Ana
Alexandra Gonçalves *
Não,
não devemos deixar cair no esquecimento as palavras de André Ventura; não, não
podemos escolher o silêncio; e não, as palavras do candidato do PSD à Câmara de
Loures não podem entrar num qualquer contexto de normalidade, desde logo porque
se trata de um cidadão que se propõe representar os cidadãos e, por inerência,
o Estado (nível local); nem tão-pouco é admissível que o PSD insista em apoiar
o candidato, perfilhando, naturalmente, o racismo institucional a que o
candidato se propõe.
No
entanto, e apesar da mais veemente crítica às palavras do candidato à Câmara
assim como ao próprio PSD, considero profícuo perceber as razões que subjazem a
esta estratégia, por muitos considerada populista.
Deste
modo, torna-se imperativo reconhecer que onde existem falhanços, designadamente
do Estado, surgem as condições para que o racismo possa proliferar. Esses
falhanços não podem continuar a ser ignorados, sob pena de se agravar a
animosidade que rapidamente se transforma num racismo empírico; é
contraproducente nada fazer contra a permissividade na aplicação da lei, com
uma certa benevolência, criando óbices à igualdade que se pretende; assim como
é imperativo que mais seja feito para combater a pobreza e as desigualdades –
contexto em que proliferam as divisões sobretudo entre quem mais tem
dificuldades económicas; divisões amiúde baseadas na raça e num sentimento de
injustiça.
Ora
estas situações alimentam o referido racismo empírico (de quem assiste à
impunidade aos olhos da lei e de quem considera que a sua situação não melhora
devido a subsídios como o RSI, sentindo uma nova injustiça) e são a base da via
populista que André Ventura claramente adoptou, assim como o PSD. De resto,
olhamos para o particular e para quem mais se aproxima de nós e temos mais
facilidade em rejeitar, do que olhar para um contexto mais genérico e talvez
mais complexo. Tratam-se de percepções erradas, assentes em generalizações
abusivas, mas que existem e que constituem verdadeiros rastilhos de pólvora.
O
Estado deve empenhar-se no sentido de enfraquecer a ideia que rapidamente se
espalha e que postula que existem minorias que têm carta branca para fazerem
aquilo que entenderem, à revelia da lei, num contexto de absoluta impunidade;
ou a ideia de que se trata de um conjunto de privilegiados.
Enterrar
a cabeça na areia ou gritar “racismo” não resolve o que quer que seja, ao invés
cria as condições ideais para que o racismo institucional possa mesmo vir a ser
uma realidade. Hoje consideramos que esse populismo assente na discriminação
não vinga a nível nacional, mas começamos a ter dúvidas se não vingará, a nível
local, em contextos onde a dita animosidade é indisfarçável.
Seja
como for, Passos Coelho como bom aproveitador e imerso num mar de desespero
sabe bem o potencial desta forma de populismo e, como se vê, está disposto a
perfilhá-lo, entrando em contradição com a natureza do partido que preside,
indo contra a própria Constituição da República, coisa, aliás, a que já estará
habituado.
Em
jeito de conclusão, dizer apenas que o tal candidato à Câmara de Loures, André
Ventura, não é propriamente estreante nestas andanças. Há um ano atrás defendeu
publicamente “uma redução drástica da presença islâmica na União Europeia”. Um
sinal claro e mais um exemplo de que a discriminação não se fica apenas por um
grupo minoritário. Primeiro foram os muçulmanos (pelo menos que se saiba),
depois foram os ciganos, e depois? Quem?
* Ana
Alexandra Gonçalves | Triunfo da Razão
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