Martinho Júnior, Luanda
1-
Angola, que de acordo com Margareth Anstee ficou "órfã da guerra
fria”, teve de se adaptar como pôde ao capitalismo neoliberal, cujas
portas internacionais foram escancaradas com a"glasnost" anunciada
em Bicesse a partir de 1990!...
O
quadro fotográfico dessa “glasnost” imposta a partir do exterior a
Angola, tirando partido do colapso dos aliados do Movimento de Libertação em
África à excepção de Cuba, (ela própria no entanto remetida ao período
especial), está exposto na galeria dos intervenientes em Bicesse como mais
tarde nos Açores!
Em
Bicesse fez-se pelas artérias neoliberais o que o Alvor não havia conseguido
antes em prol dos interesses capitalistas da hegemonia unipolar!
Nos
Açores um pré-aviso de guerra pairou como uma espada de Dâmocles, sobre a
cabeça dos incautos, com o anúncio do Iraque como a próxima vítima do choque
neoliberal logo a seguir!
Angola
foi o “prato servido a frio” em Bicesse e, tal como o anfitrião Portugal,
colocado também em flácida quarentena por via dos Açores!...
Por
isso Angola sofreu o choque (entre 1992 e 2002) e agora continua a sofrer a
terapia neoliberal, uma vez que Portugal, (entenda-se: os sucessivos governos
portugueses e os interesses coligados ou da própria burguesia portuguesa),
desempenhou um papel essencial nos "bons serviços" de tudo
o que foi feito "a cavalo" desde 25 de Novembro de 1975 até
os dias de hoje, Bicesse e Açores incluídos!...
Angola "por
osmose" passou a ser portanto o que a inteligência económica
portuguesa quis e pôde em múltiplos vectores de actividade e só não foi mais
por que houve alguns factores internos de resistência, pouco conhecidos e
marginalizados por uns ou por outros, que sobreviveram como“camelos” na
travessia de mais de 30 anos de deserto!...
Em
Portugal durante esse período e até muito recentemente, o PCP isoladamente, foi
o único a fazer a leitura identificada com ambos os povos.
2-
Quer em Angola, quer em Portugal muito poucos abordaram minimamente o que toca
às afectações neoliberais nos respectivos processos nacionais e regionais, que
se reflectiram com tónicas específicas no âmbito do atraente rótulo de “relacionamento
bilateral”:
-
Em Portugal por que a entrada na União Europeia, a manutenção da presença na
NATO, a relativa dependência aos Estados Unidos (visível por exemplo no que diz
respeito aos contenciosos dos Açores) e por fim o crescimento da dívida, foram
sempre factores inibidores de fundo; esses factores influenciaram duma forma ou
de outra no espectro sócio-político português e nos seus“bons ofícios” onde
quer que fosse desde o 25 de Novembro de 1975;
-
Em Angola por que, sem aliados socialistas e face aos riscos que se
apresentavam “no terreno” no seguimento do fim do “apartheid” (por
exemplo o neocolonialismo que prevalecia no então Zaíre sob a égide de Mobutu e
a estrita aliança do “sistema diamantífero” do corrupto Mobutu com
Savimbi tendo por detrás o “lobby” dos minerais com Maurice
Tempelsman à cabeça), o que se apresentava era uma autêntica “luta pela
sobrevivência” dos remanescentes do próprio Movimento de Libertação em
África, agravada pelos encargos de reconstrução nacional muito ampla que havia
(e continua a haver) que fazer!
A
projecção dos relacionamentos “bilaterais” acabou por ser feita, mais
ou menos veladamente, acima dos poderes em Portugal e em Angola, sobretudo pela
aristocracia financeira mundial, tornando determinantes as ementas que estão a
ser rotuladas de “bilaterais”!
Essas
ementas de feição do domínio acima dos poderes de Portugal e de Angola,
escondem deliberadamente os impactos em termos de ingerência e de manipulação,
em função dos termos do capitalismo neoliberal com que está a ser construída a
globalização conforme ao capricho egoísta dos 1%, eliminando ou neutralizando
toda a possível concorrência num quadro exclusivista de hegemonia unipolar, que
condiciona e afecta até as capacidades dos serviços de inteligência em Portugal
como em Angola, reflectindo-se por outro lado nas sucessivas “crises
bancárias”, na influência por via dum “soft power” tornado
omnipresente, na persistência da acção dos serviços de inteligência e nos
ambientes humanos adjacentes em curso.
Poder
e instrumentos de poder em ambos os países, estão subordinados à hegemonia
unipolar nos termos do “relacionamento bilateral”, um factor de análise
extremamente sensível que os “analistas”, por causa também desses
interesses dominantes, há muito deixaram de abordar, ficando-se pelo tronco,
pelos ramos e pelas folhas da árvore, cujas raízes estão a ser tornadas
invisíveis… até ao dia em que as ropturas nos e com os bancos deixam pelo menos
uma parte delas expostas!
3-
Os “relacionamentos bilaterais” condicionados pela hegemonia unipolar
instrumentalizando o contexto por via dos mais diversos canais reitores
(sobretudo a União Europeia, a NATO, a Alemanha e os Estados Unidos), tiveram
no Acordo de Bicesse, assinado em Maio de 1991, conforme tenho vindo a
considerar, a “porta externa” da pressão que provocou a “glasnost
angolana”!
“Providencialmente” a
Rússia de então estava, com a regência de Gorbatchev e Boris Ieltsin, atingida
em cheio também plena crise de capitalismo neoliberal emanado pela hegemonia
unipolar, explorando a vitória sobre o socialismo e a implosão!
Portugal
foi a plataforma lançada pela hegemonia unipolar no sentido de suprir as
necessidades de Angola “órfã da guerra fria” em termos de políticas
de reconstrução, reconciliação e desenvolvimento (“soft power” instrumentalizado),
até por que sua economia fragilizada se propiciava a um alargado “jogo de
cintura” em direcção a África, um “jogo de cintura” capaz até de
ser feito numa maior ou menor sintonia com a própria China, muito para além das
conexões possíveis por via das redes confluentes de Macau e um pouco de Hong
Kong!
“Agarrada” por
via do Euro à União Europeia, com uma dívida que não será paga, essa plataforma
servil está mais que garantida na sua longevidade, pois está quase ao nível da “órfã” Angola,
cujas potencialidades ficavam “à mercê”, prontas a explorar.
A
hegemonia unipolar podia assim “dar a volta” a Angola por
Portugal, ou até pela China (com ou sem o concurso de Macau ou Hong Kong),
neste caso apesar das intenções multipolares expressas pelo quadro dos BRICS!
Esse
expediente só podia ser levado avante com o MPLA e por isso, os instrumentos
neocoloniais gerados pela hegemonia unipolar no tempo da “guerra fria”,
que continuavam “no terreno” em África, ou se iriam “adaptar”…
ou sofreriam as contingências, conforme se verificou!
Tudo
isso se passou num contexto e numa conjuntura de capitalismo neoliberal
emergente após a implosão do socialismo no continente euroasiático, desde o
início da década de 90 do século passado, em Portugal quanto em Angola, pelo
que é a partir daí e levando muito a sério o carácter do domínio no âmbito da
hegemonia unipolar, que os analistas honestos devem começar a equacionar os relacionamentos
bilaterais que se querem saudáveis entre Portugal e Angola, sujeitando a
particular crítica desses relacionamentos entre os anos de 1990 e 2017!
A
gestão do camarada José Eduardo dos Santos num ambiente tão adverso (evitando
empregar a palavra hostil), ao longo de mais de 30 anos, tem a seu favor a arte
de governar em conjunturas tão difíceis e a necessidade de se atravessar um
longo período que apanhava Angola post Guerra Fria numa posição muito
fragilizada a nível interno, regional, continental e internacional, pelo que as
sucessivas iniciativas em direcção à paz foram incontornáveis, tal como as
políticas de reconstrução, reconciliação e reinserção social, ainda que com o
risco das filtragens “soft power” nas quais se inscreve o relacionamento
com Portugal.
Ao
contrário do que está a acontecer correntemente em 2017 com o contexto e a
conjuntura internacional que além do mais começa a ser outra (o ambiente
multipolar, apesar de tudo, está a ter mais potencialidades e capacidades nos
tabuleiros da globalização) a “assimilação neocolonial sem precedentes” sustentada
entre 1990 e 2017 já não tem mais razão de ser, pelo menos com os impactos que
têm tido até ao início deste ano!
É
nesse sentido que Angola deve rever os contenciosos com Portugal, com
particular incidência no que diz respeito à Educação!
Roteiro
fotográfico do quadro de subserviência portuguesa no âmbito do capitalismo
neoliberal: Bicesse (Maio de 1991) e Açores (16 de Março de 2003).
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