quinta-feira, 6 de julho de 2017

RESPONSABILIDADE, POLÍTICA



Pedro Carlos Bacelar de Vasconcelos * | Jornal de Notícias | opinião

Confrontado com o assalto ao paiol de Tancos, o ministro da Defesa declarou que assumia a respetiva responsabilidade política. Disse tudo quanto havia a dizer sobre o roubo das armas. Perante um crime de extrema gravidade praticado no interior de instalações militares e à sua guarda, o ministro reagiu com a prudência que lhe é exigida, com a mesma serenidade e determinação que já tinha demonstrado perante os acidentes mortais ocorridos no curso de comandos, em 2016 - uma fatalidade paradoxal que apesar de recorrente, sempre ficou impune no passado. Também a ministra da Administração Interna, perante a catástrofe do incêndio de Pedrógão e das 64 vítimas mortais que nele padeceram, respondeu sem hesitar: "Não me demito." Reconheceu que essa seria, certamente, a solução mais fácil! Mas o dever de um governante é proceder ao apuramento dos factos, determinar as falhas, identificar as causas, deslindar a complexidade do problema para encontrar as soluções adequadas. Um pedido de demissão, neste contexto, só poderia ser interpretado como inaceitável cedência à demagogia irresponsável de alguns líderes da Oposição e à lógica sensacional e imediatista da Comunicação Social. Teria sido mais fácil, admitiu a ministra, mas estaria a iludir as suas próprias responsabilidades políticas.

A responsabilidade é a contrapartida da confiança. Quem recebe um mandato para cumprir uma determinada missão, presta contas do que faz a quem nele delega esse poder. Os soberanos absolutos do "antigo regime" desconheciam a "responsabilidade política". A sua legitimidade dinástica e de origem divina apenas os tornava responsáveis perante os imortais. Tudo mudou, porém, a partir do século XVIII. A consagração constitucional, por via revolucionária, do princípio da soberania popular alterou radicalmente esse estado de coisas e os governantes das democracias modernas estão constitucionalmente vinculados ao dever de prestação de contas ao povo soberano. No essencial, a responsabilidade política consuma-se através do sufrágio eleitoral e nas relações entre os órgãos de soberania. O Governo é politicamente responsável perante a Assembleia da República que o pode derrubar, retirando-lhe a sua confiança. O primeiro-ministro responde perante o presidente e os ministros perante o primeiro-ministro. Em circunstâncias extraordinárias, pode também o presidente da República demitir o Governo e dissolver o Parlamento, convocando eleições antecipadas. O afastamento do cargo, porém, é sempre uma situação limite: os deputados e o Governo não estão acima da lei e até o presidente da República é destituído e impedido de se recandidatar, caso o Supremo Tribunal de Justiça o condene por crime praticado no exercício das suas funções.

A responsabilidade é o correlato da confiança e pode revestir, como acima se mostrou, as mais diversas formas - responsabilidade civil, disciplinar, criminal, política - consoante a sanção e o ato em que se funda a exigência de reparação, ainda que a lei não o proíba nem sequer tenha existido intenção de prejudicar. O que há de comum ao incêndio de Pedrógão e ao assalto do paiol de Tancos é que a imputação dos danos se distribui por uma infinidade de virtuais autores: Proteção Civil, bombeiros, serviço de informações, cinco regimentos com os respetivos comandantes, ministros, Governo e, por fim, até o comandante Supremo das Forças Armadas - o presidente da República. Só com extrema precipitação e máxima leviandade é possível imputar culpas nesta fase incipiente de apuramento de responsabilidades. E depois de apurados todos os factos e falhas, há ainda que refletir seriamente sobre os resultados obtidos para reordenar corretamente a floresta, para repensar as modalidades de combate aos incêndios, para adequar os dispositivos militares às missões que hoje são chamados a cumprir. É isso o que se espera deste Governo, dos seus ministros e, claro, do atual chefe de Estado.

* Deputado e professor de Direito Constitucional

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