Afonso
Camões* – Jornal de Notícias, opinião
Há
fogo? Valham-nos os bombeiros, que o resto é fastio. Tal como no futebol, onde
abundam os treinadores de bancada, a época de incêndios revela-nos um enorme
potencial encoberto, o desses sapadores de sofá e ar condicionado que, se
fossem mobilizados, até as labaredas extinguiam com o bafo de tão doutas
táticas sobre um mundo rural que desprezam e desconhecem.
Com
as matas carregadas de matéria combustível, a má notícia é que ainda vamos a
meio de agosto, e este verão ameaça pior, em resultado da terrível conjugação
de incúria, altas temperaturas, vento e a mão descuidada ou criminosa de
alguns.
Incendeia-se-nos
a sensibilidade quando o terror engole habitações e mata pessoas e animais, ou
quando bombeiros sucumbem cercados pelas chamas, ou ainda quando uma extensa
área de alto valor ambiental é reduzida a um manto negro de cinzas.
O
maior problema não está, porém, no combate onde se gasta cada ano quase 100
milhões de euros, cinco vezes mais o que se investe em prevenção. A natureza
permite-se certas liberdades, entre elas, a menos comedida é que a floresta
arde independentemente de quem governa. O problema é que sobre as cinzas de
cada ano vinga a visão de curto prazo e prospera a economia do fogo, que
prefere pagar mais em meios de combate do que investir na defesa. Ora, o
consenso político deveria passar por aqui: elevar a prevenção ao posto de
comando e assumir que o primeiro corta-fogo está nas políticas e em quem as
lidera.
Depois
de cada tragédia, reclamamos mão dura sobre o crime. Mas, mais importante, é
preciso ativar, definitivamente, uma política integrada para os dois terços do
chão nosso, o interior rural, e uma gestão da floresta que a valorize como
património coletivo, fonte de riqueza tão menosprezada pela ignorante
modernidade urbanita.
Mangas
arregaçadas e de todas as cores, os políticos de turno gostam de aparecer nos
"teatros de operações", como agora lhe chamam, e derramar palavras
nos muros da desgraça, jornais, rádios e televisões. Nada, porém, que mude o
essencial. Porque insistimos em ignorar que os incêndios de verão se combatem
no inverno.
É
bom saber que o Governo vai criar um grupo de trabalho interministerial para
(agora é que vai ser!) a reforma da floresta. Um velho político, que aliás
terminou a carreira perdendo eleições, achava que a melhor maneira de adiar uma
decisão é criar um grupo de trabalho. O último Governo, aliás, especializou-se
nisso, criou dezenas. Oxalá este nos surpreenda, porque o mesmo político também
dizia que um camelo é um cavalo desenhado por uma comissão. Mas ao menos que
haja camelo.
*Diretor
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