terça-feira, 19 de abril de 2016

O PAI NAZI DO FUNDADOR DA MOSSAK FONSECA



Dizia-se que tinha mais poder que o presidente do Panamá. Agora confirma-se. Esta é a história de Erhard Mossack,espião e ex-SS. Ele "vendia" segredos; o filho, o paraíso do dinheiro.

Erhard Guenther Mossack (16 de abril de 1924), nascido em Grube-Ericka, o nazi, era um homem de rosto áspero, 1,76 metros de estatura e várias cicatrizes: nos dedos e debaixo do braço esquerdo, onde cortou a pele para apagar uma tatuagem que revelava o seu vínculo com as SS. O seu ofício: serralheiro e membro da temível divisão Totenkopf (que se pode traduzir literalmente como "cabeça de morto"). Quando foi apanhado pelas forças aliadas, Mossack vendeu informações para se salvar. Dedicar-se-ia a isso o resto da vida.

O seu filho, Jürgen Rolf Dieter Mossack (20 de março de 1948), nascido em Fürth, cidade da Baviera, tem 1,78 m e a pele sem marcas de feridas à vista. A sua profissão: advogado criador de empresas offshore, protagonista dos Papéis do Panamá. Os 11,5 milhões de arquivos classificados, procedentes do escritório que fundou (Mossack Fonseca), são considerados o maior escândalo de divulgação de documentos confidenciais da história. Jürgen Mossack, multimilionário, rebelde e vaidoso, procurava ser uma sombra para a sociedade panamiana. Tinha-o aprendido com o pai, o nazi, que chegaria mesmo a oferecer-se como espião aos EUA.

A mansão de Jürgen Mossack em Altos del Golf, uma urbanização no Panamá onde vivem ex-presidentes, diplomatas e magnatas, a mesma onde residia o ditador Manuel Antonio Noriega, está protegida. Em seu redor circulam automóveis de alto luxo e de empresas de segurança. As câmaras estão sempre a gravar. Ao contrário do pai, ele tem várias alcunhas, chamam-lhe o alemão, o teutónico ou o nazi. Esta última é a mais recente. Desde que foram revelados os seus contactos internacionais, passou a viver escondido.

Antes, se bem que tenha dado apenas meia dúzia de entrevistas ao longo da vida, convivia com a sociedade panamiana. Sobretudo para exibir as suas filhas: Nicole e Andrea, ambas cavaleiras profissionais. Jürgen procurou ocultar o passado do pai. Aqueles que visitaram a sua ostentosa habitação não se lembram de ver fotografias dele nas paredes. Quando falava do pai não se referia ao seu passado como SS nem como agente secreto. "Nós pensávamos que ele era engenheiro", refere uma das nossas fontes jornalísticas panamianas que não quer ser identificada. "Mossack tem mais poder do que o presidente, diziam, e eu agora acredito." O que é indubitável é que é multimilionário.

Erhard Mossack, o pai nazi, teve, pelo contrário, uma vida austera. Em 1935, tinha 11 anos, entrou, segundo documentos do FBI, na Jungvolk, a secção infantil das juventudes hitlerianas. Foi viver para Dresden com o seu tio Manfred, em 1938. Enquanto frequentava uma escola técnica, trabalhava como aprendiz na empresa de lentes e materiais óticos Zeiss-Ikon. Devido às suas capacidades conseguiu logo que o aceitassem na residência que tinham para os trabalhadores. Um ano mais tarde, o jovem de 15 anos voltou a ser seduzido pelo Führer e pela sua mensagem de domínio mundial. Em 1940, voltou à sua terra natal e trabalhou numa empresa mineira. Com a chegada da maioridade, alistou-se nas Waffen-SS. Em novembro de 1942 transferiram-no para uma depauperada divisão Totenkopf, 80% da qual tinha morrido em Demyansk (Rússia). O jovem Erhard foi enviado primeiro para França. Depois para a frente soviética. Os seus destinos seguintes: Checoslováquia, Finlândia e Noruega. É capturado pelas tropas norte-americanas em março de 1945, dois meses antes da queda de Berlim. Erhard estava prestes a fazer 21 anos...

Muito tempo depois, com essa idade, o seu filho Jürgen estava a estudar Direito na primeira universidade privada do Panamá, a Universidade Católica Santa María La Antigua. Licenciou-se um pouco tardiamente, em 1973, com 25 anos. Não tardou muito a rumar a Londres. Esta viagem seria crucial para que ficasse a entender as finanças globais. Foi admitido pela Law Society of England (Ordem dos Advogados de Inglaterra). Conviveu com os mais importantes advogados do mundo. E com os tubarões que viriam a forjar a fama atual da City. Regressou ao Panamá em 1977 já sabendo que iria fundar o seu próprio escritório, Jürgen Mossack Lawfirm, batizado em inglês. Apostava no direito corporativo, naval, banca, investimentos estrangeiros, consórcios, fundações privadas e gestão de investimentos... Ainda não tinha completado os 30 anos e era o orgulho do papá. Já então, Jürgen Mossack era um membro seleto da oligarquia panamiana.

A fuga de 1945

Em dezembro de 1945, juntamente com outros sete, o nazi Erhard Mossack tinha roubado um camião e fugia de um campo de prisioneiros de guerra em Le Havre (França). Separou-se dos restantes, depois de 600 quilómetros de viagem, ao chegar a Colónia (Alemanha). "Mossack teve uma extensa, embora superficial, educação política... É um típico líder das juventudes hitlerianas", lê-se no documento enviado da Embaixada dos EUA em Londres para o diretor do FBI, datado de 4 de dezembro de 1946. Neste texto, de 20 páginas, conta-se a história completa até esse momento do ex-nazi Erhard Mossack, que, um ano após o fim da guerra, oferecia-se como informador. O tom era dúbio. Os norte-americanos advertem que Erhard "estava perto de se juntar a uma organização clandestina, quer fosse de antigos nazis convertidos agora em comunistas... quer de nazis não convertidos que se encobriam a si próprios como comunistas... A sua oferta de se tornar informador [classificam-na] como uma possível tentativa astuciosa para sair de uma situação incómoda". O certo é que, com o tempo, Erhard acabou na Baviera a viver em liberdade. Já espião? Na primavera de 1948 nasceu Jürgen Rolf Dieter Mossack Herzog.

Erhard tinha-se enamorado de Luisa Herzog. Ela tinha outro filho, fruto de uma relação anterior. O seu nome: Horst, irmão mais velho de Jürgen. Hoje, Horst preenche, com o seu testemunho, alguns vazios na vida do nazi, do seu padrasto. Entrevistado pelo The Daily Mail, reconhece o que sentiu a sua mãe ao tê-lo fora do matrimónio. "Era uma vergonha naquele tempo, assim pensaram em dar-me para adoção." Mas acrescenta um dado adicional que revela um ato de generosidade do SS. "A minha mãe casou-se mais tarde com Erhard Mossack. Ele deu--me o seu apelido depois."

E o que diz sobre o seu meio-irmão panamiano? Perdeu-lhe o rasto quando ele esteve a estudar em Londres. "A notícia que saiu do Panamá é impactante, surpreendente. Desconcertante até, mas não posso dizer que me sinta envergonhado porque, na realidade, não tenho ligação com ele."

O mais interessante é que Horst revela que a determinado momento da sua vida, aquele que fora primeiro-cabo dos cabeça de morto tornou-se jornalista. Segundo a sua versão, publicou em 1952 - quando Jürgen tinha apenas 4 anos - um livro chamado Os Últimos Dias de Nuremberga. Uma resenha desta obra assinala que "Erhard Mossack descreve o calvário de Nuremberga nos últimos dias da II Guerra Mundial. Como editor de um jornal, reuniu muito material novo, em especial a análise de numerosas declarações de testemunhas. Leva-nos a olhar para os bastidores do cenário histórico... para o que ali aconteceu entre janeiro e maio de 1945".

O pai nazi de Mossack narra como caiu a cidade. São 160 páginas com fotos de edifícios destruídos e de unidades militares. Tornou-se jornalista depois de os serviços secretos dos EUA aceitarem a sua colaboração? Ou juntou-se antes aos serviços de informação alemães como suspeitam outros? Se o próprio herói de guerra nazi Otto Skorzeny, segundo informações recentes do diário israelita Haaretz, acabou sicário da Mossad, nada parece estranho.

O nome de Erhard não é por certo desconhecido para o BND (os serviços secretos alemães), com sede em Pullach, perto de Munique. De facto, confirmaram a existência de documentos sobre ele, ainda que não os tenham desclassificado. É esta a sua resposta oficial: "Porque poderiam prejudicar a República Federal da Alemanha ou algum dos seus estados federados."

Erhard foi capturado pelas tropas americanas na Baviera e na posse de uma lista de nomes de membros das unidades os Werwolf (homens lobo), uma força irregular criada pelo general nazi Heinrich Himmler, em 1944, para restringir o avanço dos aliados com táticas de guerrilha e atos de sabotagem nas zonas que iam ocupando.

Estas unidades de resistência que devem o seu nome a um romance escrito em 1914 por Hermann Löns, autor reverenciado pelo nacional-socialismo, chegaram a contar com até 5000 homens recrutados nas juventudes hitlerianas e membros das SS. A este movimento são atribuídas várias matanças de civis. Erhard foi possivelmente um homem-lobo que bateu em retirada com informações que soube usar em seu favor e que, segundo os dados que se foram reunindo sobre ele, lhe permitiram encurtar o seu cativeiro.

Agente duplo?

Segundo documentos procedentes dos serviços secretos americanos citados pelo Süddeutsche Zeitung no hashtag#PanamaPapers, o pai de Mossack não só se prestou a colaborar como também a angariar informações para os aliados. Evitou o processo de Nuremberga e começou uma vida nova trabalhando para vários meios de comunicação, incluindo o 8 Uhr-Abendblatt de Nuremberga. Este jornal foi fundado em outubro de 1919 por uma editora ultracatólica. Foi, juntamente com o diário do partido nazi, o único jornal que circulava durante a II Guerra Mundial, entre 1939 e abril de 1945. Foi proibido pelos americanos no fim da guerra. Em 1949, o diário voltou a aparecer, até ao seu desaparecimento, em 2012.

Em 1960, Erhard vai com a família para o Panamá, onde trabalhou para a Lufthansa, ao mesmo tempo que, segundo se especula, colaborou com a CIA desmascarando comunistas. A pista de Mossack pai é retomada em outubro de 1963. Num documento da agência é explicado que desde 1961 que Erhard tentou estabelecer contacto com os serviços de informação militar dos EUA. A sua área de ação vai desde Frankfurt, passando pelo Panamá, até Santiago do Chile e Cuba. (continua)


Angola. QUE IRÁ O FMI ENCONTRAR AO REMEXER NAS CONTAS DO REGIME DO MPLA?



Leston Bandeira – África Monitor, opinião

Porque Angola só vai ter uma economia a sério quando for um país bem governado. E a boa governação faz-se da liberdade de pensamento e expressão e implica a aceitação da discordância. Porque a diversificação tem de vir lado a lado com a diversidade. Porque nem todos podemos concordar ou aceitar desvio de dinheiros públicos para benefício de elites num país por reconstruir, onde a fome atinge mais de 70 por cento da população
Angola pediu hoje formalmente apoio financeiro ao Fundo Monetário Internacional (FMI), uma instituição que no passado já questionou o país devido aos desvios do dinheiro dos petróleos. Desta vez, que irá o FMI encontrar nas contas do regime do MPLA? E até onde irão as exigências do fundo em termos de transparência das contas e bom uso dos dinheiros públicos?

Os anos do “boom” da indústria petrolífera trouxeram classe de novos ricos, com os seus carros de luxo, casamentos caros e viagens de compras para Europa e Estados Unidos. Luanda passou a ser conhecida como a cidade mais cara do mundo para expatriados. Apesar de alguns investimentos na economia local, a quebra de preços de petróleo em 2014 apanha o país totalmente desprevenido. As receitas e as divisas começaram a escassear e os “kinguilas” (cambistas) voltam às ruas de Luanda, lembrando o passado da guerra. Os bancos deixaram de emitir cartões de crédito para uso no exterior. É sobretudo este segundo país que o FMI vai encontrar.

A questão que cada vez mais se ouve é como pode um país que encaixou quase 500 mil milhões de dólares nos últimos anos estar a restringir importações para poupar divisas? Para onde foi o dinheiro?

"O sentimento geral em Angola é que o dinheiro do petróleo ou foi mal gasto ou foi gasto no estrangeiro, e que muito pouco contribuiu para criar postos de trabalho ou para o desenvolvimento de comunidades locais ", afirmava recentemente a antropóloga social Cristina Udelsmann Rodrigues, num artigo para o Instituto Africano Nórdico.

A falta de transparência das contas públicas angolanas e o desaparecimento de fundos do petróleo foi sempre o grande ponto contencioso com o FMI. Em avaliações às contabilidadepública, em 2002, o Fundo chegou a dizer que tinham desaparecido 1.000 milhões de dólares dos cofres no ano anterior. E que, desde 1998, tinham desaparecido cerca de 4.000 milhões.

Já em 2011, foram denunciados pelo FMI desvios da Sonangol para contas no estrangeiro de 7,1 milhões de dóilares. Na sequência de todas estas denúncias, a ONG Human Rights Watch exigia ao governo angolano que explicasse onde estavam os 25 mil milhões de dólares em falta nos cofres do Estado.

A braços com uma crise sem precedentes – dois anos de receitas petrolíferas muito abaixo do que aquilo com que o regime se habituou a viver – Angola volta a cair nos braços do FMI. Pediu hoje formalmente ajuda. A duração da crise e os sinais de falta de fundos já o faziam adivinhar.

O Ministério angolano das Finanças argumenta com a necessidade de aplicar políticas macroeconómicas e reformas estruturais que diversifiquem a economia. Mas, no seu comunicado, sublinha-se a última parte: responder “às necessidades financeiras do país”. O governo de Luanda está sem dinheiro para pagar salários e reformas; já há muitos generais, daqueles a quem ela faz falta, que não recebem há mais de dois meses; daqueles que não acumularam capital.

Será que o regime percebeu realmente – e finalmente – a necessidade de ter agricultura, serviços, etc, em vez de apenas petróleo? Ou isso é secundário, face à necessidade de dinheiro fresco?

O que é facto é que a diversificação podia estar feita há muito. O dinheiro do petróleo criou excedentes – dos tais quase 500 mil milhões – que poderiam ter desenvolvido um país onde a igualdade de oportunidades seria o seu princípio fundador. Onde houvesse condições normais de vida, naturalmente e sobretudo das populações rurais, neste momento e, praticamente, desde a Independência, abandonadas à sua sorte.

O que é facto é que o governo do MPLA está sem dinheiro para acudir à situação miserável da Saúde, da Educação, sem dinheiro par apoiar a reconstrução de estradas e reestruturar cidades e vilas. No Lubango, por exemplo, todas as ruas são apenas buracos.

A propósito da recente prisão de 17 jovens, acusados de lerem um livro e atirados para as piores prisões de Luanda, o poder angolano atirou-se a toda a gente, por todas as vias, reclamando a sua condição de estado independente e livre (para fazer a justiça que o “chefe” quer). Mas os Estados Unidos, que também criticaram a sentença, não foram uma única vez visados. Porquê? A resposta está aí. É Washington que mais pesa as decisões do FMI e, portanto, o melhor foi não incomodar os antigos “imperialistas”.

Neste ponto, e dada a carência absoluta de dinheiro nos cofres de Angola, seria razoável que os EUA recomendassem ao FMI um olhar para além de transparência na utilização das finanças públicas. Que, no programa que vai ser negociado a partir da próxima semana, exigissem medidas não só financeiras, mas também no sentido de uma Justiça livre, direitos de cidadania efectivos e transparência a todos os níveis.

Porque Angola só vai ter uma economia a sério quando for um país bem governado. E a boa governação faz-se da liberdade de pensamento e expressão e implica a aceitação da discordância. Porque a diversificação tem de vir lado a lado com a diversidade. Porque nem todos podemos concordar ou aceitar desvio de dinheiros públicos para benefício de elites num país por reconstruir, onde a fome atinge mais de 70 por cento da população.

Angola. POLÍCIA ALVEJA TRÊS JOVENS EM MANIFESTAÇÃO EM CALUQUEMBE



Três jovens foram atingidos a tiro pela polícia em Caluquembe, província da Huíla (Angola), na passada segunda-feira, durante uma manifestação pacífica organizada na sequência de decisões sobre o pagamento de propinas e contra a exoneração da direcção dos estabelecimentos de ensino do II Ciclo e Técnico Profissionais.

Maka Angola, em Folha 8

“Foram atingidos três jovens, dois dos quais se encontram internados nos hospitais da Igreja Evangélica Sinodal de Angola (IESA), em Caluquembe; um terceiro elemento, não identificado, em estado mais grave terá sido evacuado para Lubango”, segundo relatório da delegação do Sindicato dos Professores, a que o Maka Angola teve acesso.

De acordo com a mesma fonte, no dia 11 de Abril (segunda-feira), a polícia começou por prender, às oito da manhã, cinco estudantes que participavam numa “manifestação pacífica” pela abolição da propina recentemente decretada e contra a exoneração da direcção dos estabelecimentos de ensino de Caluquembe, a qual decorria “sem qualquer acto de vandalismo”.

Apesar de o grupo de cinco estudantes ter sido colocado em liberdade, a manifestação de estudantes, com idades entre os 13 e os 21 anos, manteve-se no local.

“A polícia, vendo a euforia dos alunos, começou a agredi-los, batendo com chicotes. Perante esta reacção da polícia, os alunos agarraram em objectos e contra-atacaram os agentes. Deste modo, como a polícia não conseguia controlar ou dispersar os alunos, por volta das 10h15 começaram os disparos, que duraram até à chegada de dois helicópteros da Polícia Nacional, vindos do Lubango por volta das 13h45, disparando para o ar”, relata a mesma fonte.

Os feridos são Paulo Alfredo Cabral, de 17 anos, aluno do curso de Ciências Económicas e Jurídicas no Colégio Novo Horizonte, no Caluquembe, que foi atingido na perna direita, junto ao joelho, embora já se encontre “fora de perigo”; e Cecília Camia Francisco, de 21 anos, aluna da Escola de Formação de Professores, que foi atingida na coxa direita.

“Esta encontra-se em estado mais delicado, pois a bala ainda não foi retirada. Segundo as enfermeiras, que não quiseram identificar-se, houve um terceiro elemento ferido, que terá sido gravemente atingido no pescoço, e que foi evacuado para o Lubango sem deixar registo junto do hospital, não se sabendo se é ou não aluno”, acrescentou o relatório do SINPROF.

No dia seguinte ao incidente, o porta-voz do Comando Provincial da Polícia Nacional na Huíla, superintendente-chefe Paiva Chandala Tomás, negou inicialmente, à imprensa local, que os disparos tivessem sido efectuados por um agente policial. Na quarta-feira, o porta-voz reconheceu à TV Zimbo que o autor dos disparos era um agente da Polícia Nacional, já estava localizado e seria punido.

No entanto, várias fontes locais contactadas por Maka Angola indicam que o terceiro sargento Moisés Mununga, o presumível autor dos disparos, “continua a trabalhar normalmente”.

Uma autoridade local desabafou ao correspondente do Maka Angola que todas as administrações locais têm orientações superiores “para reprimir qualquer manifestação a todo o custo”.

Segundo o testemunho recolhido pelo Maka Angola, os incidentes ocorreram depois de uma reunião extraordinária no CMP – MPLA, sob presidência do administrador municipal, José Arão Nataniel Chissonde, que convocou todos os directores das escolas do II Ciclo e Técnico Profissional. Nessa reunião foi determinado que todos os alunos do II Ciclo e Técnico Profissional “devem pagar uma propina no valor 3000 kuanzas por mês, cada um”, dos quais 2000 kuanzas permanecem nas escolas e 1000 kuanzas vão para os cofres da Administração Municipal, servindo, segundo o administrador José Arão Nataniel Chissonde, para a compra de combustível para a iluminação pública.

José Arão Nataniel Chissonde determinou ainda que o aluno que não efectuasse o pagamento do imposto até ao dia 11 de cada mês ficaria impedido de assistir às aulas.

No mesmo encontro, depois de ter notado a ausência do director da Escola de Formação de Professores (EFP), Abel Pedro, que foi representado por um professor por ele indicado, resolveu o administrador suspender toda a direcção, sem que os seus elementos fossem ouvidos.

“O administrador mandou um recado, dizendo que o director não voltasse à referida escola. Terminado o encontro, dirigiu-se à escola, levando consigo uma nova direcção e apresentando-a aos alunos, tendo reforçado que o director anterior nunca mais voltava a pôr os pés na instituição, nem que fosse pintado de ouro”, relata o contacto do Maka Angola no município.

“Caso o dito director voltasse, ele próprio deixaria de ser administrador do município”, indica o relatório, referindo-se ao conteúdo das declarações feitas no local.

Após o anúncio referente à nova propina obrigatória e perante a exoneração da direcção, os alunos, pela voz do presidente da associação de estudantes, solicitaram esclarecimentos. O administrador José Arão Nataniel Chissonde limitou-se a responder que a decisão já estava tomada e “que não havia explicações a dar a ninguém”.

Foi na sequência desta atitude autoritária que os alunos se revoltaram e decidiram protestar contra a nova direcção, exigindo o regresso dos responsáveis que tinham sido afastados de modo arbitrário.

Diante desta reacção dos alunos, a nova direcção não aceitou ser empossada. Consequentemente, os presidentes das associações de estudantes dos cinco estabelecimentos de ensino do II Ciclo e Técnico Profissional reuniram-se e decidiram protestar frente à administração municipal de Caluquembe.

No dia em que se registaram os incidentes e o episódio de violência policial, segunda-feira, 11 de Abril, o administrador José Arão Nataniel Chissonde ameaçou expulsar da escola um professor de Geografia, simplesmente “por ser do SINPROF e coordenador de actividades extra-escolares”. Logo de seguida, teve início a manifestação pela abolição do imposto e que apelava ao regresso da anterior direcção.

Portanto, o episódio do professor foi o gatilho de uma legítima reacção da sociedade civil, que se sentiu lesada pela tomada de decisões arbitrárias e injustificadas por parte de José Arão Nataniel Chissonde. O resultado: carga policial em excesso e sem justificação, não se conhecendo ainda todas as consequências deste acto.

Foto do Folha 8/Arquivo

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Brasil. OS ANTECEDENTES DA TORMENTA INDICAM POR ONDE RECOMEÇAR



Está claro que um sistema político que fica refém de Cunha precisa ser reinventado com maior participação social. O ciclo iniciado em 2002 negligenciou isso.

Saul Leblon*

Um golpe não começa na véspera; tampouco tem desdobramentos plenamente identificáveis na manhã seguinte.

Uma derrota progressista pode ser devastadora para o destino de uma nação, a sorte do seu povo e a qualidade do seu desenvolvimento.

Mas a resistência que engendra pode inaugurar um novo marco de consciência política.

Pode redefinir a correlação de forças, as formas de luta e de organização e coloca-las num patamar mais avançado, mas não menos abrangente 

Apesar dos votos dedicados à família, a Deus e até a um torturador –Bolsonaro ofereceu sua escolha a Brilhante Ustra e ao golpe de 64 --   a transparência da história pulsou forte no Brasil nesta noite de 17 de abril de 2016.

Guardadas sóbrias exceções, os que condenaram Dilma filiam-se a agendas e valores imiscíveis com o mapa histórico que desponta da Revolução Francesa e fez dos direitos sociais universais o guia generoso e libertário da humanidade.

A violência conservadora, como ocorre em todos os golpes contra governos progressistas, apunhalou a democracia para atingir o interesse popular.

Mais adiante tentará aleijar a soberania nacional descartando-a como anacronismo populista.

A ética, a responsabilidade fiscal, serviram de guarnição das aparências.

O golpe nasceu de um ménage à trois entre a escória liderada por Cunha, o ódio inoculado pela mídia na classe média e o plano de arrocho e entreguismo do PSDB

O cinismo foi o grande vencedor da jornada triste que banhou o país de lufadas adicionais de incerteza e turgulência.

Votos decisivos ao impeachment ‘por irresponsabilidade fiscal da Presidenta da República’ vieram das bancadas –inclua-se a do PSDB— que patrocinaram as pautas bombas, estas sim suficientes para quebrar a nação.

E não é necessário desfiar o prontuário completo do operador Eduardo Cunha, para adicionar ao cinismo a hipocrisia.

Hipócritas de punhos de renda –jornalistas, políticos, intelectuais, ministros do STF— assistiram a todo esse processo emprestando pertinência formal ao estupro coletivo da democracia na arena das bestas-feras.

Por mérito, a cusparada histórica do deputado Jean Wyllys num fascista que o insultara  --e que homenagearia um torturador e o golpe de 64 no seu voto pela derrubada da Presidenta Dilma--, deveria ser estendida aos demais protagonistas do espetáculo degradante.

Entre eles, certamente a mídia.

Coube a ela amalgamar o movimento regressivo de longas raízes históricas que se prepara agora –afastado o obstáculo inicial--  para assaltar a Constituição Cidadã naquilo que ela fez  de melhor: legitimar os direitos sociais reprimidos pela ditadura 24 anos antes da sua promulgação, em novembro de 1988.

Faz parte do jogo de espelhos que Temer jure fidelidade ao Bolsa Família, a exemplo do que já prometera ao mandato de Dilma, pouco meses atrás.

O fato  é que os acontecimentos em marcha vieram reafirmar a rigidez da fronteira onde acaba a tolerância do dinheiro e do mercado com o projeto de construção de uma sociedade mais justa na oitava maior economia do planeta e principal referência da  luta pelo desenvolvimento no mundo ocidental.

‘A democracia prometeu mais do que o capitalismo está disposto a conceder’, martela diuturnamente o jogral midiática, em todo o ciclo iniciado em 2002.

O alvo são os direitos sociais abrigados na Carta de 1988, que o PT  criticou na origem pelas suas limitações (a questão agrária, uma das mais graves), mas da qual se fez o mais fiel guardião quando chegou ao poder.

O mercado entendeu que a crise econômica global –diante da qual o governo esgotou os sistemas de contrapesos fiscais do país,  abriu a oportunidade para um acerto de contas com o ‘populismo constituinte de 1988’.

A frente golpista uniu a escória política, a mídia, o dinheiro grosso local e internacional e os sem voto num pacto feito de sistemas de compensações complementares.

Esse que agora se desenha abusadamente aos olhos da sociedade e com a cumplicidade do jornalismo da indignação seletiva.

Cunha terá sua anistia, em troca de devolver o poder pleno ao mercado, via corrupção política da qual se acusa o PT.

O PSDB volta ao poder sem precisar se submeter à urna.

O STF, depois de se acoelhar de forma indecente na preservação do livre movimento de Cunha, poderá falar grosso com Moro, e assim encerrar a Lava Jato.

A Chevron e a Shell terão o pré-sal prometido por Serra e pelo PSDB; a Globo renovará sua concessão facilmente a partir de 2018...

Vai por aí a engrenagem posta em funcionamento, a partir deste domingo.

O ciclo em que o golpismo tratará a democracia social como um estorvo está longe de se encerrar com a conclusão do processo do impeachment.

A lambança golpista, por mais que gere uma euforia imediata nos mercados especulativos, não resolverá as grandes pendências nacionais, emolduradas por um pano de fundo desafiador.

O mundo vive a mais longa, incerta e frágil convalescença de uma crise capitalista desde 1929.

Tudo o que foi subtraído do Estado e do trabalho no período anterior à explosão as subprimes, em 2008 –regulações, direitos, soberania etc, mostra agora a sua falta.

Desprovida de alavancas contracíclicas a economia global não decola e agora arrasta as nações em desenvolvimento para o ralo corrosivo da estagnação.

Sobram paradoxos.

O da superprodução de capital fictício, em metástase especulativa, o mais evidente deles.

Seu contraponto histórico é a anemia do investimento e do emprego urbi et orbi.

Ficções de livre comércio rondam esse cenário como a panaceia recorrente dos carrascos de direitos sociais.

Acordos de livre comércio –como o acalentado pelos gurus econômicos do golpe--  em condições de contração sistêmica, como é o caso, formam um jogo de soma zero, que apenas transfere demanda de um ponto a outro. No caso, a gula persegue o mercado de massa brasileiro que, sozinho,  tem escala e densidade para integrar o G 20.

Nessa voçoroca da soberania, o emprego gerado numa economia é a vaga subtraída na outra.

Igual circularidade se observa no deslocamento dos passivos do setor privado para o Estado, após um longo ciclo de farra financeira.

O setor privado ‘ajustou-se’, diz o colunismo abestalhado de toxina neoliberal.

Omite-se que o ônus foi transferido aos governos.

Fala-se pelos cotovelos da gastança fiscal petista. Oculta-se que a relação dívida pública/PIB nas economias mais ricas saltou de 78% para 105% desde 2008.

Em contrapartida, a participação dos salários no PIB global recuou:  hoje é 10% inferior à média dos anos 80.

Esse torniquete estreitou sobremaneira a margem de manobra de políticas associadas a projetos de desenvolvimento com repartição de renda, como os implementados na América Latina.

O Brasil é o caso mais exposto porque foi justamente quem chegou mais longe nesse processo.

Como atesta o Banco Mundial, a pobreza extrema no Brasil caiu 64% entre 2001 e 2013, passando de 13,6% para 4,9% da população.

Nada igual ocorreu na América Latina.

Atingido pela queda nos preços e  no volume embarcado de minérios e grãos, o país sofreu também com a retração nas exportações  de manufaturados (adicionalmente solapadas pelo câmbio desastrosamente valorizado), antes vendidos a parceiros latino-americanos, em idêntico apuro.

É nessa moldura que a coalizão conservadora lançou-se ao golpe de Estado. Com determinação virulenta e bem sucedida, como se vê.

Entre outras razões, porque conseguiu impor o seu diagnóstico e a sua pauta como referência dominante do debate sobre a crise aqui e no resto do sistema capitalista.

Sim, não é propriamente uma surpresa que as ideias dominantes de uma época sejam as ideias das classes dominantes. 

Desde 1846, quando Marx e Engels assentaram seu vigamento filosófico nas páginas de ‘A ideologia alemã’, o peso material das ideias ganhou o devido destaque na luta de classes.

Mas no Brasil esse poder de agendamento tornou-se asfixiante

Para um conservadorismo derrotado quatro vezes consecutivas pelo voto popular nas disputas presidenciais desde 2002,  tornou-se a ferramenta decisiva na desconstrução de um adversário que não se guarneceu para enfrentamento equivalente.

Pior que isso, subestimou a sua importância.

À bordo de um economicismo conveniente, delegou-se às gondolas do supermercado a tarefa de traduzir avanços sociais e econômicos do período em mudança na correlação de forças.

Nesse oco político o golpismo encontrou o espaço  para um recadastramento histórico.

Recuperar o tempo e o poder perdidos convoca o desassombro e a convergência progressista.

O episódio  das ditas pedaladas  evidenciou essa dificuldade de se defender do algoz, sem romper com o círculo de giz que ele traçara no chão.

Por que o governo  hesitou tanto em convocar imediatamente uma rede nacional,  para explicar o que as ditas 'pedaladas' representavam de fato?

Ou seja, que a Caixa quitou programas sociais em dia, sendo ressarcida em seguida -- sem alterar o orçamento, portanto.

Por que o governo não escancarou imediatamente o golpismo intrínseco à ‘escandalização’ da operação contábil corriqueira, com fins sociais irrepreensíveis? E por que temeu confronta-la, por exemplo, com a  derrama dos juros (8% do PIB) sobre o cofre do Estado – escândalo que nenhum advogado do ajuste fiscal argui?

Em 757 dias úteis, até o final de 2014, o saldo do Bolsa Família na CEF só ficou negativo em 72 dias. O pagamento de juros aos rentistas da dívida pública, no entanto, drenou o equivalente a mais de 15% do PIB nesse período, deslocando recurso fiscal escasso para os cofres abarrotados  da pátria financeira.

Os que golpearam Dilma ‘em nome do povo’ neste domingo, avocariam esse mandato se o povo verdadeiro tivesse sido conscientizado das disputas fiscais efetivas  no caixa da República?

‘Governo é metade realizações, metade ideia. Por muito que fizer, um governo que não trava a luta das ideias, sempre figurará aos olhos da sociedade com quem fez muito pouco’, lembrou em recente viagem ao Brasil, o vice presidente da Bolívia,  Álvaro García Linera

A negligência com a luta das ideias foi a tônica nos últimos 12 anos de avanços notáveis no plano social que, todavia, não se traduziram em engajamento político correspondente de seus beneficiários.

A democracia, portanto, não se tonificou de novos protagonistas organizados e de novos canais de participação. Manteve-se refém de um Congresso capaz de produzir e legitimar um déspota como Eduardo Cunha  -- a quem coube, afinal, fazer o ajuste entre as duas realidades.

O economista Márcio Pochmann enxergou pioneiramente os riscos implícitos na assimetria entre avanços econômicos e sociais desprovidos do respectivo cimento organizativo e ideológico.

‘Cerca de 22 milhões de trabalhadores ascenderam socialmente, desde 2003,’ lembrava ele já em 2013,  ‘mas não houve mudança na taxa de sindicalização no país: de cada dez destes trabalhadores, só dois se filiaram a algum sindicato. O mesmo aconteceu com os estudantes beneficiados pelos programas do governo federal e com os beneficiários do Minha Casa, Minha Vida’, espetou na sua lista dos antecedentes da tormenta, que por fim eclodiria já na campanha de 2014, ainda assim subestimada.

Marilena Chauí  --já se observou neste espaço -- que sempre atuou na contracorrente da rendição ideológica dos últimos anos, ensina que ‘a ideologia é o processo pelo qual as ideias da classe dominante se tornam ideias de todas as classes sociais  ‘

‘Esse fenômeno’, diz a filósofa,  ‘de manutenção (adoção) das ideias dominantes, mesmo quando se está lutando contra a classe dominante,  é o aspecto fundamental daquilo que Gramsci denomina de hegemonia, ou o poder espiritual da classe dominante’.

Por isso ele dizia que, sublinha a professora, se num determinado momento os trabalhadores de um país precisam lutar usando a bandeira do nacionalismo, por exemplo, a primeira coisa a fazer é redefinir toda a ideia de nação (...) e elaborar uma ideia do nacional que seja idêntica à de popular.

‘Precisam, portanto, contrapor, à ideia dominante de nação, uma outra, popular, que negue a primeira’, sintetiza Chauí.

O ciclo golpeado neste domingo esteve longe de proceder a essa mutação.

Está claro que um sistema político que fica refém de Cunha e de sua matilha precisa ser revitalizado com maior participação social.

Se quiser implodir a resiliência golpista,  as forças progressistas terão que se atirar de forma unida no debate das ideias para dota-las de um projeto com peso material  capaz de impulsionar o passo seguinte da luta por democracia, igualdade e desenvolvimento no país.

Se o fizer, a derrota deste domingo poderá ser revertida muito mais cedo do que supõe a histeria de um golpismo eufórico, mas incapaz de oferecer respostas aos brasileiros, que não a trágica aposta dobrada em um  neoliberalismo  mundialmente despedaçado.

*Carta Maior, em editorial

A MISÉRIA DA RAZÃO NA DEMOCRACIA BRASILEIRA



Cássio Garcia Ribeiro* e Mário Tiengo*, Pragmatismo Político

O enredo do processo de impeachment da Presidenta Dilma é absolutamente surreal. Traição, oportunismo, revanchismo, falência ética e moral são alguns dos principais ingredientes desse enredo. Muitos dos protagonistas estão envolvidos até os últimos fios de cabelo em escândalos de corrupção, havendo provas robustas contra eles. Mesmo se forçássemos a barra e considerássemos a pedalada fiscal um crime de responsabilidade, tal crime seria burlesco ante os crimes cometidos por muitos dos excelentíssimos parlamentares que encabeçam a tentativa de impeachment da Presidenta. Formação de quadrilha, sonegação fiscal, enriquecimento ilícito, improbidade administrativa, desvio de recursos, peculato, crime eleitoral, crime contra o sistema financeiro nacional e lavagem de dinheiro não esgotam a longa ficha corrida imputada aos nobres representantes da sociedade brasileira.

Mais da metade (37 dos 65 deputados) dos integrantes da comissão de impeachment está na mira da justiça brasileira, inclusive o relator do impeachment, o deputado Jovair Arantes (PTB-GO). Suas contas de campanha referentes às eleições de 2006 e 2012 foram reprovadas, além de ser alvo de ação movida pelo Ministério Público Federal por crimes de improbidade administrativa. Além disso, quatro outros integrantes dessa comissão já foram condenados por improbidade administrativa: Paulinho da Força (SD/SP), Marcelo Squassoni (PRB/SP), Marcos Montes (PSD/MG) e Paulo Maluf (PP/SP), todos favoráveis ao impeachment.

O Presidente da Câmara é um caso à parte. Dizem as boas línguas que ele controla uma bancada particular no Congresso Nacional, obtida a partir da distribuição de dinheiro entre seus colegas com envergadura moral equiparável à sua. Cínico, manipulador, calculista, pinta e borda na casa do povo brasileiro ao brincar com os rumos da política e da sociedade brasileira ao seu bel prazer. Sua figura exerce um dos papéis mais importantes da República com o beneplácito, o salvo-conduto da grande imprensa e de parte da sociedade. É comum ouvir que “podemos tolerar um Eduardo Cunha presidente da Câmara, em que pesem seus desvios, pois ele está cumprindo um serviço à nação ao ajudar a expulsar a Dilma e o PT da Presidência”. É chocante e estarrecedor o efeito de catarse que presenciamos aqui no Brasil em torno da caça às bruxas direcionada a um partido e aos seus principais líderes, um tipo de neo-macarthismo à brasileira que deixa a impressão de que as pessoas perderam o bom-senso, a noção de democracia e de justiça, afogando o espírito republicano em berço esplêndido. Nesse universo paralelo fomentado por uma opinião pública dissimulada e manipuladora, todos os desvios e as ilegalidades são aceitos, as apunhaladas pelas costas se transformam em um mero “desembarque”, quando o tema é “Fora Dilma e leve o PT junto”!

Vale a pergunta: cadê as cavalarias do Ministério Público, da Procuradoria Geral da República e do Supremo Tribunal Federal? Onde está o sistema de pesos e contrapesos da democracia? A resposta novamente aponta para um cenário desolador: a toga se omitindo, ou desequilibrando descaradamente a balança. Um famoso membro do STF conspira publicamente, sem pudor algum, com políticos da oposição, enxovalhando a imagem do órgão máximo da justiça brasileira. Um Procurador Geral da República parcial e que, para além disso, comenta-se que teria assumido a função de alto comando do golpe. Deixou (ou, quem sabe, delegou funções, articulou) os soldados e cabos do golpismo agirem livremente. Prisões arbitrárias, delações premiadas, vazamentos seletivos, escutas telefônicas de advogados com seus clientes e da própria Presidenta da República. Não é preciso ser profundo conhecedor do ordenamento jurídico brasileiro para constatar que muitas dessas ações ocorrem à margem da legalidade, em nome de um pretenso combate implacável à corrupção.

Tomaram de assalto a casa do povo brasileiro, rasgaram a Carta Magna e estão prestes a impedir uma presidenta honesta, íntegra, que não cometeu qualquer crime de responsabilidade (ao contrário de muitos que votarão contra ela no domingo) e que foi eleita democraticamente! A justiça, dando de ombros, ou se metendo a fazer política partidária, esquecendo-se de seu importante papel de guardiã da Constituição, de última muralha a salvaguardar o estado de direito. Assim como ocorreu em 1964, uma parcela importante da sociedade brasileira vem dando uma carta em branco a esses senhores, ao avalizar um golpe de estado que pode nos levar à barbárie.

É a miséria da razão na democracia brasileira materializando-se em frente aos nossos olhos. É preciso que a sociedade tenha consciência sobre a infâmia que está acontecendo no país. Nesse sentido, urge que as ruas do país sejam tomadas pelas forças progressistas e democráticas, com vistas a mostrar que um eventual governo ilegítimo será repudiado de maneira veemente. O brado forte que deve retumbar é do protesto contra essa ilegalidade, em oposição a esse verdadeiro atentado ao estado de direito e à vontade popular expressa nas urnas.

*Cássio Garcia Ribeiro é professor do Instituto de Economia da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e Mário Tiengo é especialista em Governança Pública e colaboraram para Pragmatismo Político.

Brasil. “AQUI SÓ DE GRAVATA!”



Ricardo Castanheira* – TSF, opinião

A quem é, como eu, visita frequente no Congresso brasileiro, a "peixeirada" de domingo não gera surpresa alguma, apesar do constrangimento.

Quando, há cinco anos, acabado de chegar a Brasília, visitei pela primeira vez o magnífico edifício do Congresso Nacional, fui barrado à entrada do "Salão Verde" - antecâmara do Plenário - por não usar gravata. O protocolo interno obriga o adereço. A fiscalização é efetiva e inultrapassável. Mas o curioso - ou talvez não - é que nas sessões, apesar da gravata e do formalismo, a algazarra é frequente, a agressividade verbal comum e a bagunça uma constante.

A sessão deste domingo foi efetivamente diferente, mas porque estavam lá quase todos os deputados (o que é raro) e não pelo linguajar utilizado ou pela pobreza argumentativa. A quem é, como eu, visita frequente no Congresso brasileiro, a "peixeirada" de domingo não gera surpresa alguma, apesar do constrangimento.

É preciso ir fundo nas razões e não ficar apenas pela superficialidade da forma. Importa ler os currículos e percursos de vida da esmagadora maioria daqueles deputados para compreendermos alguma coisa. É essencial analisar o sistema político-eleitoral para perceber como conseguem chegar ao poder. É imperativo observar o modelo de financiamento partidário - alimentado por doses indescritíveis de corrupção - para entender como se elegem.

Os políticos brasileiros deixaram há muito de satisfazer a esperança do povo, que inexoravelmente encontrou resposta nas igrejas que pululam a cada esquina e no discurso justicialista de juízes e procuradores. As igrejas passaram a ter grupos parlamentares e os magistrados (ex. Joaquim Barbosa e Sérgio Moro) vistos como salvadores da pátria. Por tudo isto é fácil compreender as centenas de invocações da figura divina nas declarações de voto, neste domingo. Não era por fé, mas por conveniência!

O Brasil vive uma crise política seríssima que retroalimenta a debelada economia. Inflação crescente, desemprego galopante e taxas de juros incomportáveis fizeram descer o país aos infernos em pouco mais de dois anos. A maior operação global de combate à corrupção (Lava-Jato) a par de uma inabilidade quase inata para governar por parte da Presidente - tudo somado - resultou num caldo propício para o processo de impedimento e para a animosidade que transbordava em cada fala dos deputados, assim como nas ruas pela voz do povo. O Brasil da paz, já era.

Os brasileiros nunca foram bons em previsões - até porque não faz parte das suas preocupações quotidianas, nem da respetiva idiossincrasia - e, menos ainda, em planeamento. O que virá, virá e logo mais se vê. Convivem naturalmente com a incerteza e com o improviso, por isso muitas das análises prospetivas sobre o que vai passar-se na política (mais do que na economia, onde o desastre é certo) correm o risco de ser tempo perdido. Aliás, vale, aqui, recordar a expressão que "no Brasil, até o passado é incerto", atribuída a um ex-ministro da Fazenda, Pedro Malan.

O Brasil é um país complexo e de uma diversidade singular. Como disse Tom Jobim: "não é para principiantes!". Tentar analisá-lo à luz de valores europeus ou de modelos sociais e políticos portugueses é um erro tremendo, que não aproximará as partes, mas antes aprofundará o fosso do desconhecimento recíproco, que até hoje quase ninguém, em ambos os lados do Atlântico, tentou mitigar.

* Ex-deputado do PS na Assembleia da República, empresário em Brasília

GOVERNADOR DO BANCO DE PORTUGAL ESCONDE-SE ATRÁS DA CONFIDENCIALIDADE




Carlos Costa contornou sempre as perguntas dos deputados relativas ao teor não conhecido da ata do conselho de governadores do BCE, através da qual se ficou a saber que o BdP sugeriu a limitação do financiamento ao Banif

egunda audição ao governador do Banco de Portugal (BdP) não foi totalmente esclarecedora. Carlos Costa fugiu às respostas que os deputados queriam ouvir. Afinal foi ou não o BdP que limitou o financiamento ao Banif e porque razão não informou o governo do teor da informação trocada com o BCE?

Carlos Costa disse o que os deputados não queriam ouvir, que existam deveres de confidencialidade e que não os podia violar. Ao contrário do que Catarina Martins defendeu no último debate quinzenal com o primeiro ministro, nesta audição nenhum deputado considerou que as falhas do governador jusitificassem a saída do cargo.

Recorde-se que a líder do BE pediu "a cabeça" do governador devido às sucessivas falhas de informação da parte deste ao governo. Referia-se nomeadamente à última, ou seja, que Carlos Costa não tinha avisado as Finanças que tinha sido o BdP a pedir a limitação do financiamento ao eurosistema. O governador repetiu-se nas explicações: "Propusemos a entrega da ata na sua totalidade mas foi barrada porque o BCE entedeu estar protegido pela confidencialidade. Há um dever de confidencialidade a que estou também eu obrigado". "A única matéria que pode ser divulgada são as conclusões mas teria todo o gosto que a ata do conselho de governadores fosse pública porque facilitaria a vida a todos", conclui.

A confidencialidade foi também apontada como a prinicpal razão para que não tivesse avisado o ministério das Finanças (acionista maioritário do Banif), da decisão de que teria proposto a limitação do financiamento ao banco madeirense. O governador diz que o BCE foi alem da sugestão do BdP, mas que não pode explicar mais.

Face ao desespero dos deputados que consideraram que Carlos Costa não respondia diretamente a nada, este afirma: "Fui suficientemente eloquente sobre o plafond que defendia. Não posso ir alem, devido às obrigações que tenho, sob pena de violar os princípios de confidencialidade".

Quanto às questões sobre se o BdP teria pedido apoio à CGD para conceder uma linha de financiamento ao Banif, o governador voltou a não responder.

Isabel Vicente / Alexandra Simões Abreu - Expresso

Portugal. MINISTÉRIO PÚBLICO E PSP OMITIRAM VIOLÊNCIA E RACISMO NA POLÍCIA



IGAI, que tem poder disciplinar sobre os agentes, salienta que corporação e o MP não fizeram aquilo a que estavam "obrigados". Organismo soube, quatro anos depois, pelo PÚBLICO, do caso de agente que baleou cigano.

O Ministério Público (MP) e a PSP omitiram à Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI) o caso noticiado recentemente pelo PÚBLICO relativo a um agente da PSP de Beja condenado a uma pena suspensa de um ano e três meses de prisão por balear com uma espingarda um jovem cigano. O juiz deu como provado que tal se deveu a “ódio racial”. A IGAI, que tem competências disciplinares sobre agentes da PSP e da GNR, descobriu a situação só na sexta-feira, quando o PÚBLICO a questionou e avançou detalhes do caso ocorrido em 2012. Durante quatro anos, o organismo, ao qual a PSP e o MP estavam obrigados a comunicar o sucedido, de nada soube.

Os processos disciplinares podem resultar, entre outras sanções, na suspensão de serviço ou na expulsão. Mas agora, mesmo que a IGAI avoque o processo disciplinar ao agente que está em fase de conclusão nos serviços da inspecção da PSP, as provas estarão comprometidas devido ao passar do tempo, segundo fonte da inspecção.

Na sexta-feira, face a dados fornecidos pelo PÚBLICO, a IGAI, apanhada de surpresa, faz perguntas ao Tribunal de Beja e à PSP. “O MP e a PSP estão obrigados a comunicar estas situações à IGAI, mas não o fizeram”, lamentou então, numa resposta escrita enviada ao PÚBLICO, o subinspector-geral da Administração Interna, Paulo Ferreira. A IGAI decidiu “abrir um processo de natureza administrativa” para averiguar “os motivos que levaram à omissão das comunicações”.

PGR investiga

A falha, que tanto tempo demorou a ser revelada, será também investigada pela Procuradoria-Geral da República (PGR). “Tendo-se verificado que não houve oportuna comunicação à IGAI — a qual não é obrigatória por lei mas que se encontra prevista em normas internas —, a PGR vai averiguar por que motivo tal não sucedeu”, explicou a procuradoria.

Os procuradores que lideraram o inquérito-crime e mais tarde defenderam a condenação do polícia em tribunal estavam obrigados a comunicar todo caso à IGAI desde o seu início, em 2012. Uma circular interna da PGR, ainda assinada pelo ex-procurador-geral da República, Cunha Rodrigues, obriga os magistrados, desde Maio de 1998, a comunicar à IGAI a instauração de inquéritos-crime “em que seja arguido” um agente da PSP ou da GNR.

Também na PSP existem instruções iguais. Um despacho do ex-ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, obriga as polícias, desde 2013, “a dar imediata notícia dos factos” à tutela e à IGAI nos casos em que agentes sejam suspeitos de “violação de bens pessoais, designadamente de morte ou ofensas corporais graves ou da existência de indícios de grave abuso de autoridade ou lesão de elevados valores patrimoniais”. Neste caso, o polícia foi acusado e condenado por ofensa à integridade física qualificada.

Versões contrárias

Em Outubro de 2012, Igor foi a uma quinta em Beja, explorada por agentes da PSP nos tempos livres. Queria pedir trabalho. Bateu ao portão e perguntou ao agente da PSP, Manuel António Santos, de 56 anos, se podia falar com ele sobre a apanha da azeitona. A resposta surgiu de um cano de uma espingarda “pressão de ar”. O jovem, desarmado, foi atingido na cara, no lábio, perdeu dentes, caiu no chão. Ainda hoje não consegue comer nem dormir normalmente e necessita de uma cirurgia ao maxilar.

O Ministério da Administração Interna, que diz ainda não ter sido notificado da sentença recente, alega que, “à data dos factos, a notificação da IGAI só era obrigatória em relação a casos que envolvessem agentes em serviço e não na sua vida privada”. Dois despachos do MAI, de 2009, que nunca terão sido publicados em Diário da República, regulavam a relação entre a IGAI e a PSP e não obrigariam à comunicação de ilícitos cometidos por polícias na sua vida pessoal, garantem algumas fontes policiais, enquanto outras, judiciais, salientam o contrário.

Certo é que a IGAI disse ter iniciado esta segunda-feira “diligências” para saber “se a conduta do elemento policial ocorreu no decurso de uma acção policial ou se sucedeu no âmbito da actividade privada”. Segundo a sentença, o agente não estava de serviço. A PSP diz que está “totalmente disponível para prestar qualquer esclarecimento que a IGAI entenda pertinente”.

Outras estranhezas deste caso estão igualmente espelhadas na sentença que condenou o agente a pagar também uma indeminização de dez mil euros à vítima. Após o disparo, o agente fugiu enquanto os colegas da PSP chamados a tomarem conta da ocorrência nada terão feito para o localizar ou apreender a arma. Removeram do local o carro do colega e terão, assim, tentado encobri-lo, acredita o juiz. A investigação só arrancou com a chegada da Polícia Judiciária. A possibilidade de serem alvo de um inquérito disciplinar já prescreveu, mas podem ainda, lembrou fonte judicial, ser acusados pelo crime de favorecimento pessoal na sequência do que foi dado como provado no julgamento de Manuel António Santos.

Pedro Sales Dias - Público

Portugal. VELHOS PROBLEMAS NO NOVO BANCO



Mariana Mortágua – Jornal de Notícias, opinião

Foram publicadas as contas mais recentes do Novo Banco. Trazem duas reservas por parte da auditora (PWC) que não são de menosprezar. A primeira decorre da exposição do Novo Banco ao antigo BESA. Lembram-se com certeza que o BES era o dono do BESA, e que o BESA devia muito dinheiro ao BES por ter andado a fazer empréstimos sem garantia a figuras que se suspeita serem próximas do regime angolano. Tanto assim é que José Eduardo dos Santos pôs o Estado angolano a garantir essa dívida de 3300 milhões de euros. Pois bem, a verdade é que, no fim, o BES e o BESA faliram e a garantia sumiu-se.

Quando o BESA foi transformado em Banco Económico, um banco público angolano, a dívida foi reestruturada, e passou a 838 milhões. Do lado de cá, o Banco de Portugal resolveu passar essa dívida para o Novo Banco, que é agora credor do Banco Económico. Acontece que a PWC duvida que este empréstimo venha a ser pago, já que o banco angolano não publica contas desde que foi criado. Dos 838 milhões, o Novo Banco só tem provisões para 82,8 milhões.

A segunda reserva é sobre os 1183 milhões que o Novo Banco contabiliza como ativos por impostos diferidos, ou seja, os prejuízos fiscais passados que o banco prevê que venham a deduzir aos lucros futuros. Segundo a PWC, a probabilidade de o banco vir a gerar lucros suficientes para abater estes prejuízos em impostos é mínima.

No total, o buraco pode chegar aos 1900 milhões. A surpresa não é grande, e ambos os problemas eram mais ou menos previsíveis no momento em que o Banco de Portugal resolveu incluir estes ativos no perímetro do Novo Banco, em vez de os deixar no "BES mau". Porque é que o fez? Para ajudar a criar a narrativa do anterior Governo, que a resolução do BES tinha sido exemplar e sem custos para os contribuintes. Não só teve custos na altura como deixou outros tantos, escondidos, para quem viesse a seguir.

Agora que o mal está feito, e que o Novo Banco nos lembra um filme que já vimos, só nos restam duas opções. Pagar para vender ou pagar para mandar.

OS PEIXES VERDES DE ISABEL DOS SANTOS. E A FÍSICA QUÂNTICA DE ANTÓNIO COSTA



Bom dia, este é o seu Expresso Curto 

Nicolau Santos – Expresso

“Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes / E eu acreditava. / Acreditava / porque ao teu lado / todas as coisas eram possíveis”. Este extrato de um dos mais belos poemas escritos em língua portuguesa, “Adeus”, de Eugénio de Andrade, aplica-se, metaforicamente falando, ao modo como banqueiros, empresários e gestores portugueses apreciavam Isabel dos Santos, a engenheira angolana que está no epicentro do filme de ‘suspense’ que envolve o BPI. Só havia elogios: uma empresária de topo, uma excelente negociadora, muito bem preparada e assessorada, mas extremamente discreta, avessa à ostentação e à exposição pública, uma líder indiscutível, em suma. E assim Isabel dos Santos, com sorriso de veludo e punho de ferro, foi fazendo o que quis aos empresários portugueses, sem críticas nem oposição. Até que resolveu fazer o mesmo aos catalães do La Caixa. E o caso mudou de figura.

Com efeito, Isabel dos Santos é, no momento em que escrevo, a grande perdedora do braço-de-ferro que trava há meses com o La Caixa. A história é conhecida. Como se sabe, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu não reconhecem as regras de regulação e supervisão que se aplicam em Angola. Por isso, exigiram ao BPI, que controla o Banco de Fomento de Angola, que resolvesse a sua exposição em 5 mil milhões de euros à dívida soberana daquele país. Havia duas maneiras: ou o BPI descia a sua participação para menos de 20% no BFA ou criava uma holding para integrar todos os seus ativos não financeiros em África. Esta segunda hipótese, a que mais agradava ao presidente do BPI, Fernando Ulrich, foi no entanto chumbada por Isabel dos Santos, que tendo uma participação de 18,5% no BPI, a que junta mais 2,5% do BIC conseguiu fazer frente às intenções do La Caixa, que tem 44%. Mas como os direitos de voto estão limitados a 20%, o tema caiu num impasse. Acontece que Bruxelas deu um prazo até 10 de abril para que o assunto fosse resolvido. E aí começaram longas e morosas negociações, que apontavam para a solução final: o La Caixa comprava a posição da Santoro, de Isabel dos Santos, no BPI, e vendia a posição do BPI no BFA a Isabel dos Santos. Depois de um primeiro rompimento, as negociações foram reatadas e quinta-feira passada foi anunciado fumo branco pelo próprio BPI. Contudo, no sábado, a Santoro comunicou que as negociações continuavam e o acordo não estava fechado. Foi a gota de água: os catalães perderam a paciência e romperam definitivamente as conversações.

Pelo meio, já o Presidente da República e o primeiro-ministro tinham tentado unir as duas partes, o primeiro guardando na gaveta durante mês e meio o diploma que acaba com as limitações de direito de voto nas instituições financeiras e o segundochegando mesmo à fala com a engenheira angolana. Só que Isabel dos Santos queria mais: queria a garantia que, se ficasse com o BFA, este seria cotado na bolsa de Lisboa, algo que o La Caixa não podia garantir, nem o governo nem o Presidente da República. Só mesmo o supervisor europeu, o Banco de Portugal e a CMVM têm esse poder. Ainda por cima, o Banco de Portugal vetou o nome do novo presidente do BIC Portugal, Jaime Pereira, indicado por Isabel dos Santos, que iria substituir Mira Amaral à frente da instituição.

Ontem, o La Caixa anunciou uma OPA sobre o BPI e a única condição que impõe é que fique com mais de 50% do capital do banco – mas o preço dececionou. Ao mesmo tempo, foi publicado o diploma que acaba com as limitações dos direitos de voto, que no entanto só entra em vigor a 1 de julho. E Isabel perde em três carrinhos: a sua posição no BPI fica desvalorizada; o La Caixa, como é um banco muito maior que o BPI, já não precisa de vender o controlo do BFA a ninguém; e a sua imagem perante os reguladores nacionais e europeus não sai bem deste processo.

Contudo, o jogo não acabou. Ninguém duvida que haverá retaliações, até porque o poder político português, na tentativa de encontrar uma solução, acabou por se envolver no assunto – o que foi criticado pela ex-ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque. Teme-se, pois, a resposta angolana (até porque Isabel dos Santos se tornou recentemente militante do MPLA) e como ela poderá afetar o BFA e as mais de 8000 empresas e cerca de 150 mil portugueses que trabalham em Angola. O jornal i dá conta do que pode acontecer: “Exportações portuguesas em risco, envio de divisas para Portugal pode tornar-se ainda mais difícil e construção civil ameaçada”. E, ‘last but not least’, a OPA do La Caixa sobre o BPInecessita de luz verde do regulador angolano, o Banco Nacional de Angola, para avançar… Promete.

Recordemos como acaba o poema de Eugénio de Andrade: “Não temos já nada para dar. /Dentro de ti não há nada que me peça água. / O passado é inútil como um trapo. / E já te disse: as palavras estão gastas. / Adeus.”

Ora soubesse António Costa explicar em palavras não gastas o que é a Física Quântica e resolveria certamente sem problemas o diferendo no BPI e, quiçá, as exigências de Bruxelas para aplicar novas doses de austeridade ao país. Mas é de supor que o primeiro-ministro, que tem muitas artes e virtudes, não disponha também dessa. Contudo, pode sempre aprender com o vídeo, que já se tornou viral, do primeiro-ministro canadiano, Justin Trudeau, a explicar a um jornalista que o queria entalar com a pergunta, o que é a física quântica: em poucas palavras e para toda a gente perceber.

Em qualquer caso, o relatório de avaliação da economia portuguesa pela Comissão Europeia bem vai obrigar António Costa e o Governo a dar grandes explicações a Bruxelas. É que o tema do aumento do salário mínimo esbarra com a oposição declarada da Comissão, que considera que isso “agrava o desemprego de longa duração” (Diário de Notícias), pelo que quer travá-lo (Jornal de Notícias), além de forçar um corte nas reformas da ordem dos 600 milhões de euros (Correio da Manhã). Ao mesmo tempo, segundo o El Pais, Bruxelas dá mais um ano a Espanha para reduzir o défice…

OUTRAS NOTÍCIAS

Em Cabul, mais de 200 pessoas ficaram feridas e um número indeterminado morreu esta manhã após uma violenta explosão, que ocorreu em plena hora de ponta, num bairro densamente povoado, próximo de vários complexos militares. O presidente Ashraf Ghani condenou o ataque que visou edifícios dos serviços de segurança.

Em Nova Iorque, decorrem hoje eleições primárias cruciais na corrida à Casa Branca. Donald Trump, nos republicanos, e Hillary Clinton, nos democratas, são os prováveis vencedores, o que lhes pode garantir definitivamente a nomeação dos seus partidos como candidatos oficiais na corrida à presidência dos Estados Unidos.

No Brasil é a grande convulsão. Depois do espetáculo deprimente de ontem, com os parlamentares a justificarem pelos motivos mais implausíveis e ridículos o seu voto para afastarem a presidente,Dilma Roussef, esta diz-se “injustiçada” e já veio garantirque não irá demitir-se. Mas a oposição não perde tempo e está a formar Governo.

No Mediterrâneo viveu-se mais uma tragédia. Entre 200 a 400 migrantes somalis terão morrido ontem afogados quando tentavam fazer a travessia para a Europa. Quando acabará esta mortandade perante a nossa indiferença?

Em Espanha, o realizador Pedro Almodovar anulou todas as participações públicas que tinha previsto para promover o seu novo filme “Julieta” – tudo porque o seu nome e o do seu irmão, Agustin, aparecem nos “Panama Papers” como tendo detido uma offshore entre 1991 e 1994 (caramba, já foi há mais de 20 anos!) nas ilhas Virgens britânicas.

Em Moçambique, o FMI cancelou a cooperação com o paísna sequência da confirmação pelo Governo de ter recebido um empréstimo de mais de mil milhões de dólares que não tinha reveladoà instituição.

Por cá, o governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, e o ministro das Finanças, Mário Centeno, são hoje ouvidos de novo na comissão parlamentar de inquérito ao caso Banif.

Por seu turno, o Governo encontrou uma maneira ‘sui generis’ de contentar o lóbi das transportadoras. E assim vai criar descontos para as transportadoras de mercadorias em postos de gasolina em três zonas de fronteira com Espanha e nas antigas SCUT do interior. Trata-se de “mecanismos da promoção de competitividade das empresas de mercadorias, mas também medidas de promoção do interior”, diz o ministro Eduardo Cabrita. Será que vamos passar a ter fiscalidade ´à la carte´?

E para não meter mais água, o Governo anunciou que não avançam as obras das barragens de Alvito, nos concelhos de Castelo Branco e Vila Velha de Ródão, e de Girabolhos, no concelho de Seia. A decisão foi tomada por acordo com a EDP e Endesa e, segundo o ministro do Ambiente, não terá custos para o Estado. Pois… Também foi decidido suspender por três anos o início da construção da barragem de Fridão, em Amarante.

O Bloco de Esquerda quer alargar a licença parental inicial para 180 dias (seis meses) e estender o período de aleitação (direito a redução do horário diário de trabalho) de um para dois anos dos filhos.

O PS assinala hoje os seus 43 anos de vida e António Costa convidou todos os antigos líderes para a festa convívio na sede nacional do partido, mas só Ferro Rodrigues respondeu ao apelo. Os outros, ou porque não querem ou porque não podem, não estarão presentes.

José Eduardo Agualusa está entre os seis finalistas do Man Booker International Prizepelo seu livro “Teoria Geral do Esquecimento”. Trata-se de um dos mais disputados prémios literários do mundo, que distingue com 50 mil libras o autor e o tradutor do melhor livro estrangeiro traduzido para inglês.

E o Benfica lá ganhou ontem ao Setúbal, após estar a perder logo aos 14 segundos de jogo. Depois marcou dois golos na primeira parte e fechou a loja. Só que mesmo no último suspiro da partida, Pizzi fez um atraso do meio campo para o seu guarda-redes para queimar mais uns segundos e um avançado do Vitória intercetou, ficou sozinho frente a Ederson, mas adiantou a bola e não marcou. Assim que o jogo acabou, chorou. É muito comovente o futebol.

FRASES

“Esta história tem todo o potencial para abalar a já débil relação entre Portugal e Angola”.Miguel Sousa Tavares, SIC, sobre o caso BPI

“Enfrentei a ditadura e agora enfrento um golpe de Estado”. Dilma Roussef, presidente do Brasil, Público

“Parece que os partidos são os únicos donos da política”. Ana Drago, Público

“Um grande momento de afirmação da cultura portuguesa no coração da Europa”. António Costa, primeiro-ministro, na pré-abertura da exposição sobre Amadeo de Souza Cardoso no Grand Palais em Paris

“Acho que a descida do IVA para a restauração no segundo semestre vai ser adiada”. Luís Marques Mendes, comentador, SIC

“Não costumo falar com a imprensa catalã, mas vou responder-te porque és gira”. Luis Figo para uma repórter do canal 8TV, Diário de Noticias, num comentário que já está a dar grande polémica nas redes sociais

O QUE ANDO A LER E A OUVIR

Ainda não acabei “Gramática do medo”, de Maria Manuel Viana e Patrícia Reis, mas já entrei em “Naquele dia naquele Cazenga”, de Adolfo Maria, figura emblemática da resistência angolana ao colonialismo português, tendo depois da independência sido igualmente um dos resistentes aos caminhos que o país seguiu, com Gentil Viana e Mário Pinto de Andrade. Foi expulso de Angola em 1979, voltou em 1991 e 1992 e reside atualmente em Portugal. “Naquele dia naquele Cazenga” (um dos bairros emblemáticos da cidade de Luanda) narra a vida, em condições muito difíceis, que se vivem nos musseques que rodeiam a capital angolana. Sente-se o cheiro da terra molhada, os caminhos enlameados, a falta de condições higiénicas, mas também o calor humano, o sorriso malandro e a solidariedade do povo angolano.

Para ouvir recuperei o “Wallflower”, de Diana Krall, cujo espetáculo de apresentação vi ao vivo em Lisboa no ano passado. Cada novo CD de Krall tem sempre algumas pérolas e este não é diferente. Além do mais, Krall faz-nos sentir confortáveis no mundo acústico que nos oferece – e reinventa temas que fizeram parte de um tempo passado da nossa vida, como “California dreamin’”, logo a abrir. Sonhemos, pois, mesmo que o nosso sonho não seja o “California dreamin´”.

E pronto, está servido o Expresso Curto. Amanhã há mais. Tenha um excelente dia.

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