Manuel
Carvalho da Silva – Jornal de Notícias, opinião
O
Governo e a maioria parlamentar que lhe dá apoio precisam de colocar o trabalho
e as relações laborais no cerne da sua agenda política: por razões de justiça
social; porque será através dessa via que poderão encontrar respostas
estruturadas, por exemplo, para o combate às desigualdades e para suportar a
Segurança Social; e, acima de tudo, como contributo absolutamente decisivo para
formular e pôr em prática uma estratégia de desenvolvimento do país.
As
matérias laborais foram sendo sistematicamente subordinadas a processos de
"concertação económica" de cariz neoliberal, cozinhada entre os
governos, as instâncias da União Europeia (UE), o FMI e "os interesses dos
mercados", e trazidas para debate no contexto do que se chamou "grandes
reformas estruturais". Daí resultou uma perda de dignidade
político-jurídica dos direitos laborais que alimentou precariedades e atentados
a valores fundamentais do trabalho; uma transferência de rendimentos e de poder
do fator trabalho para o capital; um enfraquecimento de direitos fundamentais
do trabalho e dos direitos de cidadania económica e social.
Nesse
contexto, que papel desempenhou a Comissão Permanente de Concertação Social
(CPCS) e que desafios e práticas deverá assumir como contributo para um rumo de
progresso de que o país precisa?
A
partir da leitura das atas da CPCS, exercício nunca antes feito em Portugal, o
Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, através do Observatório
sobre Crises e Alternativas, elaborou um caderno intitulado "A atividade
da CPCS de 2009 e 2015: ecos das políticas europeias" (1).
Nele
se analisam os temas e tempos de discussão agendados ao longo desse período de
sete anos; de que forma as confederações patronais e sindicais foram chamadas a
participar na definição das políticas adotadas; até que ponto as suas posições
foram tidas em conta e que interpretações e pronunciamentos tiveram sobre as
políticas seguidas; e, de forma geral, qual o papel desempenhado pela CPCS nas
opções de governação do país nesse período marcado por subjugação a imposições
externas e à inevitabilidade da "austeridade".
A
apresentação pública do caderno decorrerá na próxima quarta-feira, dia 23 de
novembro, seguida de um debate intitulado "Concertação Social: entre
interesses e visões estratégicas", que coloca em diálogo/confronto dois
destacados atores nos processos da Concertação Social - António Saraiva
(presidente da CIP) e Arménio Carlos (secretário-geral da CGTP-IN) -,
desafiados a refletir sobre o contributo que este corpo institucional do
diálogo social poderá dar para o desenvolvimento do país.
Pode
ser positiva a atenção do presidente da República e de outros atores políticos,
para afirmação da concertação e do diálogo social, mas é preciso rigor nas
análises do equilíbrio/desequilíbrio de poderes que aí se movem, do papel do
Governo que é determinante, e da formulação das agendas.
A
Concertação Social pode e deve ter um papel relevante. Mas os seus membros, em
particular o Governo, têm de corrigir velhas pechas a que chamamos entorses,
nomeadamente: a excessiva governamentalização instrumental da agenda, prática
que deve dar lugar a uma ação dinamizadora do diálogo e da negociação, com o
Governo a fornecer, atempadamente, informação, análise e propostas apropriadas;
a subordinação à agenda da UE, substituindo a apropriação dessa agenda passiva
por debate e formulação das estratégias de Portugal face à crise do euro e da
UE; o conflito com competências que são da Assembleia da República; a distorção
do sistema de representatividade, devendo ser garantido que nenhum acordo de
fôlego seja dado por adquirido sem representatividade efetiva; a falta de
transparência no diálogo bilateral, fundamentalmente entre o Governo e cada um
dos parceiros sociais; o esvaziamento de outros espaços de diálogo social pela
ação da CPCS, em particular, a importante negociação e contratação coletiva.
É
preciso exposição e fundamentação clara de interesses específicos como
contributo para perspetivas estratégicas consolidadas.
*Investigador e professor universitário
(1) Disponível
a partir de 22 de novembro em http://www.ces.uc.pt/observatorios/crisalt/
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