Manuel
Carvalho da Silva* | Jornal de Notícias | opinião
Os
portugueses já ouviram a afirmação mil vezes, em discursos políticos e também
em declarações de empresários: Portugal não pode seguir um modelo de
crescimento - e eu acrescento, e de desenvolvimento - assente em baixos
salários e emprego precário. Será esta a realidade no mundo do trabalho? Que
precauções e medidas de política devem ser implementadas para que a bota dê com
a perdigota?
Num
contexto de incremento da atividade económica e de significativo crescimento do
emprego - que é possível manter e acelerar - é crucial saber se o tipo de
emprego que está a ser criado nos afasta ou aproxima de um horizonte de
desenvolvimento. Para tal, é necessário dispor de informação segura sobre o
emprego que está a ser criado. Foi o que fez o Centro de Estudos Sociais (CES)
da Universidade de Coimbra, através do Observatório sobre Crises e
Alternativas, publicando há dois dias um estudo (o JN fez-lhe destacada
referência), intitulado "Novo emprego. Que emprego?"1 , que analisa
exatamente o "novo emprego". Sem secundarizar qualquer fonte
estatística disponível, o autor do estudo utilizou, pela primeira vez, uma base
de dados "produzida a partir dos descontos feitos para o Fundo de
Compensação do Trabalho e o Fundo de Garantia de Compensação do Trabalho",
criados em outubro de 2013, conseguindo com ela caracterizar muito melhor a
natureza dos vínculos contratuais e as tendências de persistência ou
volatilidade com que cada tipo de contrato se apresenta, bem como identificar
as remunerações aplicadas.
As
três constatações fundamentais a que chega a partir das características dos 3
343 255 contratos celebrados entre novembro de 2013 e maio de 2017, são
preocupantes: i) existe uma "tendência para a redução do peso dos
contratos permanentes na estrutura do emprego"; ii) observa-se "uma
miríade de tipos de contratos não permanentes, de baixa duração, muitos deles
temporários e/ou de horários parciais, em permanente rotação para o mesmo posto
de trabalho ou até para o mesmo trabalhador"; iii) constata-se uma tendência
de degradação da remuneração do trabalho", que só não foi mais acentuada
porque o aproximar das eleições legislativas de 2015 e os compromissos do atual
Governo propiciaram três aumentos do salário mínimo nacional (SMN).
Os
dados disponíveis confirmam os serviços como o setor que mais postos de
trabalho cria, refletindo também o novo dinamismo do turismo e do imobiliário
na economia portuguesa. Sem querer matar a "galinha dos ovos de
ouro", há que tomar cautelas quanto à qualidade do emprego, tanto mais
que, tradicionalmente, os ganhos potenciais de produtividade nestes setores são
baixos.
É
urgente uma melhoria dos salários e das relações de trabalho nos setores em que
mais emprego está a ser criado, a par da requalificação e da utilização
qualitativa dos recursos neles gerados para a implementação de uma política que
promova a diversificação do tecido produtivo nacional, onde a indústria não
seja o parente pobre. Caso contrário, arriscamo-nos a um crescimento
desequilibrado, vulnerável a bolhas, com fracas perspetivas de valorização do
trabalho no médio e longo prazo e, por esta via, jamais faremos convergência
com as economias mais desenvolvidas. As características dos novos e de muitos
dos velhos contratos mostram-nos à exaustão a importância de uma atualização
regular e justa do SMN, mas ainda quanto são imprescindíveis o incremento e a
efetivação da contratação coletiva.
Uma
sociedade não se desenvolve assente em políticas de baixos salários. Por outro
lado, a precariedade não combina com a democracia. A precariedade cerceia
direitos fundamentais no trabalho, nega condições materiais e outras
indispensáveis ao acesso a direitos sociais, políticos e culturais. A
precariedade gera medos e tem intrínseca uma dimensão social e humana que marca
negativamente o rumo das sociedades. A precariedade é geradora de guetos
sociais passíveis de engajamentos para perigosos projetos políticos.
Há
que colocar na agenda política o combate por melhor qualidade de emprego, pela
valorização salarial e contra a precariedade.
1
Barómetro das Crises n.º 16, disponível em:
www.ces.uc.pt/observatorios/crisalta
*
Investigador e professor universitário
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