Ao
contrário do processo de despolitização que a direita promove junto aos grupos
sociais que protestam contra a discriminação social e o preconceito cultural
que impede a sua livre participação na sociedade por razões etnicas, de gênero,
de opções sexuais, religiosas ou ideológicas, professoras universitárias dos
Estados Unidos lançaram um manifesto baseado em aprofundados estudos da
história e da filosofia do movimento feminista mundial, propondo a organização
de um movimento fortalecido pela consciência de cidadania e de classe.
Só
quando os movimentos sociais forem estruturados em função dos seus objetivos de
luta poderão impor os seus direitos ao Estado com a participação em todos os
níveis do poder saindo da fase de angariação de proteção paternalista à elite
dominante que sempre está sujeita à manipulação política e às chantagens
oportunistas que caracterizam o sistema.
Os
problemas da violência contra todos os que lutam por mudanças na sociedade,
pelo respeito à justiça e aos direitos humano, tem-se agravado especialmente
contra as mulheres que suportam as tarefas domésticas e o trabalho remunerado
para a sobrevivência familiar. Os estupros, as violações, os espancamentos em
casa, o desprezo e humilhações de todo o tipo, são hoje moeda corrente em todos
os países e servem de pasto à exploração midiática e ao comércio sexual de
milhões de empresas dos mais diversos níveis sócio economicos sem que os
responsáveis pelos governos ponham fim a estes flagelos. Combater tais crimes é
uma necessidade urgente das mulheres, mas
também
de todos os que defendem a possibilidade de organização das famílias, da formação
elevada das crianças, do apoio aos carentes e idosos, de sociedades civilizadas
e saudáveis.
O
texto amplamente divulgado atraves da net (Revista Jacobin de São Paulo
03/03/17 e blog Junho, Boletim Opera Mundi 04/03/17) que apoiam a convocação de
uma greve internacional militante das mulheres para o próximo dia 8 de março de
2017, é da autoria de Cinzia Arruzza, professora adjunta de filosofia na New
School e de Tithi Bhattacharya, professora associada de história na Purdue
University. Ambas assinam, junto com Angela
Davis,
Keeanga-Yamahtta Taylor, Linda Martín Alcoff, Nancy Fraser e Rasmea Yousef Odeh,
o manifesto que originalmente convocou “Por uma greve internacional militante no
8 de março“.
"Organizações
feministas, populares e socialistas de todo o mundo convocaram uma greve
internacional das mulheres no 8 de março para defender os direitos reprodutivos
e contra a violência, entendida como a violência econômica, institucional e
interpessoal.
A
greve ocorrerá em pelo menos quarenta países e será o primeiro dia
internacionalmente coordenado de protesto em escala tão grande depois de anos.
Em termos de tamanho e diversidade de organizações e países envolvidos, será
comparável às manifestações internacionais contra o ataque imperialista ao
Iraque, em 2003, e os protestos internacionais coordenados sob a bandeira do
Fórum Social Mundial e do movimento de justiça global no início dos anos 2000.
Greve indica possibilidade concreta de um movimento feminista novo, poderoso,
anticapitalista e internacionalista".
No
outono de 2016, as ativistas polonesas adotaram a estratégia e a mensagem da
greve das mulheres de Islândia em 1975 e organizaram uma greve massiva de
mulheres para impedir a aprovação de um projeto de lei no parlamento que
proibisse o aborto. Ativistas argentinas fizeram o mesmo em outubro passado
para protestar contra a violência masculina contra as mulheres.
Esses
eventos – que estimularam a ideia de uma greve maior no Dia da Mulher –
demonstram como uma greve de mulheres é diferente de uma greve geral. A greve
das mulheres surge da reflexão política e teórica sobre as formas concretas do
trabalho feminino nas sociedades capitalistas.
No
capitalismo, o trabalho das mulheres no mercado formal é apenas uma parte do trabalho
que realizam. As mulheres são também as principais realizadoras do trabalho reprodutivo
– trabalho não remunerado que é igualmente importante para a reprodução da sociedade
e das relações sociais capitalistas. A greve das mulheres destina-se a tornar este
trabalho não remunerado visível e enfatizar que a reprodução social é também um
local de luta.
Além
disso, devido à divisão sexual do trabalho no mercado formal, um grande número
de mulheres ocupam postos de trabalho precários, não têm direitos trabalhistas,
estão desempregadas ou são trabalhadoras sem documentos. As mulheres que
trabalham no mercado formal e informal e na esfera social não reprodutiva são
todas trabalhadoras.
Essa
consideração deve ser central para qualquer discussão sobre a reconstrução de
um movimento operário não só nos Estados Unidos, mas também globalmente.
Enfatizar
a unidade entre o local de trabalho e o lar é fundamental, e um princípio organizador
central para a greve de 8 de março. Uma política que leve a sério o trabalho das
mulheres deve incluir não só as greves no local de trabalho, mas também as
greves do trabalho reprodutivo social não remunerado, as greves de tempo
parcial, os chamados para redução do tempo de trabalho e outras formas de
protesto que reconhecem a natureza de gênero das relações sociais.
Os
Estados Unidos têm talvez as piores leis trabalhistas entre as democracias
liberais. As greves gerais e as greves políticas são proibidas, as permitidas
estão ligadas a exigências econômicas restritas dirigidas aos empregadores e os
contratos têm frequentemente cláusulas explícitas anti-greves, cuja violação
pode fazer com que o trabalhador perca o emprego e acarretar multas pesadas
para o sindicato que organiza-las. Além disso, vários estados, como Nova York,
têm leis que proíbem explicitamente funcionários públicos de entrar em greve.
A
discussão sobre como reverter esta situação e empoderar os trabalhadores tem
sido a principal preocupação estratégica da esquerda dos Estados Unidos nas
últimas décadas.
No
entanto, um dos perigos desta discussão é o de reduzir a luta de classes apenas
à luta econômica e de unir as relações sociais capitalistas com a economia
formal em sentido restrito.
A
transformação das relações de trabalho nos Estados Unidos requer não apenas uma
ativação da classe trabalhadora com base em demandas econômicas no local de trabalho,
mas sua politização e radicalização – a capacidade de realizar uma luta
política dirigida à totalidade das relações de poder, instituições e formas de
exploração em vigor.
Isto
não pode ser alcançado apenas melhorando e expandindo a organização do trabalho
de base no local de trabalho. Um dos problemas centrais que o trabalho político
radical enfrenta é seu isolamento e invisibilidade. Estabelecer as bases para a
revitalização do poder operário exigirá operar em diferentes níveis – criando
grandes coalizões sociais, agindo dentro e fora dos locais de trabalho e
estabelecendo laços de solidariedade e confiança entre organizadores e
ativistas trabalhistas, antirracistas, feministas, estudantes e
anti-imperialistas. Também significa aproveitar a imaginação social através de intervenções
criativas, intelectuais e teóricas, além da experimentação com novas práticas e
linguagens.
Em
vez de um foco estreito sobre as lutas no local de trabalho, precisamos conectar
movimentos baseados em gênero, raça, etnia e sexualidade, em conjunto com a
organização do trabalho e o ativismo ambientalista. Somente criando essa totalidade
coletiva seremos capazes de abordar a complexidade das questões e demandas
apresentadas pelas diversas formas de mobilização.
Este
é o caminho que a greve internacional das mulheres está perseguindo com sua plataforma
política expansiva e inclusiva. O 8 de março não será uma greve geral. Mas será
um passo importante para um novo ciclo de legitimação do direito de greve
contra as degradações do capitalismo sentidas em todas as esferas da vida por
todos os povos."
Podemos
acrescentar que o movimento pelos direitos das Mulheres, que existe desde o século
19 e foi desenvolvido mundialmente com a Revolução Soviética, ao conseguir
criar uma estrutura política combativa que permitirá aprofundar os
conhecimentos relativos aos direitos de cidadania, dará um salto de qualidade
assumindo a consciência de classe a partir do sentimento de discriminação
social.
*Zillah
Branco - Cientista social, consultora do Cebrapaz. Tem experiência de
vida e trabalho no Brasil, Chile, Portugal e Cabo Verde
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