poderá
ganhar. Há muito que Trump não tem mas pode.
A
cruzada de diabolização esteve sempre presente na campanha de Clinton em
relação a Sanders. Incapaz de gerir a sua imagem do passado, a candidata
democrata preferiu a cabala, dividindo o partido para depois redefinir a sua
margem para o perdão. Esticou a corda, confiando que Trump seria um candidato
fácil de bater caso conseguisse ganhar a nomeação no seu partido. Ganhar a
Bernie, o homem que queria aumentar o ordenado mínimo para o dobro, esse
perigoso demónio. Lá como cá, agitam-se as águas. António Saraiva sai da
audiência de ontem em Belém atirando-se ao Bloco de Esquerda pela "leitura
de diabolização" dos empresários. Temeroso do esvaziamento do poder da concertação
social após ter defendido um aumento do salário mínimo abaixo dos actuais 530
euros, o presidente da CIP atira-se a esses perigosos radicais com cauda que
pretenderam devolver um pouco mais às pessoas daquilo que lhes foi retirado. Há
qualquer coisa que alguns patrões têm e não podem.
O
autor escreve segundo a antiga ortografia
*Músico
e advogado
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