Miguel
Guedes* - Jornal de Notícias, opinião
"Teodoro,
não vás ao sonoro" poderia ser bullying criativo sobre Teodora Cardoso,
não fosse masculino o género. As musculadas opiniões orçamentais da presidente
do Conselho de Finanças Públicas (CFP), em volume crescente desde que em 2012
foi nomeada para presidir a um órgão que mais não faz senão legitimar tecnicamente
as decisões políticas que entende como certas, trazem a luz que faltava para a
transparência das coisas. Agora, ninguém duvida da sua agenda. Ao caracterizar
como "milagre" a recuperação económica que permitiu alcançar a
redução do défice de 2016 para 2,1%, Teodora Cardoso não foi só infeliz. Foi
vítima da sua própria infelicidade. Deve ser muito difícil, insustentável até,
ver como falhadas todas as suas previsões de catástrofe e reconhecer os sinais
positivos que crescem na aridez do seu particular deserto económico. A sua
agenda pariu um défice.
Já
muito pouco haveria para dizer perante a "ideologia da racionalidade"
apregoada pela presidente do CFP em 2016. Como se ouvia na canção do Teodoro
sobre o cinema mudo, ele "diz-nos tudo mesmo assim". Mas quem tem por
bom hábito frequentar salas de cinema já terá reparado como o volume é cada vez
mais ensurdecedor. Uma febre de ruídos quando o argumento é mau e não cola. A
Direita não esconde o embaraço e refugia-se na infelicidade; a Esquerda
admira-se que o CFP ainda exista e que Teodora Cardoso não tenha sentido pela
permanência do salário a sua querida austeridade no bolso (aquela que, na
altura, não era milagre, mas antes remédio santo); Marcelo comenta - por outro
bom hábito - que os resultados não se devem a qualquer milagre, mas antes a um
"esforço muito grande" que "saiu do pelo e do trabalho dos
portugueses". Que saudades deve ter Teodora do tempo das quintas-feiras
com Cavaco.
O
sonoro tem destas coisas e custa a crer, para os velhos do Restelo. Salvador
Sobral ganhou o Festival com uma canção que me parece ter o que de melhor nos
deu uma canção vencedora nos últimos anos largos. Suavidade respirada com um
arranjo de cordas superior, travo antigo de décadas e da escrita de canções de
Luísa. Choveram elogios e críticas, costumeiro amor e ódio com o habitual
escárnio das redes. A felicidade é uma canseira. Não sei o que pensará Teodora
da canção ou da justeza do seu aprumo. Mas aposto que faz contas rápidas ao
ranking da Eurovisão como fez às vírgulas do seu eurodéfice. Até poderá voltar
a enganar-se nos números. Mas pergunto-me se, por hábito ou por milagre, olha
demoradamente para a cara de felicidade das pessoas.
*
Músico e advogado
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