David
Pontes* – Jornal De Notícias, opinião
Há
uma linha vermelha que os políticos não devem ultrapassar. É a linha a partir
da qual eles estão a fazer de nós parvos, mas nós estamos a perceber. Um
político inteligente percebe que este é o limite para a patranha. Mas nós
vivemos tempos estranhos em que a relação, já não digo com a verdade, mas com a
verosimilhança parece não importar aos atores da coisa pública. O que conta é a
sensação, o sentimento. "Pode não ser verdade, mas é tão bem apanhado que
nós vamos insistir um bocado para ver se pega".
Custa
ouvir a propósito do possível novo imposto sobre propriedades imobiliárias o
coro da Oposição a trautear o "ataque à classe média", quando é fácil
de perceber que um imposto que irá atingir 1%, 2% ou até mesmo 3% dos
contribuintes dificilmente será para a classe média, mesmo que ela possa estar
em vias de extinção. Não sei de quem é que esses políticos vivem rodeados, mas
eu, quando olho à minha volta, dificilmente encontro alguém que tenha
propriedades no valor de 500 mil euros, quanto mais de um milhão.
Podem
argumentar que é uma estratégia errada, que não favorece o investimento, que é
uma opção ideológica... são perspetivas aceitáveis. Agora, ver políticos falar
de "saque" a propósito deste imposto é achar que todos levamos uma
pancada tão grande na cabeça que dormimos nos últimos cinco anos. Mas não
dormimos e ainda nos lembramos de que estes são os mesmos políticos que
elogiaram Vítor Gaspar que, pelo menos, teve a coragem de classificar como
"brutal" o aumento de impostos protagonizado pelo anterior Executivo.
Acreditem
que no país da OCDE que mais aumentou a carga fiscal para os trabalhadores com
baixos rendimentos em 2015 não sobra muita margem de tolerância para ver
defender proprietários imobiliários com meio milhão de euros. Ou muito me engano
ou, tal como aconteceu com a empolada questão dos apoios aos colégios privados,
a Direita vai descobrir rapidamente que a maioria dos portugueses acha mesmo
que eles passaram a linha vermelha neste assunto.
Também
já é tempo de a Esquerda perceber que está para lá da linha vermelha quando
tenta fazer passar este novo imposto como uma mera questão de "justiça
social", como se não se tratasse de uma necessidade orçamental. Nem sequer
precisamos do FMI para nos vir lembrar o ainda triste estado das nossas finanças.
Basta perguntar à classe média.
*Subdiretor
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