As
expectativas brandas com o mandato do novo presidente dos EUA, daqueles que
pensam que é impossível que seja tão mau como parece, chocam-se de frente
contra os fatos
Nuno
Ramos de Almeida – Outras Palavras
Há
uma anedota sobre um homem que quase pisa na merda de cão. Desconfiado e cético
por natureza, o homem vai fazer um conjunto de testes para confirmar
empiricamente a sua primeira sensação: tira com o dedo parte da massa estranha.
Cheira-a. Prova-a, enquanto vai dizendo: “Isto parece merda. Isto parece mesmo
merda. Isto é mesmo merda, imaginem se a tivesse pisado.” As expectativas
brandas com o mandato do novo presidente dos EUA, daqueles que pensam que é
impossível que seja tão mau como parece, batem decididamente na parede da
realidade dos fatos.
Donald
Trump nomeou para dirigir a agência ambiental, que combate o aquecimento
global, Scott Pruitt, um homem que não acredita que haja aquecimento global;
nomeou para a agência da energia Rick Perry, um homem que pediu repetidamente a
extinção dessa agência governamental; nomeou para responsável das relações
externas Rex W. Tillerson, um empresário de uma das maiores petrolíferas do
mundo que foi condecorado por Putin; para responsável da saúde, Tom Price,
alguém que combateu o plano, de Barack Obama, de tornar a saúde acessível a
todos os norte-americanos; e como responsável pelos esforços governamentais na
educação pública apontou Betsy DeVos, uma mulher que defende acima de tudo os
colégios privados. A sua última nomeação conhecida mantém a linha de coerência
de lançar petróleo sobre fogo: foi apontado como embaixador em Israel David M.
Friedman. O presidente eleito defendeu que o objetivo dessa escolha era clara:
“Conseguir uma forte relação com Israel são os fundamentos da sua missão.”
O
recém-nomeado começou logo a cumprir o desejo presidencial declarando que
pretende estabelecer a embaixada dos EUA em Jerusalém, cidade sagrada de várias
religiões e que é reclamada por judeus e palestinos. “Quero fortalecer os laços
inquebrantáveis entre as nossas duas nações… e desejo fazer isso numa embaixada
dos EUA na eterna capital de Israel, Jerusalém”, declarou Friedman.
O
novo governo, constituído por muitos multimilionários, não tem uma divisão
clara entre os seus interesses privados e a gestão dos cargos públicos que vão
ocupar. Pela primeira vez de uma forma clara, os bilionários vão governar
diretamente os Estados Unidos e prescindir dos habituais intermediários. O mais
paradoxal é que a sua subida ao poder foi feita com base numa campanha
populista que se insurgia contra as oligarquias de Washington. Os bilionários,
como Trump, que pagavam e apoiavam políticos com milhões, decidiram mandar
diretamente. A política da oligarquia não foi derrotada: os capatazes foram
apenas substituídos pelos seus patrões.
Mais
de 40% dos norte-americanos declararam em sondagens não confiar no sistema
político e um número equivalente defendeu que pretendia uma “mudança”. Para a
política da oligarquia se manter foi necessário que tudo parecesse mudar para
que tudo pudesse ficar na mesma. Qualquer operação política de construção de
uma maioria popular exige a criação de um território hegemônico que é
determinado pela operação da escolha de um inimigo. O discurso de Trump para
conseguir ocupar diretamente o poder teve dois vetores principais: a suposta
contestação da classe política de Washington e a afirmação de uma política que
elege os imigrantes e os muçulmanos como mal absoluto. A identificação de um
inimigo deste tipo permite-lhe a criação de um bode expiatório da crise e da
guerra ao terrorismo, ao mesmo tempo que cria uma cortina de fumaça para
governar em prol dos seus interesses privados e com o fito de tornar os mais
ricos ainda mais ricos, enquanto o resto da sociedade se entretém a perseguir
os imigrantes.
Para
contrariar esta vaga populista e racista no mundo é preciso construir um outro
povo e estabelecer uma hegemonia completamente diferente. É preciso afirmar uma
política que inverta as desigualdades sociais, em que 1% da população tem o
rendimento de 99% da restante, e que faça corresponder a esse combate o dar
poder à maioria das pessoas.
Para
isso era preciso um novo polo de esquerda que tivesse a capacidade de se bater
em todas as ruas e locais com os populistas racistas que servem interesses
milionários.
É
preciso uma nova unidade popular que perceba que a sua paixão pelo real tem de
ir para lá dos likes virtuais e atingir as riquezas reais de quem
vive à conta da maioria das pessoas do planeta.
Na
foto: Trump e David M Friedman, futuro embaixador dos EUA em Israel. O
recém-nomeado já começou a atacar direitos palestinos, declarando que pretende
estabelecer a embaixada dos EUA em Jerusalém.
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