Punição
da União Europeia e estudo independente reconhecem: os dois gigantes querem
cercar a internet e eliminar sua diversidade. Mas como frear seu poder?
Rafael
A. F. Zanatta | Outras Palavras
Essa
semana, Google e Facebook – dois dos maiores gigantes do capitalismo de
vigilância contemporâneo – sofreram duros golpes em suas reputações
corporativas, abrindo um debate mundial sobre a ética de suas ações e as
vulnerabilidades de nossa dependência a esses monopólios da era digital.
Na
terça-feira (27/06), a Comissão Europeia
impôs uma multa de quase 9 bilhões de reais ao Google por “abuso de
posição dominante como motor de busca” e “por dar vantagem ilegal a seu próprio
serviço de compras comparativas”. Trata-se da maior punição antitruste a uma
única empresa já realizada na Europa.
As
investigações foram conduzidas por Margrethe Vestager, comissária
da União Europeia para defesa da concorrência (e forte liderança do Partido
Social-Liberal da Dinamarca). Ela revelou que oGoogle situava
sistematicamente em lugar destacado seus próprios serviços de compras
comparativas, “colocando em lugar pior os serviços de comparação rivais nos
resultados de busca”. Para a comissária, o Google “ocupa uma posição
dominante nos mercados de busca de internet no Espaço Econômico Europeu”
e, com suas práticas de manipulação, “abusou da posição dominante dando a seus
próprios serviços uma vantagem ilegal”.
Em
um processo
de investigação sigiloso, realizado desde 2014, Vestager reuniu um amplo conjunto
de provas, incluindo 5,2 terabytes de resultados de busca (1.700 milhões de
consultas), experimentos e estudos que demonstravam a visibilidade e o
comportamento de consumidores em número de cliques, dados financeiros da Google
e seus competidores e o declínio de acessos em websites europeus.
Para analistas
do Financial
Times, a decisão é um divisor de águas na regulação antitruste aplicada à
“nova geração de empresas de tecnologia dominantes dos Estados Unidos”. Um
terço da receita do Google com publicidade em buscas na Europa vem dos anúncios
de compras que foram analisadas pela União Europeia. A decisão, enfim, “abre o
coração do mecanismo de busca do Google” e possibilita o debate sobre como
outros poderão utilizar seu mecanismo para conseguir uma melhor exposição.
Para
quem se recorda do chamado
de Richard Sennett de 2013 para “quebrar o poder de mercado do
Google”, a decisão reabre um debate sobre monopólios na era digital. “A dominação
é real e deve ser combatida”, dizia Sennett, por mais que essas empresas nos
pareçam boazinhas.
Na
quarta-feira (28/06), o
centro independente de investigação ProPublica divulgou
documentos internos do Facebook sobre o modo como seus 2 bilhões de
usuários têm seus discursos avaliados, passando por filtros de censura sobre o
que poderia configurar “discurso de ódio”.
De acordo
com a denúncia do ProPublica,
os algoritmos – fórmulas matemáticas que executam ações e comandos – do
Facebook geram resultados socialmente questionáveis, assegurando os direitos de
grupos com posições sociais asseguradas (como homens brancos) e
desprotegendo grupos minoritários (crianças negras, por exemplo).
Documentos internos vazados da empresa mostram que revisores de conteúdo eram
orientados a trabalhar com uma fórmula simples (protected category + attack =
hate speech). “Sexo” e “identidade de gênero”, por exemplo, são consideradas
categorias protegidas, ao passo que “idade” e “ocupação” não. Como a fórmula
exige uma dupla combinação de categorias protegidas (PC + PC = PC), discursos
voltados a mulheres motoristas não são considerados de ódio, pois há uma
categoria não protegida, que é ocupação (PC + NPC = NPC).
O
simplismo de fórmula matemática do Facebook e a tentativa de “proteger todas as
raças e gêneros de forma igual” despertou a crítica de acadêmicos. Denielle
Citron, da Universidade de Maryland, argumentou que as regras do Facebook
ignoram o espírito do direito e a análise contextual da proteção. O Facebook saiu
em defesa própria, alegando que as políticas não possuem resultados perfeitos e
que é “difícil regular uma comunidade global”.
Em
ensaio para revista Wired, Emily Dreyfuss analisou a denúncia da
ProPublica e argumentou que o problema é maior é que o
Facebook é “muito grande para ser deletado”. Ao conectar um quatro da
humanidade, as pessoas que precisam de uma plataforma para expressão não são
capazes de sair – mesmo se forem alvos de censuras arbitrárias ou desproteções,
como o caso dos algoritmos de “discurso de ódio”.
Isso
leva a uma situação paradoxal. Ativistas em defesa da privacidade e lideranças
do movimento negro – que atacam práticas realizadas pelo Facebook, como
coleta maciça de dados e tratamento tecnológico desigual para brancos
e negros – dependem do Facebook para compartilhar informação, pois as perdas
são muito grandes ao deletar sua conta e isolar-se da rede de Zuckerberg. “São
poucos os que podem se dar ao luxo de abandonar o Facebook e utilizar outras
redes”, afirma Dreyfuss.
Renata
Mielli, ativista integrante da Coalizão
Direitos na Rede, em
ensaio para o Mídia Ninja nesta quinta-feira (29/06), foi perspicaz no
diagnóstico: “O Facebook está sugando a internet para dentro de sua timeline”.
Ele é o “maior monopólio privado de comunicação do mundo”, colocando em cheque
as bases de nossa democracia.
Retomamos,
assim, à grande provocação de Richard Sennett: se sabemos que esses gigantes
devem ser quebrados e se estamos cientes dos aspectos prejudiciais desses
monopólios sociais, o que podemos fazer?
A The
Economist, em
matéria de capa no mês de maio1, surpreendeu os progressistas ao
oferecer uma crítica ao poder do Google e Facebook. A revista inglesa
argumentou que é necessário “repensar radicalmente” os instrumentos antitrustes
para os gigantes de coleta de dados (Google e Facebook), pois os reguladores
ainda estão presos a conceitos de era industrial, ao passo que os instrumentos
de análise devem ser voltados a empresas de tecnologia focadas em dados.
A Economist também
propôs duas ideias embrionárias: aumentar a transparência sobre como os dados
pessoais são coletados e monetizados (aumentando poder de barganha dos
“fornecedores” – ou seja, nós mesmos) e redefinir conceitos jurídicos aplicáveis
a essa nova indústria, tratando os data vaults (bancos de dados
modelados para fornecer armazenamento histórico de longo prazo) como
“infraestrutura pública”, forçando o compartilhamento de dados para estimular a
competição.
Seriam
ideias viáveis? Talvez. O mais importante, nesse momento, é mobilizarmos essas
perguntas e forçarmos uma discussão sobre alternativas políticas e
institucionais.
*
Rafael A. F. Zanatta é pesquisador em direito e sociedades digitais. É mestre
em direito e economia política pela International University College of Turin e
mestre em sociologia jurídica pela Universidade de São Paulo, onde foi
coordenador do "Núcleo de Direito, Internet e Sociedade"
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