Manuel
Carvalho da Silva* | Jornal de Notícias | opinião
A
Altice construiu um enorme império internacional, de França aos EUA, num muito
curto espaço de tempo, através de uma estratégia de aquisições que se serve de
mecanismos perversos da financeirização da economia e tem o endividamento como
instrumento fundamental. A Altice beneficiou do ambiente de baixas taxas de
juro dos últimos anos para a maior expansão da sua breve história. Utilizando
sociedades veículo endivida-se junto da banca internacional e de fundos de
investimento para financiar as suas aquisições.
Os
lucros das empresas adquiridas são usados para pagar a dívida acumulada pela
casa-mãe. Como a dívida é enorme, cada nova empresa adquirida - caso da PT - é
de imediato espremida até ao tutano. Para atingir esse objetivo vai criando
empresas intermediárias (empresas biombo) que através de sistemas de empreitada
vão executar as tarefas que estavam cometidas à PT e às suas estruturas. Neste
processo, fazem transferência de serviços, e dos trabalhadores que necessitam,
eliminando-lhes os vínculos que tinham à PT e associando agora o seu emprego ao
futuro dessas empresas que a qualquer momento podem colapsar.
As
telecomunicações - setor estratégico a que qualquer Estado tem de dar muita
atenção - são particularmente atraentes para este tipo de negócio. O avanço
tecnológico e o desenvolvimento das sociedades tornaram este setor prestador de
serviços essenciais: é assim um setor de atividade que não pode falir. Por
outro lado, a efetividade das comunicações gera fluxos de caixa razoavelmente
constantes ao longo do tempo (fruto das nossas contas de cabo, Internet e
telefone) e tem uma estrutura de mercado normalmente com muito poucos
concorrentes.
Todavia,
com uma dívida que ronda os 50 mil milhões de euros, a Altice é uma empresa
vulnerável a mudanças nos mercados financeiros. Em 2014, perdeu 40% do seu
valor bolsista em três meses. A estratégia para reduzir riscos passa, então,
não por investimentos de longo prazo que garantam a viabilidade futura da
empresa num setor onde a inovação tecnológica impera, mas sim pelos ganhos de
curto prazo, fruto de processos agressivos, nomeadamente: i) despedindo o mais
possível, cortando salários a todo o custo, criando instabilidades nos
trabalhadores através de velhos e novos processos de assédio moral, forçando
transições para outros estabelecimentos transformados em empresas predatórias,
impondo práticas que forcem ou subvertam os limites legais, situação escandalosa
a que estamos a assistir; ii) através de aquisições de empresas de conteúdos,
como é o caso da Media Capital, procuram potenciar sinergias. Diga-se,
entretanto, que esta via não é nova, pois já foi tentada em Portugal, com
fracos resultados, pela própria PT, aquando da compra do conglomerado da
Lusomundo.
A
Altice está a acabar com os símbolos da inovação da PT, como o Sapo, a fazer
fuga de capital para pagar a dívida da casa-mãe, através de esquemas como o
inacreditável caso da taxa de 50 a 70 milhões de euros que a PT terá de pagar à
casa-mãe para usar o nome Altice. O que está em marcha é um cenário de pesadelo
não só para os trabalhadores da PT, mas para o país. O poder político tem o
dever de chamar a atenção para o que se está aqui a passar e deve intervir. Tem
ainda de assumir que não basta ter parado as privatizações; é preciso um olhar
atento e crítico às práticas de empresas com posições semelhantes na economia
nacional.
São
inqualificáveis os comentários da Direita: preocupa-se com a possível
"perda de valor" que possa estar a acontecer (qual valor e qual o seu
destino?) e mantém um criminoso distanciamento da situação dramática dos
trabalhadores. Há setores da Direita que odeiam os direitos no trabalho.
A
Altice, especialista na subversão de compromissos, designadamente através da
contratação de grandes escritórios de advogados treinados em tornar legais
práticas predatórias, está não só a destruir muito emprego no presente, como a
trabalhar para o abaixamento futuro da sua qualidade em todo o país e para a
liberalização absoluta das relações de trabalho. Se queremos um país
desenvolvido e uma economia competitiva, que não dispensa inovação tecnológica
e trabalho qualificado, trabalhe-se, urgentemente, a reversão do processo.
*Investigador
e professor universitário
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