A PRIMEIRA “LINHA DA FRENTE” PROGRESSISTA
Martinho Júnior, Luanda
3
– A revolução cubana preocupou-se em interpretar com coerência os dados e
sinais libertários que vinham “do terreno” humano em África, tirando
conclusões justas em relação à internacional fascista e, no que ao MPLA dizia
respeito, ao carácter distinto dum movimento de libertação que acabava de
enfrentar imensas provas e dificuldades, desde a cisão de Viriato da Cruz, à perseguição
decretada por Kasavubu e Mobutu, ainda que entre 1963 e 1964 Cuba não tivesse
suficiente experiência nos relacionamentos bilaterais com os angolanos.
Isso
determinou as opções cubanas de vanguarda, que contaram além do mais com os
ofícios do Comandante Ernesto “Che” Guevara na aproximação
geoestratégica ao movimento de libertação em África, dando continuidade à
experiência progressista argelina na primeira metade da década de 60 do século
XX.
A
2 de Janeiro de 1965 o Comandante esteve com a direção do MPLA em Brazzaville,
no rescaldo da prova de vida “a quente” que constituiu a fase de “Vitória
ou Morte”, de certo modo tateando sobre o que se poderia fazer para reforçar o
movimento de libertação.
Não
terá havido uma identidade total de pontos de vista nesse contacto, em função
de experiências distintas e de distintas abordagens, mas no essencial, que
dizia respeito às opções geoestratégicas, a conjugação de esforços no âmbito
dum Não Alinhamento ativo, começou a poder-se delinear, dando passos firmes no
caminho comum que a partir do porto seguro de Brazzaville se deparava até à
consumação do Programa Mínimo do MPLA.
Cuba,
de forma conjugada com os membros africanos da CONCP, preparou pouco a pouco,
ao longo de 1965, as linhas progressistas capazes de começar a enfrentar a
internacional fascista em toda a amplitude de suas articulações na África
Austral e por isso o Che partiu em pessoa para as montanhas a leste do Lago
Tanganika (componente dos Grandes Lagos), tendo como fulcro de apoio o sistema
de inteligência cubano instalado em Dar es Salam (a leste, em suporte da Iª
coluna do Che) e Brazzaville (a oeste, instalando a IIª coluna do Che frente a
Léopoldville), reforçando as opções das guerrilhas progressistas “no
terreno” no paralelo entre aquelas duas capitais e o0 Atlântico, dum lado,
como o Índico no outro!
Nem
o facto do Comandante Ernesto Che Guevara ter considerado sua guerrilha "historia
de un fracaso", mitigou a eclosão tácita das guerrilhas progressistas e
patrióticas do movimento de libertação em África voltadas a sul,
simultáneamente para dentro de Angola e para dentro de Moçambique.
Nas
primeiras abordagens o Comandante procurava uma melhor definição para as
alianças geoestratégicas, pois para ele era necessário perceber o que dizia
respeito ao movimento de libertação e o que dizia respeito ao etno-nacionalismo
e no âmbito desses perspicazes enredos cujos ensinamentos vinham naquela época
apenas pela prática, só possíveis portanto de destrinçar em laboratórios “no
terreno”, procurar uma melhor perceção nos termos de separação das águas
evitando o neocolonialismo, igualmente em busca duma ousada geoestratégia
libertária, o que acabou por sacrificar a sua própria trajetória guerrilheira
em África, mas possibilitou a catapulta de energias a favor do MPLA (a oeste) e
da FRELIMO (a leste).
De
facto os progressistas podiam então, recorrendo à CONCP, passar do campo
político-diplomático para a ação tacitamente concertada da expansão das
guerrilhas comprimindo e penetrando o campo da internacional fascista na África
Austral.
Cuba
aceitou enviar instrutores em apoio do MPLA que emergiu do “Vitória ou
Morte” e se abrigou na relativa segurança da República do Congo, onde se
estabelecera, em 1963, o governo progressista de Massemba-Debat, que em 1964
era implementado enquanto emanação do Movimento Nacional Revolucionário do
Congo.
No
governo congolês anterior o abade Fulbert Youlou havia dado a oportunidade ao
etno-nacionalismo da FLEC no sentido de ter um suporte em Brazzaville como
retaguarda, disputando com Kasavubu esse apoio, o que o colonialismo português,
no que à operacionalidade dos diversos componentes da FLEC diz respeito, foi
neutralizando ao ponto de Alexandre Tati encabeçar um agrupamento que,
fazendo-se passar por FLEC, procurava detetar ou neutralizar as ações do MPLA
na região.
Os
interesses político-diplomáticos portugueses em Kinshasa (nome de Léopoldville
que foi assumido com a ascensão de Mobutu) tiveram que ver com esse êxito
relativo de penetração dos serviços de inteligência (um êxito atribuído à
PIDE/DGS), mas de facto Kinshasa propiciava-se muito mais a êxitos da
internacional fascista que do movimento de libertação em África.
A
FLEC foi sempre vivendo uma prolongada crise existencialista interna, atiçada
também a partir dos interesses externos, buscando conexões no Zaíre e no Congo,
com N’Zita Tiago, o seu presidente e sua principal figura (que nunca foi a
única), a favorecer o Zaíre após a ascensão de Mobutu, confirmando por exemplo
a necessidade dum plebiscito através do qual se prontificaria, ou não, a
entregar Cabinda a um dos dois…
No
Congo, o governo, sob liderança de Massemba-Debat foi profícuo a favor da
internacional progressista até 1968, a ponto de garantir continuidade com
Marien Ngouabi, ele próprio também um membro do MNR.
Brazzaville
fazia jus ao facto de, durante a IIª Guerra Mundial, ter sido capital da França
Livre, tornando-se numa das capitais da África Livre, ou daqueles que em África
seguiam em busca de liberdade de armas na mão.
O
consequente laboratório de Cabinda, IIª Região Político Militar do MPLA,
permitiu as primeiras experiências em combate entre angolanos e cubanos,
tirando partido das seguintes bases implantadas no Congo: Dolisie, Esperança,
Luali, Banga, Tibi, Kebo, Djoué, Lukula e Sumbi.
Esse
desdobramento de bases, impossíveis de existir no Zaíre que vivia a égide de
Kasavubu e Mobutu, assim como a inoperacionalidade da FNLA e do GRAE, viria a
determinar que o Comité Tripartido de Reconciliação da OUA propusesse num
detalhado relatório enviado ao Conselho de Ministros da OUA que fosse possível
reconhecer de novo o MPLA, o que foi alcançado ainda em 1965.
As
guerrilhas começaram a penetrar em Cabinda, tendo como alvo itinerários
terrestres utilizados pelos militares portugueses e quarteis mais isolados,
como o quartel de Sanga Planície.
No
rescaldo das primeiras instruções com instrutores cubanos (e um capitão ganês),
realizou-se uma operação de ataque ao quartel de Sanga Planície, que foi
frustrado por fuga de informação propiciada por um camponês da região, mas a
experiência contribuiu para um melhor domínio dos conceitos organizativos,
estratégicos e táticos a utilizar, até por que a guerrilha já possuía morteiros
e canhões sem recuo de fabricação chinesa de 75mm (morteiros+canhões
chineses=mcc=macaco=Operação Macaco).
Essa
operação foi comandada por Hoji-ya-Henda e era já também resultado duma
reorganização que foi ocorrendo desde 1964.
A
19 de Fevereiro de 1965, pouco mais de um mês depois da passagem do Comandante
Che Guevara por Brazzavile ao encontro da direção do MPLA, foi nomeado para
chefiar o Comando Diretor o Comandante Iko Carreira e nomeados para o comando
das Regiões Político-Militares do MPLA, o Comandante Benedito, para a Iª RPM e
o reverendo Domingos da Silva, coadjuvado pelo camarada Aníbal de Melo, para
coordenar a abertura da Frente Leste (IIIª RPM).
Auxiliado
por instrutores cubanos como “Humberto” (hoje General Rafael Moracén
Limonta a quem por mérito e dignidade foi conferida a nacionalidade angolana),
bem como por um capitão ganês conhecido por “Silva”, presente no MPLA a
mando do então Presidente do Gana, Kwame N’Krumah (o então capitão Kodjo
Tshikata chegou a Vice-Presidente do Gana num dos governos de Jerry Rawlings),
o corpo guerrilheiro do MPLA ganhava experiência, mobilização e vontade de,
para além da IIª Região, se estender até à Iª Região Política-Militar nos
Dembos, até às proximidades de Luanda…
(Esses
dois instrutores de então foram condecorados pelo estado angolano com galardões
elevados em Dezembro de 2011 e o General Rafael Moracén Limonta é Herói da
República de Cuba, condecorado pelo Comandante Fidel em plena Praça Carlos
Manuel de Céspedes, em Santiago de Cuba, a mesma praça onde em adolescente
havia sido engraxador para ganhar seu próprio sustento e fazer face aos
infortúnios e pobreza de sua família, vivia-se na altura a ditadura de
Fulgêncio Batista).
A
abordagem da guerrilha para dentro de Cabinda iniciou também a sensibilidade do
MPLA em atrair à sua geoestratégia, face à internacional fascista, o sector do
petróleo em Angola, o que se viria a refletir até aos nossos dias, bem no miolo
dos interesses nacionais.
…
Mesmo assim nenhum passo de mágica facilitou a vida ao MPLA na sua opção de
estender as guerrilhas à Iª Região: o que Kasavubu, Mobutu e Holden não tinham
conseguido realizar em Léopoldville, continuou a merecer a sua preocupação
constante contra a penetração das três colunas que seguiram sucessivamente em
direção a Nambuangongo, algo que tinha tudo a ver com o jogo da internacional
fascista em Leopoldville, no território zairense e dentro de Angola, onde o
retrógrado etno-nacionalismo da UPA-FNLA era levado a combater mais o movimento
de libertação que os próprios militares portugueses.
Por
outro lado os grupúsculos que tinham como referência a FLEC, manipulados por
uns e por outros (até pelos colonialistas portugueses), juntavam-se aos
obstáculos contra o MPLA, semeados pelo Zaíre (Kasavubu-Mobutu-Holden).
A
abertura da Frente Leste decidida em 1965 e a rutura das linhas da
internacional fascista (a Zâmbia propiciava que a Frente Leste do MPLA se
desenvolvesse ao mesmo tempo que a Frente de Tete por parte da FRELIMO), foi um
revés para a internacional fascista, que só em 1973 respondeu procurando
subverter e neutralizar os esforços do MPLA…
4
– Nem essa saga de heroica cumplicidade entre o movimento de libertação e a
revolução cubana em África, que antecipou com a guerrilha a opção que no futuro
se expressaria com a Linha da Frente, estimulou os “apagadores da
história” contemporâneos a fazer marcha atrás na sua azáfama neoliberal de
corresponder à “voz do dono”, tal é a oportunidade que se lhes estende com
a terapia neoliberal em curso.
Alguns
queriam que com Alvor tudo se tornasse passivo e apassivante, que como por
milagre, movimento de libertação e etno-nacionalismo, de repente, conseguissem
estabelecer cumplicidades comuns, quando o quadro neocolonial em África era de
tal modo avassalador que criou obstáculos ao reconhecimento do MPLA, facto que
só ocorreria em 1965, possibilitando ao movimento de libertação apoio material
e diplomático que muito contribuíram para outa expressão externa, dentro e fora
do continente africano…
Fazem
por desconhecer que no laboratório de Cabinda ao MPLA começava a propiciar-se
também a oportunidade histórica para uma geoestratégia em relação ao sector do
petróleo, uma capacidade económica de primeira grandeza a defender no âmbito
dos interesses nacionais e de todo o povo angolano, algo que a revolução cubana
entendeu desde logo perfeitamente, de tão empenhada que passou a estar na luta
com o concurso do apoio propiciado pela IIª coluna do Che e por combatentes como
Jorge Risquet, Puenteferro, ou Rafael Moracén Limonta.
Foi
essa a lição que esteve bem presente quando as “Forces Armées Zairoises” em
Novembro de 1975, simultaneamente atacaram Luanda e Cabinda, com o fito de
Mobutu garantir recursos e influências que só por via dum esforço militar de
ponta e aproveitando a Operação Iafeature orientada por Kissinger e a CIA
contra Angola, poderia obter.
O
Zaíre pretendia aproveitar o 11 de Novembro de 1975, para à força anexar
Cabinda, tirando simultaneamente partido da proposta de referendo de N’Zita
Tiago, um dos principais responsáveis da FLEC que se tornou manipulável aos
desígnios de Mobutu.
Esquecem
ainda que mais adiante, quando o Exército de Libertação Nacional de Angola
(ELNA) foi derrotado em Cabinda e em Quifangondo a 11 de Novembro de 1975,
seria ainda Agostinho Neto que conseguia realizar com êxito uma primeira
iniciativa de paz em Angola, quando o COMIRA se desagregou e deu oportunidade
aos militares desmobilizados da UPA-FNLA a integrar as FAPLA, ao mesmo tempo
que se tornou possível absorver a população afeta na vida nacional.
Imaginam
o valor da saga dos jovens dessas comunidades que conjuntamente com os jovens
do MPLA puderam então ir para Cuba para estudar e um dia se tornarem úteis à
sua pátria e ao seu povo?
Em
relação a tudo isso os “apagadores da história”, mercenários embarcados
nos engodos e “iluminações” propiciados pela terapia neoliberal
contemporânea, dizem nada, enquanto lhes é permitida a ousadia de difundir a
mentira continuada que formata suas convicções, a soldo até de entidades como o
National Endowment for Democracy”!
Quando
no princípio do século XXI, os interesses de George Soros via Open Society, da
facção de N’Zita Tiago da FLEC e da Igreja Católica de acordo com a trilha do
padre Congo, refletiram em uníssono sobre Cabinda, numa posição contraditória e
frontal à do governo angolano, foi essa a tónica que ficou enquanto “leitura
histórica independente”, até aos nossos dias (daí tantas preocupações
internacionais sobre Cabinda).
É
claro que por tabela, o clã Soares em Portugal, ou um deputado da UNITA como
Raul Danda (que foi “prestar contas” à Assembleia Nacional Portuguesa
sobre Cabinda), atiram para as urtigas (em Angola invariavelmente com caixas de
ressonância no Novo Jornal e no Folha 8), a longa luta da internacional
progressista contra a internacional fascista em África, que teve episódios de
primeira grandeza em Cabinda, incluindo episódios que dizem tanto respeito ao
movimento de libertação em África, como à história contemporânea de Angola, em
função dos esforços de libertação na via do MPLA.
Para
esses está na moda abrir caminho a entidades como o “Protectorado Lunda
Tchokwe”, por que tem sido impossível a trilha duma (hipotética) “Federação
Angolana”, outro recurso em carteira disponível para o seu inveterado
mercenarismo!
Fotos:
Simulambuco e os resíduos da internacional fascista que expõem seu servilismo
hoje, a coberto da terapia neoliberal dirigida para criar impactos em Angola; a
2ª e a 3ª foto foram publicações recentes do Novo Jornal e Folha 8, semanários
publicamente circulados em Luanda; a última foto é de Raul Danda, junto ao
marco de Simulambuco.
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