Rafael
Barbosa* – Jornal de Notícias, opinião
São
mais as vozes que as nozes. O provérbio aplica-se na perfeição à luta política,
que assenta muitas vezes numa inflamada discordância discursiva, assim se
criando a ilusão de que os intervenientes têm pensamentos e propostas muito
diferentes. A verdade é que as diferenças são muitas vezes ténues e, em alguns
casos, inexistentes. E se essa proximidade é mais visível e frequente entre os
chamados partidos do centro, também existe entre o centro e os extremos.
Um
dos melhores exemplos de que é assim é o que se tem passado nos últimos dias,
em Portugal, a propósito do aumento do salário mínimo nacional (SMN) para os
557 euros e da contrapartida de reduzir 1,25 pontos percentuais da taxa social
única das empresas. A proposta é do PS, que pretendia, por um lado, honrar o
compromisso de aumentar gradualmente o SMN até aos 600 euros, assim partilhando
as nozes com o BE e o PCP; e, por outro, não alienar as confederações
patronais, procurando distinguir-se das vozes dos seus dois sócios mais
esquerdistas.
Acontece
que, desta vez, BE e PCP não se contentam com as nozes e fazem questão de
acentuar as diferenças de vozes - ou seja, não se limitaram a verbalizar a
discordância quanto às "benesses" que vão ser dadas aos patrões e
trataram de forçar uma votação no Parlamento. Acresce que os alinhamentos
político--partidários destes novos tempos de "geringonça" já não são
o que eram e o que parecia ser mera formalidade descontrolou-se. Se o CDS
mostra abertura para um disfarce contabilístico, compensando através do
Orçamento do Estado (impostos) o rombo nas contas da Segurança Social (TSU), ou
seja, propondo apenas uma diferente tonalidade nas vozes; já o PSD aproveita a
oportunidade tática de aprofundar a dissonância entre as esquerdas, ainda que o
PS repita exatamente a mesma melodia que os sociais-democratas já entoaram no
passado (quando aumentaram o SMN para 505 euros, em 2014, ofereceram um prémio
de 0,75 pontos percentuais na TSU das empresas, durante 15 meses).
Não
é difícil imaginar o PS a fazer o mesmo que o PSD está agora a fazer, ou seja,
usar vozes diferentes consoante está no poder ou na oposição. Ainda assim,
neste caso é o PSD quem está na linha de fogo, uma vez que é este que está a
dar o dito por não dito. O que não iliba o PS. Os socialistas sabem que não têm
uma maioria no Parlamento, sabem que os seus parceiros à Esquerda são pouco ou
nada flexíveis em questões laborais. Era sua obrigação assegurar que o acordo
anunciado aos quatro ventos tinha pernas para andar. Do mal, o menos, o que
verdadeiramente importa já não muda - o novo salário mínimo nacional já está em
vigor. Já temos as nozes. O resto são vozes.
*Editor
executivo
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