Como
Hitler, também Trump chegou ao poder pelo voto do povo. E a democracia (ao
contrário de Hitler e de Trump, e de outros que bem conhecemos) é respeitadora
das grandes decisões que promove
No
momento de escrever estas linhas, numa outra ponta do ocidente, o mundo
deposita as suas mãos numa perigosa figura de opereta que pode ditar-nos o
futuro. Donald Trump sobe mais um degrau no pódio.
Repare-se
como não escrevo que esse momento trágico – pois há operetas trágicas? – não
dita a nossa sorte. Também não escrevo que ficamos abandonados à nossa sorte.
Nem o farei. É que não se trata de recurso estilístico nem de uma opção
literária. É antes uma leitura historiográfica: os grandes acontecimentos, como
os pequenos, que alteram o curso do mundo raramente são concebidos pelo acaso e
sorte é coisa de jogo, que aqui parece não figurar em nenhuma etapa do sistema.
O
voto dos religiosos
Trump,
para vencer, precisou de muito mais do que sorte: do voto popular, que todavia
foi em maior quantidade para a candidata menos má da dupla, Hillary Clinton; do
voto de 279 delegados do Colégio Eleitoral, do Senado, que por manigâncias da
Lei ficaram subitamente perplexos: com o queijo e sobretudo com a faca na mão e
com um rato ávido para os representar; com o apoio económico, do grande
capitalismo norte-americano e dos seus interesses mundiais, que não investe
para perder. Também contou com outros apoios não menos importantes.
Um
deles, contrário aparentemente à lógica, foi o voto dos religiosos. Trump
declarou-se presbiteriano e Hillary metodista. Segundo a ABC News, 81% dos
evangélicos do país votaram em Trump e 16% em Hillary. Na Carolina do Norte,
Trump superou Hillary (50% a 46%), o índice de votos para o republicano entre
os evangélicos brancos foi de 78%. Houve quem escrevesse que a vitória de Trump
foi “devida em larga medida a homens brancos evangélicos”.
Jerry
Falwell Jr., presidente da Liberty University, uma instituição evangélica,
afirmou que somente as lideranças dentro das denominações é que se dividiram em
relação a Trump. “Os evangélicos já apoiavam amplamente Trump muito antes dos
líderes o fazerem”, disse ao Christian Today.
Nada
depende, portanto da sorte. E esses números – que são estatísticas assentes
numa realidade que nos dói: um homem sem perfil moral, cuja imoralidade é
visível num comportamento abertamente sexista, racista, xenófobo,
diferenciador, ultraconservador e inumano, agrada mais que uma mulher que se
declara a favor do casamento gay e da legalidade do aborto (até o nono mês de
gestação), entre outras posições que agradam a imensas minorias mas não a quem
domina o curso dos acontecimentos.
É
que Trump tem o discurso capaz de agradar à zona de conforto dos puritanos, que
ainda não entenderam que o mundo não é como o concebem. Hillary promoveu a
revolta entre os cristãos (em especial depois do caso pouco explícito da
leitura de e-mails de alguns membros de sua equipa de campanha.
John
Podesta, o diretor da campanha da candidata, e Sandy Newman, da organização
Voices for Progress, terão escrito nesse correio electrónico sobre “plantar as
sementes da revolução” dentro da Igreja Católica, para favorecer uma “primavera
católica” que encerre a “ditadura medieval” e dê início a “um pouco de
democracia e respeito pela igualdade de gênero”. Michael Wear, conselheiro de
Obama para os assuntos da religião, apontou erros à campanha de Hillary, em
especial o envolver comunidades evangélicas e católicas numa sensibilidade de
opção que ditaria a sua derrota.
Trump, básico
e ignorante
O
resultado está à vista: um homem básico, ignorante, que nem os Estados do seu país
sabe apontar no mapa, que ainda se mostra incrédulo pelo resultado das eleições
que não acreditava vencer, é agora um dos símbolos mais poderosos do mundo e
parece querer soltar-se em corrida na loja de loiça de todos nós para partir o
que nos resta do débil planeta que não sabemos respeitar (por exemplo, votando
em coisas como Trump).
Como
Hitler, também Trump chegou ao poder pelo voto do povo. E a democracia (ao
contrário de Hitler e de Trump, e de outros que bem conhecemos) é respeitadora
das grandes decisões que promove. As forças religiosas que votaram e
estimularam a escolha de Trump estão agora momentaneamente satisfeitas e
apaziguadas. Não tardará a sobrevir o arrependimento; Trump não é dos que
conheçam o ser humano ou reconheçam com respeito a sua espiritualidade.
São
forças muito fortes que não agem ao lado da sorte, estas dos interesses
religiosos. Forças que obviamente nada têm a ver com a espontânea crença dos
povos, mas com os seus profundos desígnios e interesses enquanto lideranças.
A
partir de hoje, Trump terá quem ore por ele ou quem reze pela sua continuidade.
É um pecador abençoado. Os povos não.
*Jornal
Tornado
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