Sejamos
claros. Trump e os elementos da administração que tem vindo a nomear não
auguram nada de bom, mas não é por serem «excepções bestiais» ou por estarem
«fora do sistema»: é que não só encarnam esse sistema como são consequência das
acções das administrações anteriores – que, sublinhe-se, bem
branqueadas têm sido nesta cartada «Fora, Trump!».
meio
das histerias da bola e das análises mais-que-muitas sobre tudo e o que mais
calha, aos chamados meios de comunicação social, na sua louca e desorientante
aceleração, não têm faltado engenho e ocasião para dizer «Donald Trump» – o
presidente eleito dos Estados Unidos da América.
Com
o aproximar da data da tomada de posse – que hoje tem lugar em Washington –,
choveram artigos e notas, comentários e apontamentos, análises e
infografias, sobre o vestido da dama e as características do palanque dos convidados,
sobre as tiradas de Trump, «quem-mandou-calar-agora» e o
«que-disse-e-depois-desdisse».
Um
circo, antes ainda do circo montado. Mas não estranha – afinal, sempre se trata
da maior potência imperialista, e já é hábito vermos as tomadas de posse do mais
alto mandatário daquela nação tratadas com subserviência ou, dito de outra
forma, como se ali fosse o centro do império de todas as galáxias e espécies,
ao jeito dos filmes de ficção científica...
Mas
isto é quase nada. Nos meios ditos «liberais» e... à esquerda, a tónica
dominante nesta pré-temporada foi: «a culpa é do Trump». Variantes houve
várias, como «Trump gera preocupações entre», «Trump ameaça» (e depois é só
escolher: «paz», «estabilidade», «relações com»). Houve até quem se desse ao
trabalho de coligir os tweets que lançou e depois apagou... Enfim,
como se – e há razões para tremer – o mundo no seu geral estivesse agora à
beira de mergulhar numa crise e de conhecer as dores da exploração, do espólio
e da guerra... Como se a «América» fosse mergulhar – agora – numa crise
económica, social e política de grandes dimensões... Ah, espera! Disso já
temos!
Sejamos
claros. Trump e os elementos da administração que tem vindo a nomear não
auguram nada de bom, mas não é por serem «excepções bestiais» ou por estarem
«fora do sistema»: é que não só encarnam esse sistema como são consequência das
acções das administrações anteriores – que, sublinhe-se, bem
branqueadas têm sido nesta cartada «Fora, Trump!».
O
tempo de Obama fica marcado, a nível interno, pela desigualdade, o desemprego,
a pobreza, a violência racial, a deportação de imigrantes – estima-se que mais
de 2,5 milhões –, e a exploração laboral. A nível internacional, exacerbou-se a
«ameaça russa», reforçando-se a presença da NATO no Leste da Europa; apontou-se
a China como adversário a abater, para reforçar a presença militar
norte-americana no Pacífico. E a feroz política de agressão e ingerência
promovida pelos EUA e seus aliados levou a guerra e a destruição à Síria, ao Iémen, à
Líbia, ao Afeganistão, ao Iraque, à Ucrânia (fazendo as contas por baixo).
Como,
no fundamental, não se vislumbra uma linha diferente sobre questões estruturantes
na sociedade norte-americana ou ao nível da hegemonia imperialista, não é de
todo expectável que Trump constitua uma alternativa a Obama e rompa com o seu
legado de afrontas internas e ao mundo. A agenda deve manter-se «nos carris».
Em todo o caso, convém não fazer orelhas moucas nos próximos tempos. E é esta a
nossa obsessão com Trump.
Atentos
às clivagens cada vez mais sensíveis na sociedade norte-americana, é nos
trabalhadores e nas camadas populares dos EUA que confiamos: serão eles que,
resistentes, organizados, combativos, poderão derrotar o sistema de onde brotam
Trump, Obama, Bush, Clinton...
AbrilAbril,
editorial – Foto: businessinsider.com
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