Martinho Júnior, Luanda
1-
Para vencer o “diktat” que como um anátema histórico pesa sobre
África desde a Conferência de Berlim, os africanos têm muitos sonhos de
integração para realizar, diluindo neles os pesadelos que têm sido semeados por
aqueles que tem o sentido retrógrado da história e todos os sentidos postos na
água interior do continente e nas mais ricas matérias-primas que se podem
encontrar a preços de sua inteira imposição e conveniência no planeta.
Sobre
esse anátema histórico têm sido disseminados conflitos étnicos e religiosos de
variada intensidade e assimetria, um pouco por todas as fronteiras do
continente e de forma praticamente contínua, conflitos que duma forma ou de
outra se aninham aos processos e expedientes neocoloniais e aos interesses da
hegemonia unipolar, obcecada no seu tradicional elitismo e exclusivismo
retrógrado.
Esse
é um dos apontamentos que são levados muito em conta pelos componentes da NATO
no continente, no colectivo ou individualmente, como do Pentágono, via seu
tentáculo AFRICOM, neste caso desde a sua formação e de acordo com um dos
argumentos apresentados pela então Sub Secretária Adjunta para Assuntos
Africanos do Departamento da Defesa dos Estados Unidos, Theresa Welan numa das
suas conferências em Lisboa e na entrevista de Julho de 2006 ao “Africa
Today”…
A
evolução da fronteira comum de Angola com a RDC tem muito a ver com isso:
quando se avolumam os factores de instabilidade na profundidade de África, ou
dentro dos dois países estimulados a partir de fora com todos os sentidos
postos no domínio sobre a água interior e as cobiçadas matérias-primas, essa
fronteira ressente-se quase que automaticamente e é por isso que subsistem
agrupamentos como os da FLEC-FAC, ou o Protectorado Lunda Tchokwe, para citar
dois exemplos para dentro dentro de Angola.
Angola,
chegada ao momento da paz e da síntese após as longas lutas contra o
colonialismo, o“apartheid” e as respectivas sequelas, algumas delas
aproveitadas pelo âmbito do choque capitalista neoliberal integrado nos
esforços de domínio da hegemonia unipolar, tem contudo pujantes sonhos de
integração no espaço SADC, tal como a República Democrática do Congo, que é
urgente realizar.
Angola
e a RDC partilham alguns desses sonhos que não são naturalmente da simpatia dos
expedientes do capitalismo neoliberal, no âmbito da hegemonia unipolar.
2-
Enquanto os restos do grupo etno-nacionalista FLEC-FAC sobrevive num sufoco com
falta de oxigénio, em regime de artificiosa respiração “boca a boca”,
angolanos e congoleses aumentam as trocas comerciais na fronteira comum entre
as Províncias do Zaíre, Uíge e Cabinda (por parte de Angola) e o Bas Congo,
(por parte da República Democrática do Congo), num ritmo que se auto acelerou
em tempo de crise.
Plataformas
no litoral ou próximo da foz do grande Congo, como o Soio, Nóqui, Luvo, Maquela
do Zombo, Boma e Matadi estão a atrair conexões comerciais que começaram a
consolidar os relacionamentos entre as capitais, Luanda e Kinshasa, ao mesmo
tempo que se torna possível aumentar a pressão sobre as vias ilegais não só do
comércio comum, como também da devassa da migração humana, em particular a
proveniente do Sahel.
Igualmente
em Itanda (fronteira entre a Província angolana da Lunda Norte e o Kasai), o
comércio se incrementou, pois a emergência angolana começa a fazer-se sentir na
direcção das ricas regiões dos diamantes aluviais no interior de África.
Na
fronteira do Uíge e Malange com o Kasai, fenómenos análogos têm-se propiciado
recentemente, entre Quimbele e Cuango, do lado angolano e Tembo Aluma e Kasongo
Lunda do lado congolês (Kasai Ocidental).
Uma
avaliação contínua das plataformas de comércio comum ao longo duma fronteira
enorme, bem como do contínuo balanço sobre as capacidades instaladas em Cabinda
e os contactos regionais que propiciam, estão em curso, constituindo um
elemento de análise que poderá concorrer entre outros projectos de futuro para
o sonho da construção duma ponte entre o Soio e Cabinda, que se inscreve num
pacote de grandes impactos no Golfo da Guiné, África Central e Austral, que
incluem, outro exemplo, o maior aproveitamento possível da colossal barragem de
Inga.
É
precisamente quando os sonhos comuns de integração se começam a assentar nas
vias de concretização que particularmente na RDC se estão a dar corpo a
fenómenos de desestabilização com indícios de estarem a ser estimulados a
partir do exterior do continente, não fora o Congo uma das principais matrizes
da água interior de África e não fora a RDC a principal placa giratória na
cronicamente instável dos Grandes Lagos e da África Central.
Essa
desestabilização acelerou-se dentro da RDC quando o país vive uma prolongada
época pré-eleitoral e quando Angola está também num período similar,
decididamente mais curto.
3-
Do lado da RDC, a desestabilização “eleitoral” tem sido inicialmente
gerada a partir dos apoiantes do recentemente falecido Étienne Tshissekedi, um
político da velha escola neocolonial com forte implantação na RDC, mas está-se
paulatina mas “seguramente” a estender por via de fenómenos de
natureza étnica, a outras regiões do país, entre elas as ricas regiões do Kasai
e do Katanga, chegando à fronteira de Angola (desde já à de Malange e à de
Lunda Norte).
O
acordo do até agora Presidente Joseph Kabila está aparentemente num destroço
depois do falecimento de Étienne Tshissekedi, no Kasai irrompeu um movimento
étnico sob a liderança dum cacique local, Kamwina Nsapu e do Katanga surge um
opositor, Moise Katumbi, antigo governador do Katanga e ex-aliado de Kabila,
actualmente no exílio, candidato a presidente e apoiado por países como os
Estados Unidos e a Bélgica, relembrando provavelmente os tempos áureos de Moise
Tshombé!
Do
lado de Angola, o MPLA “puxou o tapete” às possibilidades de
desestabilização “eleitoral”comum e interna, pois os termos da sua
candidatura apanharam de surpresa os agrupamentos marginais como a FLEC FAC e o
Protectorado Lunda Tchokwe, assim como toda a oposição que vinha lançando uma
campanha com apoio ocidental contra o Presidente José Eduardo dos Santos,
alegadamente pelos seus muitos anos no poder!
A
pretensa arteriosclerosa política do MPLA, foi mais rápida a decidir e a
implementar a sua geoestratégia, do que os centros de inteligência das
potências da NATO, tal como da CIA e do Pentágono.
Para
todos esses angolanos da oposição e periféricos do costume, a motivação
principal dos seus esforços comuns foi arrombada pela surpresa do MPLA, que
desencadeou uma campanha de mobilização que se vai prolongar até aos actos
eleitorais, podendo ser continuada depois, nos termos adequados às situações
que então se vierem a deparar.
O
mercado de Itanda foi entretanto provisoriamente encerrado pelas autoridades
angolanas na Lunda Norte, na sequência dos distúrbios que as milícias de Kamwina
Nsapu estão a protagonizar no Kasai, desestabilizando a região diamantífera da
RDC contígua à fronteira angolana.
A
FLEC-FAC, o Protectorado Lunda Tchokwe e as alas da oposição com carácter
etno-nacionalista, ou seu corrente remanescente, estão em Angola comedidos na
sua usura, que havia sido antecipadamente preparada para a impulsão a partir
dos muitos nutrientes que os sustentam em tentáculos que em direcção a eles se
estendem de forma aberta (propaganda e contrapropaganda), ou velada (pelos
canais dos serviços de inteligência) do exterior, nomeadamente dos Estados
Unidos e da União Europeia.
O
factor surpresa tem sido de tal ordem que estão com sérias dificuldades, os que
vão integrar o pleito eleitoral angolano, em se organizar para se contrapor ao
poder de organização e mobilização do MPLA, que entretanto além das realizações
que já foram conseguidas, junta de forma clarividente mais sonhos aos sonhos e
aspirações dos africanos que estão ávidos de realizar os imensos resgates que
estão em aberto, no âmbito do renascimento que tarda em África...
Os
momentos de síntese que Angola alcançou de forma tão dolorosa desde 2002, que
se vão assinalar de forma mais expressiva a 4 de Abril próximo, continuam a não
estar isentos das contradições estimuladas a partir de fora, mas os êxitos do
MPLA serão ainda contagiantes em direcção à República Democrática do Congo e
também aí os que fogem a emparceirar no âmbito da emergência e multipolaridade
têm cada vez mais a perder!
Ilustrações:
Maquete da ponte entre o Soio e Cabinda; Theresa Welan em Lisboa (“África
Today”); barragem Inga; bacia hidrográfica do grande Congo.
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