Martinho Júnior, Luanda
A
EXTENSÃO DA PRESENÇA MILITAR FRANCESA EM ÁFRICA, A PRETEXTO DO COMBATE AO CAOS
E AO TERRORISMO QUE A FRANÇA CONTRIBUIU PARA EXPANDIR AO DESTRUIR KADAFI NA
LÍBIA.
1
– Tudo o que de mau se poderia prever para África no seguimento da intervenção
militar que acabou com Kadafi na Líbia em 2011 (“Opération Harmattan” e “Unified
Protector”), está a verificar-se conforme este ignóbil inventário:
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Na Líbia instalou-se o caos até aos nossos dias, inviabilizando progresso,
democracia, direitos humanos, independência e soberania do país;
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No Sahel, contíguo à fronteira sul da Líbia, disseminou-se o caos e o
terrorismo, assistindo-se ao reforço de grupos rebeldes desde o AQMI (Al Qaeda
do Magrebe Islâmico) ao Boko Haram e ao Seleka;
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Essa disseminação reflecte a tendência para os grupos fundamentalistas
islâmicos, financiados a partir de fontes de países aliados das potências
ocidentais como a Arábia Saudita ou o Qatar, dominem espaços vitais próximos de
fontes interiores de água (rio Níger, lago Chade, ou afluentes da bacia do
Congo próximos da região central dos Grandes Lagos);
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A disseminação do caos e do terrorismo nos espaços imensos de África, da
Mauritânia à Somália e ao longo de toda a transversal do Sahel, propiciou por
seu turno a justificação para a presença militar da FrançAfrique, à mercê da
posição dominante da França nessa imensa região, como se caos e terrorismo,
pela via contraditória, servissem como uma tácita motivação em proveito dessa
presença;
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A instalação do caos e do terrorismo foi feita por isso e essencialmente em
países ricos em minerais do interior do continente sem acesso directo ao
oceano, exportadores de matérias-primas (urânio, petróleo, ferro…), com
economias frágeis, dependentes e deliberadamente precarizadas, países que
ocupam alguns dos últimos lugares dos relatórios anuais dos Índices de
Desenvolvimento Humano (Mali, Níger, Chade, República Centro Africana, Sudão,
Sudão do Sul…);
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O terrível enredo neocolonial que foi criado, incide sobretudo na África do
Oeste e na África Central, em países que integram a zona de utilização do
Franco CFA, uma moeda sob tutela francesa que está em vigor desde a última fase
do colonialismo, há 72 anos;
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O conjunto das acções económicas, financeiras, militares e sócio-políticas,
favorece a continuidade do sistema de inteligência dominante francesa,
revertida aos tempos do “pré carré” e das redes de Jacques Foccart;
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Inspirados nos franceses, os Estados Unidos afinam no mesmo diapasão: a
pretexto de dar combate ao Boko Haram no Chade, aprontam o Exercício “Unified
Focus 2017”, justificando assim a sua presença militar na região;
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Fazem parte desse exercício “de treino” os Estados Unidos, a Grã-Bretanha,
a Holanda, a Itália, o Benin, os Camarões, o Níger, o Chade e a Nigéria!
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Esse tipo de influência está a ser de tal maneira forte, que se reflecte já no
domínio sócio-político em termos de relacionamentos externos conseguido na
textura da União Africana, a partir da última reunião cimeira em Adis Abeba;
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A entrada de Marrocos para a União Africana, sem que a autodeterminação e a
independência do Sahara, colónia de Marrocos, estivesse garantida, é uma
imediata redundância desse domínio, em reforço por seu turno dos interesses
neocoloniais britânicos relativos à desenfreada exploração mineral desse
território.
2
– A presença militar francesa em África cresceu depois do ataque à Líbia (“Opération
Harmattan”e “Unified Protector”), seja por via de unidades sob seu próprio
pavilhão, seja por via dos interesses e cobertura da União Europeia, da NATO,
da ONU, ou mesmo sob mandato internacional.
Quando
a França desencadeou a “Opération Harmattan”, simultaneamente a Grã
Bretanha (“Operation Ellamy”), os Estados unidos (“Operation Odyssey Dawn”) e o
Canadá (“Operation Mobile”), combinaram esforços com a Itália a fim de criar a
base sincronizada das operações da NATO na Líbia, que conduziram à “Operation
Unified Protector”…
A “Unified
Protector” aniquilou Kadafi e as forças líbias que lhe eram fieis, dando
azo ao fortalecimento dos grupos terroristas que no terreno ganharam força a
partir dessas acções e criaram na Líbia um forte impulso para disseminar o
terrorismo por todo o Sahel.
A
presença neocolonial militar francesa em África, acima de 10.000 efectivos,
assume agora os seguintes esforços:
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Operações marítimas no Atlântico ao longo das costas da África do Oeste e Golfo
da Guiné, até à fronteira sul de Angola (“Opération Corymbe” sob seu
próprio pavilhão);
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Operações marítimas no Índico, em torno da Somália (“Opération Atalante”, ao
abrigo dos interesses e cobertura da União Europeia);
.
Pontos de apoio na costa em torno do continente africano, mediante acordos,
alguns deles acordos secretos bilaterais, com o Senegal, a Costa do Marfim e o
Gabão (na costa Atlântica), o Djibouti, as Comores, as Seichelles e a Reunião
(nas costas e arquipélagos do Índico);
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Operações no interior do continente africano contra o caos e o terrorismo
(Mali, Níger, Chade e República Centro Africana); neste âmbito decorrem sob seu
próprio pavilhão a “Opération Licorne”(Costa do Marfim), a “Opération
Barkhane” (no Sahel com intervenções sem-fronteira no Mali, no Níger e no
Chade) e a “Opération Boali” (na República Centro Africana);
.
Operações no interior sob interesse e cobertura da União Europeia e da ONU,
como a “Opération Artémis” (Grandes Lagos), a Eufor no Chade e
República Centro Africana e a “Opération Sangaris”na República Centro
Africana;
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Atracção por via da União Europeia e da ONU de outros aliados europeus à “Opération
Sangaris”, entre eles Portugal, a pedido do governo francês, mais publicamente
exposta com a recente visita do 1º Ministro Português à Companhia de Forças
Especiais reforçada colocada em Bangui, a capital daquele país.
A
França militarmente garante um extraordinário dispositivo de geometria variável
no interior, mas com apoios fixos e perenes no litoral, um dispositivo bem
articulado e muito móvel, correspondendo a uma implantação militar que coloca a
França acima das capacidades no terreno das forças armadas africanas,
conferindo-lhe por isso uma posição dominante e colocando os africanos como
complementares, correspondendo às características das suas redes de influência
inteligente (desde as de carácter sócio-político, às de carácter económico e
financeiro)!
3
– O conjunto das iniciativas francesas após 2011 (“Operação Harnattan” e
integração na “Unified Protector”), radicaliza os expedientes neocoloniais
franceses em África, em estreita consonância e ligação com expedientes do
âmbito do USAFRICOM e britânicos.
Estas
questões têm hoje uma maior oportunidade para serem apresentadas e balanceadas
(é isso que estou a fazer), até por que, decorrente das campanhas eleitorais
francesas para a Presidência, há finalmente um candidato, do sector mais à
esquerda do Parido Socialista Francês, que em visita à Argélia considerou a
colonização como “um crime contra a humanidade” e teve a ousadia de o
fazer ao mesmo tempo que o actual Secretário de Estado dos Antigos Combatentes
da França, Jean-Marc Todeschini, visitou em nome da França e pela primeira
vez, o cemitério de Sétif, onde repousam os restos mortais de muitas das
primeiras vítimas dos massacres coloniais das primeiras revoltas que estiveram
na origem da Frente de Libertação Nacional da Argélia!
Mesmo
com este reconhecimento e o contexto profundo em que ele se insere, numa época
em que os balanços se vão sucedendo por todo o mundo, considero que se Emmanuel
Macron chegar à Presidência, não dissolverá a célula africana no Eliseu
(assente por Charles de Gaulle que esteve na origem das redes de Jacques
Foccart), mas ao tentar “reformá-la”, acabará apenas por “refinar” a
sua actualização, e com isso, “refinar” as máscaras
neoliberais e o radicalismo neocolonial francês do “pré carré” que
constitui a “FrançAfrique”!
Esta
polémica está a ser utilizada pelas elites capitalistas neoliberais francesas
contra a candidatura de Emmanuel Macron, o que é sintomático do seguinte: ao
considerar juridicamente que Macron não tem razão, é afastado o anátema da
palavra “crime” em relação ao passado colonial, para assim
continuarem impunemente os procedimentos criminosos que sustentam o carácter
eminentemente neocolonial da presença francesa em África a coberto e segundo
pretextos que sustentam o presente modelo intoxicado de “globalização”!
Com
a radicalização neocolonial em curso, a pretexto de combater o caos e o
terrorismo em relação aos quais os franceses, tal como os estado-unidenses e os
britânicos, deram a sua notável contribuição para expandir ao rebentar com
Kadafi que era um factor de combate ao caos e ao terrorismo, África que se
declarou um continente livre de armas nucleares, evoca em vão esse risco, pois
a ser sujeita a um tipo de armas não só reflexo do “soft power” das
ex-potências coloniais, mas também de autênticas operações cirúrgicas em termos
de inteligência e em termos militares, cujas consequências são muito mais
lesivas e duradouras para o tecido humano dos povos africanos!
O
radicalismo neocolonial enquanto doença crónica que subsiste agora em pleno
século XXI, precisa dum novo Franz Fannon para o poder antes de mais
psicologicamente dissecar e é nessa razão que aqueles que como eu perfilham a
lógica com sentido de vida enquanto sustentam a necessidade de resgatar África
das trevas do subdesenvolvimento, têm a sua trincheira firme, na continuidade
da mesma ética e da mesma moral que tem dado vida à Luta de Libertação em
África!...
Em
Angola, é preciso que se lembre, o Programa Maior do MPLA está em curso, mas
tem imensas razões para se balancear e melhor decidir, em função dos deveres
patrióticos identificados legitimamente com a luta de todo o povo angolano nos
seus anseios de mais liberdade, de mais justiça, de mais progresso, de mais
desenvolvimento sustentável, de mais democracia, de mais internacionalismo e de
mais solidariedade humana e respeito para com a Mãe Terra, também para
benefício e mérito de toda a humanidade!...
A
consultar (Martinho Júnior):
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Salvar a Líbia – Martinho Júnior – Página Um – http://pagina--um.blogspot.com/2011/03/salvar-libia.html
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Salvar os reis – Martinho Júnior – Página Um – http://pagina--um.blogspot.com/2011/03/salvar-os-reis.html
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Castas das Arábias – Martinho Júnior – Página Um – http://pagina--um.blogspot.com/2011/03/castas-das-arabias.html
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Iraque, Iraque, 75 anos depois – Martinho Júnior – Página Um – http://pagina--um.blogspot.com/2011/03/iraque-iraque-75-anos-depois.html
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Opção pelo inferno – Martinho Júnior – Página Global – http://pagina--um.blogspot.com/2011/03/opcao-pelo-inferno.html
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O “arco de crise” em direcção a África – http://paginaglobal.blogspot.com/2011/05/o-arco-de-crise-em-direccao-africa.html
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Rapidinhas do Martinho – 19 – Níger – O neocolonialismo francês mortal e a
pleno vapor – Página Global –http://paginaglobal.blogspot.com/2011/06/rapidinhas-do-martinho-19.html
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Rapidinhas do Martinho – 26 – Somália – Ainda a Somália – Página Global – http://paginaglobal.blogspot.com/2011/07/rapidinhas-do-martinho-26.html
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Rapidinhas do Martinho – 59 – França: pequena radiografia do poder global –
Página Global –http://paginaglobal.blogspot.com/2011/11/rapidinhas-do-martinho-59.html
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O rio Níger e a dicotomia Mali /Azawad – I – Martinho Júnior – Página Global – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/04/o-rio-niger-e-dicotomia-mali-azawad-i.html
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O rio Níger e a dicotomia Mali /Azawad – II – Martinho Júnior – Página Global – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/04/o-rio-niger-e-dicotomia-maliazawad-ii.html
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Operação Serval – I – Martinho Júnior – Página Global – http://paginaglobal.blogspot.com/2013/02/operacao-serval-i.html
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Operação Serval – II – Martinho Júnior – Página Global – http://paginaglobal.blogspot.pt/2013/02/operacao-serval-ii.html
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Operação Serval – III – Martinho Júnior – Página Global – http://paginaglobal.blogspot.com/2013/02/operacao-serval-iii.html
.
Operação Serval – IV – Martinho Júnior – Página Global – http://paginaglobal.blogspot.pt/2013/02/operacao-serval-iv.html
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Operação Serval – IV – Martinho Júnior – Página Global – http://paginaglobal.blogspot.pt/2013/03/operacao-serval-v.html
.
IIIª Guerra Mundial – Martinho Júnior – Página Global – http://paginaglobal.blogspot.pt/2015/11/iii-guerra-mundial.html
Fotos:
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Plano militar francês na direcção do coração de África, de acordo com a
implantação de seus efectivos;
. “Opération
Barkhane” e “Opération Sangaris”;
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Franco CFA resiste temporalmente mais (tem já 72 anos) que o Franco Francês,
que na União Europeia cedeu o passo ao Euro;
.
Cômputo do domínio militar francês em África; (só falta mesmo a África
Austral);
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Emmanuel Macron em visita ao cemitério onde repousam os primeiros mártires da
moderna Luta de Libertação Nacional na Argélia.
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