José Goulão – AbrilAbril, opinião
Combater
o «conspiracionismo», definido não apenas como atentado à democracia mas também
como uma espécie de subproduto do terrorismo e da «ameaça russa», tornou-se um
objectivo de estruturas de espionagem e propaganda criadas especificamente no
âmbito da NATO, da União Europeia e do aparelho de poder norte-americano.
Ao contrário
do que, inocentemente, poderá ainda pensar-se, zurzir alguém com a acusação de
dar asas a «teorias da conspiração» não é um argumento banal de uma discussão
de café, ou mesmo de salão ou de comentadores encartados com escasso jeito para
lidar com opiniões diferentes.
No
estado actual do mundo e das forças que o dominam numa amplitude que pretendem
global, o «conspiracionismo» foi elevado a preocupação central das centrais de
inteligência, ideológicas e de propaganda que abastecem o poder militar e de
segurança, os governos e a comunicação social main stream com os fundamentos
para as suas condutas.
Combater
o «conspiracionismo», definido não apenas como atentado à democracia mas também
como uma espécie de subproduto do terrorismo e da «ameaça russa», tornou-se um
objectivo de estruturas de espionagem e propaganda criadas especificamente no
âmbito da NATO, da União Europeia e do aparelho de poder norte-americano.
É
o caso do Serviço de Comunicação Estratégica da NATO, instalado em Riga, na
Letónia, com a participação da Alemanha, Estónia, Itália, Luxemburgo, Polónia e
Reino Unido; e de uma unidade de Comunicação Estratégica criada no âmbito do
Serviço Europeu de Acção Externa, dirigida pelo espião do MI6 britânico, Giles
Portman, que distribui duas vezes por semana, a numerosos jornalistas europeus,
o argumentário actualizado para demonstrar as malfeitorias de Moscovo.
O
governo britânico criou uma brigada para contrariar «a propaganda estrangeira»,
que actua em coordenação com a 361.ª brigada de assuntos civis do exército de
terra dos Estados Unidos, a funcionar na Alemanha e em Itália. Os Estados
Unidos formaram uma unidade sobre a guerra da informação dentro do Centro para
a Análise Política Europeia, entregue, entre outros, a Edward Lucas, um dos
chefes de redacção do The Economist, como se sabe uma bíblia do main
stream.
Entretanto,
o Parlamento Europeu aprovou há um mês uma resolução sobre «A Comunicação
Estratégica da União para combater a propaganda contra ela dirigida por
terceiros»; na mesma ocasião, o Washington Post deu voz destacada a
um grupo designado «Propaganda or Not», que publicou a lista de 200 websites acusados
de estar «ao serviço do Kremlin» e da «propaganda russa» para intoxicar a
opinião pública norte-americana e fazer eleger Trump, o que se harmoniza com as
teses postas a circular pela CIA e o FBI sobre o papel de Moscovo nas eleições
presidenciais norte-americanas; por seu turno, o Serviço de Comunicação
Estratégica da NATO já elaborou um «Manual de comunicação estratégica» a
adoptar pelos serviços da organização.
É
fácil deduzir que este sistema capilar de espionagem, manipulação, intriga e
delação também está vocacionado para ser uma antecâmara da perseguição e da
criminalização dos cidadãos e entidades que sustentam e divulgam as supostas
«teorias da conspiração»; isto é, as medidas tomadas como alegada defesa na
guerra da informação traduzem, afinal, mais um avanço na repressão do direito
de expressão, do exercício de discordar das versões comumente adoptadas sobre
factos e acontecimentos que recheiam os discursos oficiais e a comunicação
social dominante, servindo de base ao roteiro com que deve ser acatada a ordem
mundial e global.
«Devemos
agir a nível europeu, e mesmo internacional, por um quadro jurídico a definir
de modo a que as plataformas de Internet que gerem as redes sociais sejam
colocadas perante as suas responsabilidades e contra elas pronunciadas sanções
em casos de falha», sentenciou o presidente francês, François Hollande, em 27
de Janeiro de 2015.
Nada
mais natural, portanto, que exista já trabalho feito e publicado sobre a
definição de «conspiracionismo» e dos conteúdos das «teorias da conspiração».
Um dos documentos mais minuciosos sobre o assunto foi divulgado em Fevereiro de
2015 precisamente pela Fundação Jean Jaurès, órgão de produção ideológica do
Partido Socialista Francês, isto é, do «hollandismo».
Uma
organização que é igualmente uma sucursal da norte-americana National Endowment
for Democracy (NED), entidade promotora de golpes de Estado sobretudo na
América Latina e dirigida pelos eternos conspiradores Zbigniew Brezekinski e
Madeleine Albright, um de origem polaca, a outra checoslovaca.
Pois
segundo a citada fundação hollandista, o «conspiracionismo» é «um discurso
alternativo que pretende baralhar, de modo significativo, o conhecimento que
temos sobre um acontecimento e assim estabelecer concorrência com a versão
comumente aceite, estigmatizada como "oficial"». Ou seja, ter uma
opinião diferente da governamental ou da linha dos telejornais é o mesmo que
lançar a confusão e denegrir o que oficialmente se deve saber sobre factos
determinantes na nossa sociedade e modo de vida.
Os
que pensam de maneira diferente pertencem, segundo a Fundação Jean Jaurès, a
uma corrente «fortemente ligada à tendência negacionista, na qual se acotovelam
admiradores de Hugo Chavez, incondicionais de Vladimir Putin, antigos
militantes de esquerda ou extrema-esquerda, ex-indignados, soberanistas, nacionais-revolucionários,
ultranacionalistas, nostálgicos do III Reich, militantes anti-vacinação,
revisionistas do 11 de Setembro, anti sionistas, afrocentristas, survivalistas,
adeptos de medicinas alternativas, agentes de influência do regime iraniano,
bacharistas (de Bachar Assad), integristas católicos ou islamitas».
Não
exijamos que a enumeração seja exaustiva. É óbvio que escaparam aos ideólogos
hollandistas, provavelmente, em alguns casos, por razões de prudência táctica,
categorias com pacifistas, cidadãos anti NATO ou mesmo contra a moeda única
europeia, revisionistas da «libertação» da Líbia, do Iraque, do Afeganistão e
casos semelhantes, inquietos com o aquecimento global, adeptos da renegociação
das dívidas soberanas, adversários do TTIP, conhecedores das cumplicidades dos
governos dos Estados Unidos, Israel e de países da União Europeia com o
terrorismo salafita, designadamente o Daesh e a Al-Qaida, críticos do golpe na
Ucrânia, considerando-o uma manobra fascista.
Ainda
assim, da enumeração feita pela fundação francesa há que reter como
«conspiracionistas» todos quantos se revoltam com o comportamento sionista
contra os palestinianos e outros povos, os que estão solidários com a
democracia venezuelana, os que consideram o drama sírio fruto de uma ingerência,
ou mesmo de uma invasão mercenária patrocinada por grandes potências mundiais.
Posto
isto, sabemos agora o que está em causa quando alguém brande contra alguém a
acusação de recurso à «teoria da conspiração». É o mesmo que apontar o dedo
delator a quem pensa pela própria cabeça e não está conformado a sintonizar-se
com o pensamento unificado. O pluralismo de ideias e opiniões está em vias de
se tornar crime. Em nome, claro, do reforço e da defesa da democracia global.
Se
o leitor, por algum acaso, se viu reflectido nas categorias enumeradas,
considere-se então avisado.
Foto:
François HollandeCréditos/Agência Lusa
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