domingo, 19 de fevereiro de 2017

Angola. ENSINO SUPERIOR: FINANCIAMENTO E ACESSIBILIDADE 4



M. Azancot de Menezes*Jornal Tornado

Publicamos hoje a 4ª parte da Entrevista a Azancot de Menezes sobre o estudo acerca do ensino superior em Angola, iniciada em Dezembro último

Jornal Tornado: E quanto aos modelos de financiamento do ensino superior e à acessibilidade?

Azancot de Menezes: Ora bem, os mecanismos e as fontes de financiamento podem ser públicos, privados ou mistos, em consonância com as perspectivas de cada um, portanto, é possível enquadrar os sistemas de ensino superior num cenário teórico que aponta para a existência de três modelos de financiamento: público, privado e baseado no mercado, todavia, como seria de esperar, com muita frequência, há situações híbridas.

Agora, o que começa a ser preocupante, e não vivêssemos nós em tempos de neoliberalismo, nos países do hemisfério Sul, mais vulneráveis e dependentes, está a aumentar a pressão do Banco Mundial e de outras agências internacionais, com agendas estruturadas, para a crescente privatização da educação e para o alheamento dos Estados em matéria de políticas de apoio social.

Posso deduzir que está contra o ensino superior privado…!?

Eu não tenho nada contra o ensino superior privado, desde que respeite os princípios da equidade e não mercantilize a educação superior.

O que eu não concordo é que os estudantes participem no financiamento do ensino superior público porque essa função deverá ser exercida pelo Estado, o qual deve proporcionar ensino gratuito de qualidade, ou a preços simbólicos, a todos os cidadãos com capacidade para frequentar o ensino superior.

Mas o ensino superior tem custos…

Exactamente! Por isso importa problematizar sobre quem deve suportar os custos do ensino superior sejam eles, despesas de alojamento, alimentação, vestuário, livros, transporte, propinas, ou outros, se devem ser partilhados ou não, e por quem, e em que medida os estudantes e as famílias são prejudicados face às dificuldades orçamentais com que os governos em geral se dizem debater no financiamento da educação superior. É preciso não esquecer, como já referi, a educação superior produz externalidades.

No caso da sua pesquisa sobre o Ensino Superior em Angola verificou algum tipo de situação que mostre haver diferenças na população estudantil no que diz respeito ao género, sexo ou em outro aspecto que pudesse evidenciar desigualdades entre os estudantes na frequência do ensino superior? A tal acessibilidade…

Desde logo, constatei haver 61,5% de estudantes do sexo masculino e 38,5% do sexo feminino, ou seja, verifica-se uma larga predominância do sexo masculino sobre o feminino, à semelhança do que se passa com outros países em vias de desenvolvimento. Portanto, em Angola, a mulher continua em desvantagem no acesso ao ensino superior.

Por outro lado, no que respeita à idade, 33,3% dos inquiridos encontra-se no escalão 22 anos, o que seria expectável pois é a idade normal para frequência do ensino superior.

Mas, é de realçar que a maior parte dos inquiridos já não se encontra na situação normal de acesso e para explicar esta situação confirmei que havia uma relação estatística entre idade e situação no trabalho.

Ensino superior em Angola: Financiamento e acessibilidade

Distribuição dos estudantes por sexo e idade


N
%
Sexo
Masculino
525
61,5
Feminino
328
38,5
Total
853
100,0
Idade
Até 22 anos
280
33,3
23-30 anos
374
44,5
>30 anos
186
22,1
Total
840
100,0
Fonte: M. Azancot de Menezes (2014)

Verificou mais algum aspecto que evidenciasse diferenças entre os estudantes?

Sim, sim… porque no estudo foi dada particular atenção à caracterização socioeconómica do estudante e do seu agregado familiar.

Também constatei, como de resto se registou em estudos similares no EUA, da autoria de Bruce Johnstone, e em Portugal, realizados por Belmiro Cabrito, Luísa Cerdeira e Rui Brites, há uma relação entre o contexto socioeconómico e académico dos pais e dos estudantes e a opção tipo de instituição escolhida (escola secundária pública/privada e universidade pública/privada) e o tipo de ensino superior frequentado (universitário ou politécnico).

Quer fazer o favor de concretizar algumas dessas evidências para melhor podermos compreender esses aspectos?

Em geral constatei que quanto mais elevada é a escolaridade dos pais maior é a percentagem de frequências de estudantes em escolas secundárias privadas.

Efectivamente, no caso em que a escolaridade da mãe é de nível superior, bacharelato, licenciatura ou mestrado, a percentagem de estudantes que frequentaram a escola secundária privada está compreendida no intervalo 28,6% e 31,6%, com valores bastante mais elevados do que aqueles que correspondem a níveis de escolaridade mais baixos.

Os valores percentuais vão diminuindo à medida que o nível de escolaridade da mãe baixa, atingindo-se os 9,8%, valor percentual relacionado com a percentagem de estudantes cujas mães não sabem ler nem escrever.

Em relação aos pais, de forma genérica, a constatação é idêntica. Quando a escolaridade é alta (bacharelato, licenciatura e mestrado) os valores percentuais dos estudantes que optaram pelo secundário privado situam-se no intervalo 23,3% / 28,6%, à excepção do caso em que os pais tinham doutoramento (14.3%), descendo de forma significativa para 3,3% e 5%, no caso em que os pais dos estudantes sabiam ler e escrever mas não concluíram o ensino primário, e não sabiam ler nem escrever, respectivamente.

Os resultados do estudo mostram que há a mesma tendência na escolha das instituições do ensino superior. Portanto, existe uma forte relação entre origem social e instituições frequentadas, como no caso em análise, em que os estudantes cujos pais têm escolaridades mais baixas, sendo em geral jovens de estratos sociais menos favorecidos são levados a procurar o ensino superior público, nomeadamente por questões financeiras.

Ensino Superior em Angola: Financiamento e acessibilidade

Escolaridade dos pais e Tipo de escola secundária frequentada


Tipo de escola secundária que frequentou
Pública
Religiosa
Privada
Total
Escolaridade do pai
Não sabe ler nem escrever
90,0
5,0
5,0
100,0
Sabe ler e escrever mas não concluiu o ensino primário
90,0
6,7
3,3
100,0
Ensino Primário
80,0
8,0
12,0
100,0
Ensino Secundário (1º Ciclo – Ensino Geral e Formação Profissional Básica)
66,4
15,4
18,1
100,0
Ensino Secundário (2º Ciclo – Ensino Geral, Formação Média Normal e Média Técnica)
71,8
10,0
18,2
100,0
Ensino Superior (Bacharelato)
70,0
6,7
23,3
100,0
Ensino Superior (Licenciatura)
71,3
12,5
16,3
100,0
Ensino Superior (Mestrado ou Especialização Profissional)
57,1
14,3
28,6
100,0
Ensino Superior (Doutoramento)
85,7

14,3
100,0
Total
73,6
10,4
16,0
100,0
Escolaridade da mãe
Não sabe ler nem escrever
78,9
11,4
9,8
100,0
Sabe ler e escrever mas não concluiu o ensino primário
77,2
12,0
10,9
100,0
Ensino Primário
78,8
5,9
15,3
100,0
Ensino Secundário (1º Ciclo – Ensino Geral e Formação Profissional Básica)
66,2
13,9
19,9
100,0
Ensino Secundário (2º Ciclo – Ensino Geral, Formação Média Normal e Média Técnica)
75,4
7,0
17,6
100,0
Ensino Superior (Bacharelato)
57,9
10,5
31,6
100,0
Ensino Superior (Licenciatura)
65,1
4,7
30,2
100,0
Ensino Superior (Mestrado ou Especialização Profissional)
57,1
14,3
28,6
100,0
Ensino Superior (Doutoramento)
100,0


100,0
Total
73,0
9,8
17,2
100,0
Fonte: M. Azancot de Menezes (2014)

Analisei e discuti muitas outras relações entre variáveis, sobre os estudantes bolseiros angolanos, sobre as fontes de rendimentos dos estudantes, sobre as propinas e os custos do ensino superior, entre outras dimensões, com resultados surpreendentes, que poderão ser muito úteis para quem decide em matéria de políticas de educação superior em Angola, e que terei todo o gosto em partilhar.

Nota de edição
Os primeiros artigos deste estudo foram publicados a:

*Secretário-Geral do Partido Socialista de Timor (PST) e Professor Universitário

*M.Azancot de Menezes, Díli – também colabora no Página Global

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