segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Portugal. FRAGILIDADES NO EMPREGO



Manuel Carvalho da Silva* - Jornal de Notícias, opinião

As expectativas confirmaram-se: os dados divulgados esta semana pelo INE mostram-nos que o emprego aumentou e o desemprego diminuiu. Se analisarmos o crescimento do emprego comparando as médias anuais de 2016 com as de 2015, conclui-se que foram criados 56,5 mil empregos em termos líquidos; se a comparação for feita entre os valores dos quartos trimestres de 2016 e de 2015, o número obtido sobe para 82,1 mil postos de trabalho líquidos. Trata-se, sem dúvida, de um resultado positivo.

Contudo, estamos ainda longe do nível de emprego que tínhamos antes da crise (menos 131 mil postos de trabalho), a população ativa continuou a diminuir, a recuperação do emprego acompanhou bem o crescimento económico mas este foi ainda muito ligeiro. O emprego criado é frágil, como nos confirmam o aumento das precariedades laborais e a persistência de baixos salários. Não há avanços na articulação entre a melhoria do SMN e a efetivação da contratação coletiva. As renumerações médias continuam abaixo dos valores que tínhamos antes da crise que, como sabemos, foram diminuídos por políticas demolidoras do Governo PSD/CDS e da troika e devem ser repostos.

Os trabalhadores portugueses, em particular os jovens, continuam encurralados entre uma elevada taxa de desemprego, uma diminuta proteção no desemprego, a oferta de emprego com baixa remuneração, a ocupação de empregos e relações de trabalho marcados por incertezas e inseguranças (aproximadamente quatro em cada cinco novos contratos são precários) que lhes atrofiam a vida e travam o desenvolvimento do país.

Sem sobrevalorizar os jovens diplomados em relação aos outros jovens ou ao comum dos trabalhadores, mas tendo presente que o país precisa de fixar os mais qualificados, importa olhar com atenção para o que se vem passando com estes: i) no período entre 2011 e 2015, a remuneração média de jovens com instrução superior caiu 128 euros, valor muito acima da queda absoluta e relativa de qualquer outra camada (ver excelente artigo de Miguel Chaves e Mariana G. Alves, "Le Monde Diplomatique", edição portuguesa, fev. 2017) e mantém-se baixa; ii) é conhecida a frágil capacidade da maioria das empresas portuguesas para contratarem jovens altamente qualificados e o último ano não apresenta sinais significativos de mudança; iii) a formação mais elevada não serve apenas para responder às necessidades do sistema económico, mas também para qualificar e dar eficácia à Administração Pública e a áreas estratégicas de desenvolvimento que não se estimulam pela ação do mercado; iv) ora, a Administração Pública ainda não recuperou o seu nível salarial e está infestada de precariedades, as carreiras continuam congeladas, a investigação é mal paga e vive de vínculos precários, um amplo conjunto de atividades sociais, culturais e outras é desvalorizado. A todas estas fragilidades, acresce a vulnerabilidade que pode surgir a partir de choques externos vindos das incertezas que se vivem no plano europeu e mundial.

O relançamento do emprego só será consistente com políticas de reforço de investimento, desde logo público; com progressiva melhoria dos rendimentos que favoreçam o consumo privado, em particular dos mais pobres; com medidas bem formuladas para combate à precariedade que, como está sobejamente comprovado, se transforma aceleradamente em desemprego em contextos económicos ou políticos menos favoráveis; com sinais e práticas que travem os fatores que estão na origem da diminuição da população ativa.

Entretanto, é urgente proceder-se a uma análise séria e a um debate crítico das políticas de emprego, em particular das chamadas políticas ativas, hoje dispersas por cerca de 200 medidas e programas geradoras de um emaranhado labiríntico, que faz perder eficácia e desorienta as pessoas que a elas precisam de recorrer. Sem criar ilusões que erradamente colocam tais políticas como solução para todos os problemas do mercado de trabalho, há que desviá-las da lógica do aprofundamento da flexibilização do trabalho e da harmonização regressiva das condições da sua prestação, e voltá-las para a valorização de um modelo de desenvolvimento com qualificações sérias e dignidade para quem trabalha.

* Investigador e professor universitário

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