Artigo
de resposta não toca no tema principal de nossa critica: embora divergentes em
vários aspectos, esquerda e direita brasileira concordam com expulsão de
milhões de palestinos de suas terras
A
lista só aumenta: Duvivier e Wyllys ganham a companhia da senadora Kátia Abreu e
dos senadores petistas Jorge Viana e Humberto Costa na defesa dos crimes de
Israel
Arturo
Hartmann e Bruno Huberman - ICArabe
Nesta
semana, embarcou para Israel um grupo de parlamentares brasileiros com a missão
de fortalecer as relações políticas e econômicas entre os países e
aprofundar-se no conhecimento a respeito do conflito Palestina/Israel. O
périplo de Kátia Abreu, Humberto Costa, Jorge Vianna e cia é financiado por
organizações lobistas israelenses que atuam no Brasil. O resultado até o
momento: postagem de azeitonas que não são israelenses, vídeos que falam da
tecnologia de ponta da indústria local e discursos que alegam querer
"compreender" a questão. Seria algo muito diferente do que foram
fazer na região recentemente políticos e personalidades como Gregório Duvivier,
Marcelo Crivella, Jean Wyllys e Jair Bolsonaro?
Escrevemos
aqui para revelar o que o discurso sionista, em especial, aquele autointitulado
de esquerda, escamoteia, confunde e omite questões importantes para o leitor.
Quando dizem que são contra a ocupação israelense na terras palestinas, a que
estão se referindo? E o que não se menciona? Omite-se que o Estado de Israel
foi criado, em 1948, por meio de uma limpeza étnica do território, que provocou
a expulsão forçada de 800 mil nativos palestinos e a demolição de 615 cidades e
vilarejos palestinos [1] em um processo que deixou um rastro de massacres e
expulsões forçadas: Deir Ayyub, Khisas, Balad al Shayk, o bairro de Wadi
Rushmiyya (em Haifa), Lifta, Sa'sa, Qastal, Deir Yassin, Qalunya, Saris, Beit
Surik, Biddu, Safad, Tantura, Lydd e Ramla. Que os territórios de Cisjordânia e
Gaza foram ocupados militarmente, em 1967, por meio de novas expulsões e
massacres - fatos que se repetem cotidianamente até hoje. Que a propriedade
privada palestina tem sido sistematicamente expropriada legal e ilegalmente
pelas autoridades israelenses, que constroem cada vez mais colônias, muros e
rodovias para segregar e inviabilizar a vida palestina em todo o território -
seja dentro de Israel ou nos Territórios Palestinos Ocupados. Importante
observação: tudo isso realizado diretamente ou com apoio de dirigentes do
sionismo de esquerda. Entendemos, portanto, que é fundamental que a opinião
pública compreenda o que significa atualmente a proposta de dois Estados para a
sustentabilidade desse projeto político.
Significa
não respeitar o direito de retorno dos mais de seis milhões de palestinos
espalhado pelo mundo - as pessoas ou os parentes daqueles que foram expulsos em
1948; muitos, inclusive, encontram-se no Brasil, alguns em seu segundo refúgio.
Aliás, esses refugiados palestinos, nascidos no exílio na Síria, no Líbano, no
Iraque ou na Jordânia, nunca puderam conhecer o vilarejo da sua família,
colocar os pés na Palestina, pois o Estado de Israel não permite a sua entrada
no país. Como vemos, o sionismo tornou-se uma forma de colonialismo: para o
sionismo real, a realização de um Estado majoritariamente judaico na Palestina,
como resposta à perseguição aos judeus na Europa, teve e tem que recorrer a
práticas colonialistas, de uma sistemática expulsão e segregação dos
palestinos. O retorno dos milhões de palestinos para as suas casas afetaria
decisivamente o balanço demográfico do território, fazendo dos judeus uma
minoria, o que contraria a visão de qualquer sionista, até mesmo aqueles de
esquerda. O artigo dos autores são apenas mais um tijolo dentro desse esforço.
Para
evitar "simplificações extremas", vamos a alguns fatos. A esquerda
sionista participa da colonização da Palestina há cerca de 140 anos, quando os
primeiros colonos sionistas europeus começaram a migrar para a região. Os
grupos nacionalistas judeus de esquerda lideraram este empreendimento ao longo
de décadas, vindo do contexto dos debates políticos do leste europeu. Foram
eles que protagonizaram as maiores catástrofes do povo palestino: os trágicos
massacres e desapropriações de 1948 e 1967.
Se
Duvivier e Wyllis tivessem tido pernas, teriam ido ao Vale do Jordão e visto a
humilhação pela qual um palestino passa cotidianamente. Não é difícil, mesmo
para um estrangeiro ser abordado e interrogado por um jovem soldado israelense.
"Passaporte. O que faz aqui?". Silêncio, pouca interação. "Por
que você está nessa área pobre, com essa gente pobre?". É chocante ver a
lógica desse soldado israelense criado dentro desse sistema que incentiva o
racismo ser reproduzida por pessoas como Wyllys e Duvivier. É chocante ver
estes expoentes da esquerda tornarem-se defensores dessa lógica do sistema de
segregação israelense. A esquerda sionista, cuja agenda o humorista e o
deputado parecem defender, situa-se onde seu nome a coloca: à esquerda do sionismo,
portanto, uma esquerda, acima de tudo, sionista. Esse exercício de lógica pode
nos fazer parecer tolos, mas é necessário.
O
debate, portanto, não é sobre este ou aquele governo israelense, mas sobre o
regime de Israel, moldado pelo sionismo, que se fortalece pelos ganhos
militares, ganhos econômicos e a indiferença da comunidade internacional em
relação às violações israelenses. O processo de paz, como disse Edward Said,
foi a rendição palestina. O que os presidentes Donald Trump e Bibi Netanyahu fizeram
na semana passada, ao por fim ao processo de paz, foi apenas enterrar uma farsa
iniciada por Yithzak Rabin, Shimon Peres e Yasser Arafat. O projeto de
Estado-nação sionista está acima das nuances entre os partidos e as forças
políticas israelenses. Nosso argumento é que há uma convergência de agendas
entre a esquerda e direita israelense para a manutenção do Estado judaico com
uma ampla maioria judaica. E isso tem implicações relevantes. Nas palavras do
historiador Ilan Pappe, o fato de a limpeza étnica realizada na Palestina entre
1947 e 1949 não ser colocada a sério no cotidiano é, no mínimo,
"desconcertante". Segundo ele, existe um "grande abismo entre a
realidade e a representação" no caso da Palestina.
O
discurso da esquerda sionista se entrega a essa distorção, pois vê a questão
palestina de forma binária: ou se é contra ou a favor da ocupação dos TPO;
contra ou a favor do governo Netanyahu. Uma das consequências de dirigir a sua
luta apenas em relação à desocupação dos territórios conquistados em 1967 -
isto é, a Faixa de Gaza e Cisjordânia -, é a legitimação da posição que
também é da direita, de negar retorno de milhões de palestinos refugiados
da nakba de 1948. A superioridade demográfica em vigor até hoje em
Israel (apenas cerca de 20% da população israelense é palestina, enquanto o
restante é quase na totalidade judaica, à exceção de alguns imigrantes
africanos e asiáticos) foi obtida originalmente através de um detalhado e
planejado processo de eliminação e afugentamento da população nativa. O
plano Dalet, de 1947, continha orientações explicitas nesse sentido: "os
vilarejos que você capturará, limpar ou destruir serão decididas de acordo com
consulta com seu oficial de assuntos árabes e de inteligência."
O vídeo abaixo traz um exemplo, narrado por um miliciano sionista, de
como isso aconteceu.
O
patriarca do Estado de Israel e herói da esquerda sionista, David Ben-Gurion,
foi um dos principais idealizadores do plano. Em 11 de janeiro de 1948, ele
explicou que "o que aconteceu em Jerusalém e Haifa pode acontecer em
outras partes do país. Se persistimos, é possível que em seis ou oito meses
haja mudanças consideráveis, e a nosso favor. Com certeza haverá mudanças na
composição demográfica do país". Pois então, o professor Gherman em artigo
acadêmico "Entre a Nakba e a Shoá: catástrofes e narrativas
nacionais", manifesta de forma clara um posicionamento político comum à
esquerda sionista: negar a limpeza étnica. O professor reconhece que houve
"um processo de expulsões, fugas e exílios de parte dos árabes habitantes
de regiões da Palestina", mas que isso ocorreu devido a "disputas
nacionais e coloniais" de 1948, absolvendo o protagonismo dos sionistas,
principalmente dos dirigentes socialistas, na execução de crimes premeditados
contra a humanidade, que provocaram uma fratura profunda na memória e no tecido
social do povo palestino. Nesse sentido, repete o que um dos historiadores
revisionistas israelenses, Benny Morris, sempre responde ao ser indagado sobre
as expulsões: " guerra é guerra". É como se dissesse no popular
"perdeu playboy". Isso é justiça? Isso é lutar pelos direitos
humanos?
Perguntamos
ainda o que você faria se estive entrevistando uma pessoa que declarasse o
seguinte: "Os árabes têm bem menos respeito pela lei, como mostram
estatísticas de trânsito, assassinato, assaltos e outros processos criminais.
Isso pode ser desagradável de ouvir e pode parecer racista, mas é uma questão
de estatística, não do que eu penso. É o que está lá, o que está
acontecendo." Esse é o trecho de uma entrevista do historiador Morris para
Gherman que permaneceu em silencio diante dessa resposta.
Os
autores se enfurecem com a crítica que fizemos ao fato de visitarem a
Universidade Hebraica. Ora, em seu artigo "Revisiting 1967: the false
paradigm of peace, partition and parity", o historiador Ilan Pappe revela
que a universidade promoveu, em 1963, um encontro entre os seus acadêmicos e os
dirigentes civis e militares israelenses para montar um plano de governo para
uma possível ocupação militar dos territórios palestinos de Cisjordânia e Faixa
de Gaza, o que viria a acontecer de fato na guerra de 1967. O envolvimento
da universidade com os crimes israelenses teve mais um importante capítulo por
ocasião dos ataques à Faixa de Gaza, em 2014, que vitimaram 2.104
palestinos, sendo que 1.462 deles civis e 30% de crianças. Em carta, declarou: "A
Universidade está se juntando ao esforço da guerra para apoiar seus estudantes
guerreiros, para que possam minimizar o fardo financeiro" para aqueles que
foram convocados para os ataques à Gaza". Caro leitor, sinceramente, vocês
acham que é possível fazer acordos de cooperação com universidade que conclama
a cometer crimes de guerra?
Mais
recentemente, outro herói da esquerda sionista, o falecido Shimon Peres, quando
presidente, em 2009, foi aos EUA vender colônias no deserto israelense do
Negev, que segregariam e desocupariam os beduínos palestinos que ali vivem,
para a classe dominante judaica dos EUA com a promessa de "fazer alyah [o
processo de imigração de judeus para Israel] e viver com estilo" em
condomínios com pistas de golfe, piscinas olímpicas e casas elegantes com ar
condicionado central. E não fica por ai. Peres foi também o garoto propaganda
da indústria armamentista israelense no Brasil. Quando o país foi escolhido
para sediar a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, Peres veio ao país
como representante de corporações envolvidas em diversos crimes na Palestina,
como os ataque à civis em Gaza e na construção do Muro na Cisjordânia.
Vocês
acham que é coerente o comediante, o deputado, e os intelectuais que se alinham
na defesa dos direitos humanos no Brasil, apoiar um politico como Peres?
A
ESQUERDA SIONISTA COMO FARSA?
Como
vemos, Israel tornou-se uma conveniente combinação de um Estado democrático e
liberal ao estilo ocidental para os judeus, mas que sustenta a sua economia com
base na contínua catástrofe palestina, isto é, na exportação das armas e demais
tecnologias de segurança testadas nos ataques à população palestina, além de
sistemas de irrigação por gotejamento desenvolvidos nas terras expropriadas
ilegalmente dos palestinos. As supostas qualidades democráticas e liberais,
assim como a sua indústria high-tech, são saudadas e defendidas por
Wyllys, Duvivier, Bolsonaro, Crivella e, agora, Katia Abreu, Humberto Costa e
cia. Claro que Bolsonaro discorda de Wyllys, assim como Crivella de Duvivier.
Essa clivagem é explicitada cotidianamente nas ruas, nos jornais e no
Parlamento. Mas as semelhanças que apontamos são reveladoras da força da
ideologia e das atitudes sionistas. É impressionante notar que, após décadas de
crimes contra a população palestina, o lobby sionista consegue se renovar e
conquistar o apoio de quadros tão diversos.
No
Brasil, o lobby sionista se faz presente principalmente por meio de
organizações financiadas pelo governo israelense ou por indivíduos e grupos
sionistas que participam do debate público na sociedade brasileira,
principalmente entre a comunidade judaica.
Destacam-se
a Confederação Israelita do Brasil (Conib), a Federação Israelita de São Paulo
(Fisesp) e a Federação Israelita do Rio de Janeiro (Fierj). A Conib, por
exemplo, apoiou tanto a viagem dos parlamentares brasileiros que acontece
nesses dias em Israel, como a viagem de Wyllys (vide imagem abaixo). Em seu
artigo, Gherman, Cohen e Green afirmam terem rejeitado o apoio da Fierj, e nos
chamaram de "tolinhos ou mentirosos" por expor a conexão. Ora, como
poderiam explicar um vídeo produzido pela Fierj com uma entrevista de Jean
Wyllys que "revela como a viagem o ajudou a entender melhor o
conflito entre israel e os palestinos e como encarou as reações contrárias à
sua visita ao Estado Judeu"? Além disso, num post de 7 de janeiro de 2016
no Facebook, a Federação afirmava: "A viagem de Jean Wyllys a Israel é uma
iniciativa idealizada e custeada diretamente por membros da Comunidade Judaica
do Rio de Janeiro. A Fierj, apesar de não ter tido qualquer participação na
logística ou financiamento deste projeto, tradicionalmente vê com bons olhos a
ida de formadores de opinião brasileiros a Israel, onde podem vivenciar in
loco os desafios e conquistas do país. Salvo exceções, tais viagens
costumam solidificar o apoio dos que já são amigos de Israel e oferecer novas
formas de enxergar o país àqueles que lá chegam com estereótipos
negativos." Quem mentiu? Fierj ou o nobre deputado?
Como
bem expôs o jornalista Andrew Fishman, diferente do discurso de um sionista
conservador, o liberal "quer convencer [...] que não existe um lado
correto e um lado errado, é apenas 'um conflito' ou, melhor ainda, 'uma
situação complicada' com gente boa e gente ruim nos dois lados. Só que um lado
tem todo o poder e privilegio e o outro vive cada vez mais apertado e
violado". Israel tem o completo controle vertical e horizontal de todas as
fronteiras do território (terra, água e ar), do fornecimento de água, da moeda
e do recolhimento de impostos, tem uma das Forças Armadas mais bem equipadas do
mundo, instituições fortes e uma economia desenvolvida; enquanto os palestinos
não tem controle sobre a sua própria terra, não possuem Forças Armadas, mas
apenas uma polícia despreparada, instituições fracas e uma economia
subdesenvolvida e dependente da israelense.
O
que essas viagens de turismo de Wyllys e Duvivier mostram é que há divergências
internas, de política nacional, entre a esquerda e a direita sionista, mas que
há um consenso entre eles de que não se pode questionar o colonialismo que
fundou o Estado de Israel. Essa esquerda sionista não aborda com afinco o
projeto de armas, do controle, de prisioneiros políticos, dos assassinatos
extrajudiciais, da distribuição desigual da água, do roubo de terras, das
diferentes identidades, placas de carro e estradas para circulação, do
impedimento para a compras de terras, de ter o seu vilarejo reconhecido, de que
sua parede possa permanecer de pé. Algo que Wyllys e Duvivier parecem
compreender tão bem no Brasil, não apenas lhe escapou na sua visita à
Palestina, ou lhes foi ocultado, como ganhou a sua defesa inconteste. Um amigo
palestino de Beit Sahour, ao saber o posicionamento de Wyllys durante a sua
visita, observou: "Se ele vem até aqui e todo o discurso dele pisa em ovos
porque nossos projetos políticos de resistência devem ter cuidado para não cair
no antissemitismo, se essa é a compreensão, então no subtexto está dito que
temos que ficar em silêncio diante de décadas de ocupação e opressão. Ou seja,
a nossa própria existência é antissemita".
Diferente
do que afirmam Gherman, Cohen e Green, não achamos que a militância de esquerda
sionista é falsa, achamos sim que é hipócrita. Ela pode ter sido relevante
quando se mobilizou nas ruas entre os anos 1980 e 1990 para apoiar um acordo de
paz que, não sabiam ainda, se seria manipulado para perpetuar a ocupação. Mas é
hipócrita ao se posar como ativista pró-palestina ao mesmo tempo em que rejeita
o direito de retorno dos refugiados que foram expulsos. Ao fazer assim estão
consentido, implicitamente, com a máxima de que a Força cria o Direito. Assim
como denunciou Norman G. Finkelstein, ao revelar que existem judeus que lucram
como falsas vítimas do Holocausto, os militantes da paz da esquerda sionista,
assim como a elite burocrática da Autoridade Palestina, governada pelo Fatah, e
os liberais americanos, lucram econômica e politicamente com a perpetuação do
falso processo de paz, que jamais levaria à criação de um Estado palestino
independente e soberano. Estes não defendem a ocupação de Gaza e Cisjordânia,
mas desconsideram os direitos de quem perdeu suas terras e vidas. Eles dizem
que lutam pela paz. Ok, qual paz? Defender as políticas do Estado israelense
significa estar do lado do colonialismo e do apartheid. Irônico relembrar que
liberais americanos brancos se diziam contra o racismo, mas se opunham a Martin
Luther King.+
[1] Os
dados fazem parte de uma nova pesquisa da ONG israelense DeColonizer, que
agregou em um só mapa as destruições de localidades palestinas, de 47 até 2016.
Artigo
publicado originalmente no
site http://www.revistaforum.com.br/arabizando/2017/02/23/a-lista-so-aumenta-duvivier-e-wyllys-ganham-a-companhia-dos-senadora-katia-abreu-e-dos-senadores-petistas-jorge-viana-e-humberto-costa-na-defesa-dos-crimes-de-israe
-
Em Pravda.ru
Sem comentários:
Enviar um comentário