M.
Azancot de Menezes* - Jornal
Tornado
Publicamos
hoje a 4ª parte da Entrevista a Azancot de Menezes sobre o estudo acerca do
ensino superior em Angola, iniciada em Dezembro último
Jornal
Tornado: E quanto aos modelos de financiamento do ensino superior e à acessibilidade?
Azancot
de Menezes: Ora bem, os mecanismos e as fontes de financiamento podem ser
públicos, privados ou mistos, em consonância com as perspectivas de cada um,
portanto, é possível enquadrar os sistemas de ensino superior num cenário
teórico que aponta para a existência de três modelos de financiamento: público,
privado e baseado no mercado, todavia, como seria de esperar, com muita
frequência, há situações híbridas.
Agora,
o que começa a ser preocupante, e não vivêssemos nós em tempos de neoliberalismo,
nos países do hemisfério Sul, mais vulneráveis e dependentes, está a aumentar a
pressão do Banco Mundial e de outras agências internacionais, com agendas
estruturadas, para a crescente privatização da educação e para o alheamento dos
Estados em matéria de políticas de apoio social.
Posso
deduzir que está contra o ensino superior privado…!?
Eu
não tenho nada contra o ensino superior privado, desde que respeite os
princípios da equidade e não mercantilize a educação superior.
O
que eu não concordo é que os estudantes participem no financiamento do ensino
superior público porque essa função deverá ser exercida pelo Estado, o qual
deve proporcionar ensino gratuito de qualidade, ou a preços simbólicos, a todos
os cidadãos com capacidade para frequentar o ensino superior.
Mas
o ensino superior tem custos…
Exactamente!
Por isso importa problematizar sobre quem deve suportar os custos do ensino
superior sejam eles, despesas de alojamento, alimentação, vestuário, livros,
transporte, propinas, ou outros, se devem ser partilhados ou não, e por quem, e
em que medida os estudantes e as famílias são prejudicados face às dificuldades
orçamentais com que os governos em geral se dizem debater no financiamento da
educação superior. É preciso não esquecer, como já referi, a educação superior
produz externalidades.
No
caso da sua pesquisa sobre o Ensino Superior em Angola verificou algum tipo de
situação que mostre haver diferenças na população estudantil no que diz
respeito ao género, sexo ou em outro aspecto que pudesse evidenciar
desigualdades entre os estudantes na frequência do ensino superior? A tal
acessibilidade…
Desde
logo, constatei haver 61,5% de estudantes do sexo masculino e 38,5% do sexo
feminino, ou seja, verifica-se uma larga predominância do sexo masculino sobre
o feminino, à semelhança do que se passa com outros países em vias de
desenvolvimento. Portanto, em Angola, a mulher continua em desvantagem no
acesso ao ensino superior.
Por
outro lado, no que respeita à idade, 33,3% dos inquiridos encontra-se no
escalão 22 anos, o que seria expectável pois é a idade normal para frequência
do ensino superior.
Mas,
é de realçar que a maior parte dos inquiridos já não se encontra na situação
normal de acesso e para explicar esta situação confirmei que havia uma relação
estatística entre idade e situação no trabalho.
Ensino
superior em Angola: Financiamento e acessibilidade
Distribuição
dos estudantes por sexo e idade
|
N
|
%
|
|
Sexo
|
Masculino
|
525
|
61,5
|
Feminino
|
328
|
38,5
|
|
Total
|
853
|
100,0
|
|
Idade
|
Até
22 anos
|
280
|
33,3
|
23-30
anos
|
374
|
44,5
|
|
>30
anos
|
186
|
22,1
|
|
Total
|
840
|
100,0
|
Fonte:
M. Azancot de Menezes (2014)
Verificou
mais algum aspecto que evidenciasse diferenças entre os estudantes?
Sim,
sim… porque no estudo foi dada particular atenção à caracterização
socioeconómica do estudante e do seu agregado familiar.
Também
constatei, como de resto se registou em estudos similares no EUA, da autoria de
Bruce Johnstone, e em Portugal, realizados por Belmiro Cabrito, Luísa Cerdeira
e Rui Brites, há uma relação entre o contexto socioeconómico e académico dos
pais e dos estudantes e a opção tipo de instituição escolhida (escola
secundária pública/privada e universidade pública/privada) e o tipo de ensino
superior frequentado (universitário ou politécnico).
Quer
fazer o favor de concretizar algumas dessas evidências para melhor podermos
compreender esses aspectos?
Em
geral constatei que quanto mais elevada é a escolaridade dos pais maior é a
percentagem de frequências de estudantes em escolas secundárias privadas.
Efectivamente,
no caso em que a escolaridade da mãe é de nível superior, bacharelato,
licenciatura ou mestrado, a percentagem de estudantes que frequentaram a escola
secundária privada está compreendida no intervalo 28,6% e 31,6%, com valores
bastante mais elevados do que aqueles que correspondem a níveis de escolaridade
mais baixos.
Os
valores percentuais vão diminuindo à medida que o nível de escolaridade da mãe
baixa, atingindo-se os 9,8%, valor percentual relacionado com a percentagem de
estudantes cujas mães não sabem ler nem escrever.
Em
relação aos pais, de forma genérica, a constatação é idêntica. Quando a
escolaridade é alta (bacharelato, licenciatura e mestrado) os valores
percentuais dos estudantes que optaram pelo secundário privado situam-se no
intervalo 23,3% / 28,6%, à excepção do caso em que os pais tinham doutoramento
(14.3%), descendo de forma significativa para 3,3% e 5%, no caso em que os pais
dos estudantes sabiam ler e escrever mas não concluíram o ensino primário, e
não sabiam ler nem escrever, respectivamente.
Os
resultados do estudo mostram que há a mesma tendência na escolha das
instituições do ensino superior. Portanto, existe uma forte relação entre
origem social e instituições frequentadas, como no caso em análise, em que os
estudantes cujos pais têm escolaridades mais baixas, sendo em geral jovens de
estratos sociais menos favorecidos são levados a procurar o ensino superior
público, nomeadamente por questões financeiras.
Ensino
Superior em Angola: Financiamento e acessibilidade
Escolaridade
dos pais e Tipo de escola secundária frequentada
|
Tipo
de escola secundária que frequentou
|
||||
Pública
|
Religiosa
|
Privada
|
Total
|
||
Escolaridade
do pai
|
Não
sabe ler nem escrever
|
90,0
|
5,0
|
5,0
|
100,0
|
Sabe
ler e escrever mas não concluiu o ensino primário
|
90,0
|
6,7
|
3,3
|
100,0
|
|
Ensino
Primário
|
80,0
|
8,0
|
12,0
|
100,0
|
|
Ensino
Secundário (1º Ciclo – Ensino Geral e Formação Profissional Básica)
|
66,4
|
15,4
|
18,1
|
100,0
|
|
Ensino
Secundário (2º Ciclo – Ensino Geral, Formação Média Normal e Média Técnica)
|
71,8
|
10,0
|
18,2
|
100,0
|
|
Ensino
Superior (Bacharelato)
|
70,0
|
6,7
|
23,3
|
100,0
|
|
Ensino
Superior (Licenciatura)
|
71,3
|
12,5
|
16,3
|
100,0
|
|
Ensino
Superior (Mestrado ou Especialização Profissional)
|
57,1
|
14,3
|
28,6
|
100,0
|
|
Ensino
Superior (Doutoramento)
|
85,7
|
|
14,3
|
100,0
|
|
Total
|
73,6
|
10,4
|
16,0
|
100,0
|
|
Escolaridade
da mãe
|
Não
sabe ler nem escrever
|
78,9
|
11,4
|
9,8
|
100,0
|
Sabe
ler e escrever mas não concluiu o ensino primário
|
77,2
|
12,0
|
10,9
|
100,0
|
|
Ensino
Primário
|
78,8
|
5,9
|
15,3
|
100,0
|
|
Ensino
Secundário (1º Ciclo – Ensino Geral e Formação Profissional Básica)
|
66,2
|
13,9
|
19,9
|
100,0
|
|
Ensino
Secundário (2º Ciclo – Ensino Geral, Formação Média Normal e Média Técnica)
|
75,4
|
7,0
|
17,6
|
100,0
|
|
Ensino
Superior (Bacharelato)
|
57,9
|
10,5
|
31,6
|
100,0
|
|
Ensino
Superior (Licenciatura)
|
65,1
|
4,7
|
30,2
|
100,0
|
|
Ensino
Superior (Mestrado ou Especialização Profissional)
|
57,1
|
14,3
|
28,6
|
100,0
|
|
Ensino
Superior (Doutoramento)
|
100,0
|
|
|
100,0
|
|
Total
|
73,0
|
9,8
|
17,2
|
100,0
|
Fonte:
M. Azancot de Menezes (2014)
Analisei
e discuti muitas outras relações entre variáveis, sobre os estudantes bolseiros
angolanos, sobre as fontes de rendimentos dos estudantes, sobre as propinas e
os custos do ensino superior, entre outras dimensões, com resultados
surpreendentes, que poderão ser muito úteis para quem decide em matéria de
políticas de educação superior em Angola, e que terei todo o gosto em
partilhar.
Nota
de edição
Os
primeiros artigos deste estudo foram publicados a:
30
de Dezembro – Ensino
Superior: Financiamento e acessibilidade 1
17
de Janeiro – Ensino
Superior: Financiamento e acessibilidade 2
29
de Janeiro – Ensino
Superior: Financiamento e acessibilidade 3
*Secretário-Geral
do Partido Socialista de Timor (PST) e Professor Universitário
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