Martinho Júnior, Luanda
1
– A melhor maneira da humanidade e de cada um de nós, seres humanos,
dignificarmos e honrarmos o Comandante Fidel, é encararmos a vida, o homem e o
planeta-azul, conforme seus olhos e sua consciência viram ao longo da epopeia
de sua própria vida e ainda agora, na sua última intervenção sobre o seu
próprio 90º aniversário!...
Essa
legítima preocupação obriga-nos pedagogicamente a cada um, singular e
coletivamente, interrogarmo-nos sobre nossos próprios atos e sobre sua
densidade, com amor rigoroso e sensibilidade aferida aos imensos desafios e
riscos que animam o século XXI, num momento em que a sofreguidão na exploração
dos recursos já se encontra para além das possibilidades do próprio planeta.
Por
isso deve ser permanente a reflexão e a consciência histórica, mais ainda aqui
no continente-berço, pois apesar das conquistas alcançadas, está-se ainda muito
longe do desenvolvimento sustentável, da justiça social, do equilíbrio e da
harmonia humana, da solidariedade, do internacionalismo e do respeito para com
a Mãe Terra, conformes à nossa obrigação de consciência traduzida em atos!
Nessa
trilha, por respeito aos povos africanos e a nós próprios, há que ser um pouco
como os Comandantes da Revolução Cubana e seus pares da Luta de Libertação em
África… há que beber para a causa da humanidade, substantivamente, do
pensamento e obra do Comandante Fidel!...
Essa
trilha em busca incessante de paz e de vida, é o garante mais valioso da
superação que pode conduzir ao próprio renascimento de África, aberta à
oportunidade de sua liberdade coletiva!
2
– Logo nos primeiros anos da tomada de poder da Revolução Cubana, África esteve
presente no internacionalismo e solidariedade dos jovens e ardentes
guerrilheiros que a si se impuseram a missão de combater a opressão, o
colonialismo, o “apartheid”, o neocolonialismo e o imperialismo.
Essa
vontade gerada a partir de sua própria história, assumiu-a, somos testemunhos
vivos e atuantes disso, o povo cubano no seu relacionamento para com os povos
de todo o mundo e em particular no seu relacionamento para com os povos
africanos, oprimidos e subjugados durante séculos!
A
internacional fascista, colonialista, do “apartheid” e de suas
sequelas, procurou sempre criar todo o tipo de obstáculos à legítima ânsia de
libertar o homem do jugo de séculos que o tolhe e o torna hoje tremendamente
vulnerável e marginal às possibilidades éticas globais que se prendem à própria
sobrevivência da espécie e a uma exploração mais contida, comedida, aferida,
justa e inteligente dos recursos existentes no planeta-azul.
As
ideologias “democratas-cristãs” proporcionadas pelo Le Cercle a favor
dos círculos mais retrógrados do continente, estiveram sempre colocadas em
defesa do capital e da contra revolução e nutriam as justificações dos serviços
de inteligência retrógrados, incluindo (em tom variável) os serviços dos
Estados Unidos da América no Centro e na parte Austral do continente africano.
Desde
a Argélia em 1961, o internacionalismo e a solidariedade cubana buscou
tornar-se parte integrante e ativa na Luta de Libertação do continente contra o
colonialismo, o “apartheid” e suas sequelas, num processo que ganhou um
redobrado vigor em 1965, em resposta ao neocolonialismo que foi imposto ao
Congo, após o assassinato dum Primeiro-Ministro nacionalista e heroico como o
foi Patrice Lumumba e ao desterro dos seus seguidores, aqueles que conseguiram
escapar à barbárie!
Na
altura as colónias portuguesas mantinham-se graças ao sacrifício do povo
português e dos povos das próprias colónias, que serviam de “carne para
canhão” na continuada opressão dos povos habitantes dos imensos espaços
residuais do seu império, valendo-se o poder colonial das disponibilidades da
NATO e do poder do império que instrumentalizava os Estados Unidos, em socorro
do seu próprio projeto retrógrado à vida, quantas e quantas vezes da forma mais
ambígua e perversa, impondo o saque a África!
3
– Os poderes coloniais e os do “apartheid”, beneficiando dessa internacional
retrógrada, combinaram articulações inteligentes que abrangeram importantes
fulcros de atuação nas capitais das regiões central e austral do continente
africano, numa linha que abrangia sobretudo Kinshasa, Lusaka, Luanda,
Salisbúria (Harare), Blantyre, Lourenço Marques (Maputo) e Pretória.
Esses
fulcros cobertos pelos mais diversos instrumentos de inteligência, entrosavam-se
de várias maneiras, recebendo “reforços” a partir da própria Europa,
em particular de “destacamentos”provenientes das redes “stay behind” da
NATO (como por exemplo a Aginter Press em socorro do colonialismo português),
sustentando-se quase sempre dos interesses económicos e financeiros que serviam
de guarida, por sua vez intimamente associados aos poderes e estruturas do
colonialismo, do “apartheid”, do neocolonialismo e do próprio imperialismo
(este sobretudo ávido das imensas riquezas minerais disponíveis e até então à
sua inteira mercê)!
Os
serviços de inteligência das potências colonizadoras, dos Estados Unidos, da
Grã-Bretanha, de Portugal, da Bélgica, da Rodésia e da África do Sul,
interligavam-se por via de manipulações, ingerências e influências, a serviços
de inteligência formados em socorro dos poderes instalados em países-alvo de
neocolonialismo como o Zaíre de Mobutu, ou a Zâmbia de Kenneth Kaunda, ou o
Malawi de Hastings Banda, fosse explorando vínculos de relacionamento
político-diplomático, fosse integrando o caudal de consórcios existentes,
capazes de cobrir seus movimentos, sua dissimulação e sua atuação!
Entre
esses consórcios salientam-se os interesses ligados às poderosas casas da
aristocracia financeira mundial, como a casa Rockefeller (explorando as minas
de cobre e do estanho do Zaíre e da Zâmbia, assim como o Caminho de Ferro de
Benguela e o sistema de transportes da Compagnie Maritime Belge), ou a casa
Rothchield (explorando por via do clã Oppenheimer à frente da Anglo-American, e
da De Beers as minas de diamantes, de ouro e de platina em toda a região)…
Outras
associadas agregavam-se a esses poderosos cartéis: a Lonrho tendo à frente Tiny
Rowlands, ou os interesses de Champalimaud, dos Abecassis e dos Melos, que
tinham à frente um agente da Aginter Press ao nível dum Jorge Jardim!
A
tradicional ambiguidade político-diplomática portuguesa post 25 de Novembro de
1975 (e até aos nossos dias), tem origem nessa época e nessas experiências,
conforme viria a ocorrer com Ramalho Eanes, com Mário Soares, com Cavaco Silva
ou com Durão Barroso, socorrendo-se hoje do escancarar de portas provocado pela
globalização formatada aos procedimentos do capitalismo neoliberal.
Em
1965 os interesses portugueses tinham representação em Kinshasa, onde
pontificava o diplomata António Monteiro, que tirava partido duma importante
comunidade de comerciantes (e traficantes de diamantes capazes de se ligar aos
interesses de diamantes do clã de Mobutu, sob custódia dos interesses de
Maurice Tempelsman e do nó de inteligência norte-americana e sul-africana do “apartheid”).
Explorando
esse êxito, no leste do Congo os interesses neocoloniais desencadearam a
Operação Dragão Vermelho que desarticulou a guerrilha dos rebeldes do Mouvement
National Congolais, fiéis a Patrice Lumumba na enorme bolsa da província
Oriental e dos Kivus, começando por retomar Stanleyville (Kisangani) com a
utilização dum regimento de paraquedistas belgas, de unidades da Armée
Nationale Congolaise (subordinadas a Mobutu) e de mercenários comandados por
Mike Hoare (quase todos sul-africanos ligados ao “apartheid”), com todos
os dispositivos cobertos pela inteligência e interesses belgas e
norte-americanos.
4
– Empenhada no seu internacionalismo e solidariedade para com os povos
africanos, Cuba encetou ligações ao Movimento de Libertação em África que
procurava levar por diante a sua Luta, contando para o efeito com as
iniciativas do Comandante Che Guevara, da Revolução Cubana e particularmente da
implementação de dispositivos da inteligência cubana, nos ambientes
progressistas e cosmopolitas de Brazzaville a oeste e próximo do Atlântico (que
apoiaria a 2ª coluna do Che no Congo) e Dar es Salam a leste e no Índico (que
apoiaria de forma clandestina a 1ª coluna com o próprio Che).
O
Comandante Fidel de Castro acabou por ser um dos grandes impulsionadores (com
seus pares africanos) duma nova geo estratégia da luta de Libertação na África
Central e Austral, que procurou desde logo lançar as primeiras sementes no
leste do Congo, para onde partiu o próprio Comandante Che Guevara, numa altura
em que todavia as guerrilhas progressistas fiéis a Patrice Lumumba estavam já
em desagregação.
Da
passagem do Comandante Che Guevara pelo Congo, haveriam de subsistir no Congo e
Grandes Lagos tendências progressistas que viriam a atuar com Laurent Kabila,
pondo termo mais tarde ao poder de Mobutu…
Os
Comandantes dos serviços de inteligência cubana como Manuel Piñero Losada e
Ulisses Estrada Lescaille garantiram os esforços em prol das 1ª e 2ª colunas do
Che e com isso reforçaram os relacionamentos com os dispositivos da FRELIMO
(que atuava tendo como retaguarda a Tanzânia) e do MPLA, que atuava a partir de
Brazzaville, sudoeste do Congo (em direção às suas Iª e IIª Regiões) e Lusaka
(oeste da Zâmbia), em suporte das suas IIIª e IVª Regiões.
A
linha da inteligência cubana que correspondia aos fulcros de Brazzaville e Dar
es Salam, interligavam-se a correntes progressistas em cada uma dessas
capitais, incluindo sectores de inteligência europeia, contribuindo para
procurar ganhar o miolo do continente e estimulando os esforços do MPLA e da
FRELIMO, face a face aos dispositivos da internacional fascista!
O
MPLA com base no estreitamento dessa aliança, encontrou formas de guerrilha em
direção às suas 1ª e 2ª Regiões em 1964 e 1965 (respetivamente
Nambuangongo-Dembos e Cabinda) e Frente Leste, IIIª e IVª Regiões (facto
consumado em 1966 no Moxico, no Cuando Cubango e em progressão para o Planalto
Central).
Os
expedientes da abertura da Frente Leste do MPLA, com entidades como Aníbal de
Melo, Ciel da Conceição, Daniel Chipenda e outros, obedeceram a autênticas
operações de inteligência que tiveram de enfrentar o ambiente hostil de Lusaka!
O
MPLA possuía na Tanzânia e no fulcro de Dar es Salam apoios de inteligência que
lhe permitiam chegar a esse ambiente hostil de Lusaka (onde as disputas com os
sistemas de inteligência retrógrados eram desfavoráveis ou muito melindrosos,
devido às vulnerabilidades de Keneth Kaunda e os seus “bons ofícios” para
com os interesses económicos e financeiros ocidentais em toda a região).
A
internacional fascista impediu a estabilização do apoio do Comandante Che
Guevara aos rebeldes do Congo, onde terá chegado tarde… e montou arraiais de
inteligência em Lusaka, como em Kinshasa e Blantyre, a ponto de em 1973,
precisamente na altura da chegada a Lusaka de Jorge Jardim para encontros com
Kenneth Kaunda (recorde-se, ligado à Lonrho e aos interesses de Champalimaud),
conseguirem manipular a revolta do leste e com ela Daniel Chipenda e Holden
Roberto.
5
– Apesar da evolução dos choques de inteligência e sócio-políticos que
ocorreram no Congo e à volta do Congo Brazzaville, Lusaka e Dar es Salam, o
Comandante Fidel de Castro deu continuidade às ligações da Revolução Cubana à
Luta Armada sobretudo do PAIGC na Guiné Bissau e do MPLA em Angola, mesmo com a
saída do Comandante Che Guevara do teatro de operações.
Com
o MPLA essas relações haveriam de se tornar geo estratégicas nas imensas
regiões Central e Austral do continente africano, pois com o fim do
colonialismo, “na Namíbia, no Zimbabwe e na África do Sul”, conforme
Agostinho Neto, “estava a continuação da luta” dos angolanos e de
todos os progressistas unidos para derrotar o “apartheid” e suas
sequelas.
Os
esforços dos países da Linha da Frente contra o “apartheid” contaram
também com o que nasceu a partir das sementes de inteligência que o Comandante
Che Guevara havia trazido em seu apoio para Brazzaville e Dar es Salam, que
fragilizariam os dispositivos da internacional fascista em Lusaka com o fim do
colonialismo português e apesar do 25 de Novembro de 1975 em Portugal.
A
tenacidade dos povos africanos em luta integrando as fileiras do Movimento de
Libertação em África e da Revolução Cubana sob a direção do Comandante Fidel,
alteraram profundamente o panorama sócio-político de África, inclusive no que
aos Direitos Humanos dizia e diz respeito.
Efetivamente
só com o fim do colonialismo, do “apartheid” e de algumas das suas
sequelas, os povos africanos conseguiriam alcançar a paz e transferir seus
abnegados esforços da Luta Armada para a Luta contra o subdesenvolvimento a que
ainda estão votados.
A
Operação Carlota que o Comandante Fidel comandou, foi decisiva para o reforço
do MPLA no sentido da independência com a proclamação da República Popular de
Angola e pode hoje ter continuidade com o empenho do apoio cubano na educação e
na saúde, visando vencer os imensos obstáculos e dificuldades que estão ainda
bem patentes na sociedade angolana no rescaldo de séculos de trevas.
Graças
à geo estratégia a muito longo prazo que o Comandante Fidel e seus seguidores
dão sequência, em estreita ligação com o rumo dos que, sob a direção do
Presidente José Eduardo dos Santos, dão corpo ao MPLA, as oportunidades em
benefício do povo angolano e dos povos africanos estão aí, apesar do choque e
da terapia neoliberal!
Os
90 anos do Comandante Fidel, para aqueles que integraram e integram as fileiras
do Movimento de Libertação em África, honram a vida e continuarão a honrá-la
mesmo que um dia ocorra o desaparecimento físico do Comandante e de todos
aqueles que, perante tantas dificuldades e desafios, de sua própria vida
inexoravelmente se vão libertando!
Quanto
se deve nessa trilha, desde os caboucos das geo estratégias, aos esforços
ignotos mas por vezes tão decisivos, dos “homens da cor do silêncio”!?
- Fotografias
expostas na exposição alusiva ao 90º aniversário do Comandante Fidel, no Mausoléu
de Agostinho Neto em Luanda (12 de Agosto de 2016).
Sem comentários:
Enviar um comentário