Ana
Alexandra Gonçalves*
Já
estamos habituados à guerra dos números: taxa de desemprego, crescimento
económico, défice, etc. Indicadores económicos que enchem páginas de jornais e
tempo de antena. Menos habituados estaremos aos números da morte, e espero que
a esses nunca nos habituemos.
Refiro-me,
claro está, à mais recente celeuma em torno dos números de vítimas mortais dos
incêndios do passado mês de Junho. São esses números, oficiais ou nem tanto, a
ocuparem todo o espaço mediático.
O
poder local, designadamente os três Presidentes de Câmara das regiões afectadas
pelos incêndios, afirmaram desconhecer outros números para além dos oficiais; o
Governo nada diz sobre o assunto porque o mesmo está sob segredo de justiça; e
a oposição, sobretudo um PSD em plena transformação num partido populista,
depois do estrondoso falhanço neoliberal, saliva perante toda e qualquer
suspeita de incongruência que possa ser imputada ao actual Executivo. Nessa
precisa medida, o seu líder parlamentar, Hugo Soares, faz um ultimato ao
Governo de Costa: têm 24 horas para divulgar a lista com os números exactos,
ou... ou... ou... não se sabe. Soares não disse quais serão as consequências se
o Governo não cumprir o solicitado no prazo de 24 horas. Aliás, quando as
mesmas chegarem ao seu término, aposto que o mundo continuará a girar.
Sabemos
que esta é uma altura má para alguns jornalistas e para a oposição: os números
da economia continuam a ser particularmente positivos, as férias obrigam a um
certo desprendimento e o campeonato nacional de futebol ainda não começou.
Enchem-se chouriços com conjecturas e até teorias da conspiração entrevistando
quem, desprovido de factos ou base empírica, afiança conhecer mais vítimas para
além das oficiais, numa espécie de concurso mórbido do "Quem quer ter um
minutinho de fama que avance com mais uma vítima mortal". Porém, a
insistência num único assunto, abordado com base em suposições, de tal forma
exacerbado que ultrapassa os limites da decência, revela-se contraproducente.
Senhores jornalistas e apaniguados de Passos Coelho fiquem cientes do seguinte:
as pessoas estão cansadas da exploração de um tema que já contém em si uma
tristeza que a todos nos atinge e continuará a atingir por muito tempo. As
pessoas sabem que essa exploração desmedida tem como finalidade atingir o
Governo que continua a ser um osso difícil de roer para a oposição, mas também
para um certo jornalismo outrora considerado sério e credível.
Entretanto
o CDS ameaçou com uma moção de censura. Entretanto, a Procuradoria-Geral da
República divulgou a lista oficial, o que poderá colocar um ponto final na
polémica, mas não apagará o aproveitamento indecente levado a cabo pelos
partidos de direita.
-- Este
texto, exceptuando as últimas duas linhas, foi dedicado e enviado ao Director
do Expresso.
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Ana Alexandra Gonçalves | Triunfo da Razão
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