A
Universidade do Porto precisa de dinheiro, o edifício onde está o TUP vale
muito.
Enteado
da Universidade do Porto, para quem o Teatro e toda a sua envolvência social e
cultural é descartável, o Teatro Universitário do Porto é o grupo de teatro
mais antigo ainda em actividade do Porto e está, como o próprio nome indica, de
alguma forma ligado à Universidade do Porto. No TUP nasceram, ou passaram, muitos
dos nomes mais sonantes desta nobre arte.
No
passado dia 29 de Junho a Universidade do Porto terá dado o primeiro passo
oficial para passar a declaração de óbito (há muito pretendida) ao Teatro
Universitário do Porto (TUP), instituição fundada em 1948 e com actividade
permanente desde então, sendo por isso o grupo teatral mais antigo da cidade do
Porto.
Nesse
dia o Diário da República publicou o anúncio de um concurso público da venda ou
concessão do antigo colégio Almeida Garrett, localizado na Praça Coronel
Pacheco, pela Universidade do Porto, por um preço base de 4,768 milhões de
euros.
“O
procedimento visa a celebração de contrato de compra e venda do espaço
denominado ‘ex-colégio Almeida Garrett’, ou a celebração do contrato referente
à cedência em direito de superfície por um período máximo de 30 anos”,
especifica o anúncio. Localizado na freguesia do centro histórico do Porto, o
imóvel tem entrada pela praça Coronel Pacheco e está inserido num terreno com
uma área total de 8.520 metros.
Enteado
da Universidade do Porto, para quem o Teatro e toda a sua envolvência social e
cultural é descartável, o Teatro Universitário do Porto é o grupo de teatro
mais antigo ainda em actividade do Porto e está, como o próprio nome indica, de
alguma forma ligado à Universidade do Porto. No TUP nasceram, ou passaram,
muitos dos nomes mais sonantes deste nobre arte.
De
há muito que se sabe que a Reitoria da Universidade do Porto tem uma visão
exclusivamente economicista em relação a este tentador espaço que faz salivar
qualquer empreendedor imobiliário. Também se sabe que a Reitoria se está nas
tintas para o facto de nesse espaço existir um grupo de teatro, o mais antigo –
repita-se – do Porto e sempre em actividade.
“O
TUP, habituado que está a saltar de um lado para o outro e a nunca ter uma casa
mesmo sua, voltará certamente a fazer as malinhas. O TUP, para os que não
sabem, tem património e tem gente lá dentro. Património e gente que não cabem
numa ou duas salinhas. O TUP, para os que não sabem, voltou a fazer do antigo
auditório da ACE Escola de Artes um auditório de teatro (obviamente com o
acordo da ACE). Um auditório onde os senhores da reitoria nunca põem os pés. Um
edifício onde os senhores da reitoria nunca põem os pés, habitado por um grupo
de teatro universitário onde os senhores da reitoria nunca põem os pés, que faz
teatro que os senhores da reitoria nunca vão ver, que acolhe a comunidade
universitária e não só e que lhe dá a oportunidade de fazer um teatro de que os
senhores da reitoria não querem mesmo saber”, desabafa Nuno Matos, um
“TUPniano” que se recusa a pactuar com o domínio do lucro sobre a arte e a
cultura.
O
TUP é o grupo de teatro mais antigo ainda em actividade da cidade do Porto e um
dos mais antigos do país. Há por aí muitas pessoas que ao longo destes quase 70
anos passaram pelo TUP. É pois chegada a altura, como diz Nuno Matos, de se
chegarem à frente de se fazerem ouvir.
História
do TUP
Em
1948, aos treze dias de Dezembro, o Teatro Universitário do Porto nasce com
vontade própria, comum a um grupo de estudantes da Universidade do Porto, e
teve em Hernâni Monteiro, professor da Faculdade de Medicina da Universidade do
Porto, o seu primeiro dirigente. A partir de 1953, sob direcção de Correia
Alves, o TUP dá os primeiros passos na tríade que desde então lhe serve como
matriz: formação, renovação e experimentação. Numa época de silêncio imposta
pelo regime salazarista, ousou o TUP levar à cena textos de autores como Synge,
Thornton Wilder, Tennessee Williams, Aristófanes, Buero Vallejo e Lope de Vega,
sendo, ao lado de outros (raros) colectivos, como o TEP, um organismo falante,
denunciante, idealisticamente alternativo – vivo.
O
frenesi da denúncia e os anos revolucionários que se lhe seguiram, fizeram com
que também o TUP acompanhasse o desenrolar dos tempos, atento, sempre, às
linhas com que se foi tecendo a vida portuguesa nestas últimas décadas.
Alargou-se, assim, a área de acção para um cada vez mais assertivo pendor
experimental, traduzido principalmente na procura de novas formas de levar a
arte e a cultura a cena. Abriu os braços e levou, também, estas formas novas a
passear fora da cidade, marcando presença em festivais como o MITEU, em Ourense
(Espanha), o FATAL, em Lisboa e o Festival Internacional de Teatro de Liège,
sendo o TUP reconhecido nos primeiros dois, com Alan, de 2010, encenado por
António Júlio, a regressar com o primeiro prémio.
A
História do TUP vive do que está escrito e assente, mas existe principalmente
no que não é mero dado, ou facto. Por isso mesmo, mais do que discorrer o
á-bê-cê dos nomes ‘’marcantes’’ que por lá passaram, o que realmente importa é
saber que cada um dos que lá passou e tem ficado guarda a sua própria história
– e todas as formas de a contar, da mesa de um café ao discurso-em-pódio num
aniversário, são tão importantes como o arrumar de uma única forma nas linhas
de um texto.
O
carácter não profissional e universitário do TUP é, porventura, a sua
mais-valia. Há espaço para rasgar com as convenções – às vezes tão presas como
raízes – que o panorama teatral da cidade do Porto ainda teima em acarinhar, há
amor na vontade de fazer como o TUP sabe e quer fazer. Assim o deixem. Para
além de encenações colectivas e da apresentação de textos dramáticos de autores
inéditos em Portugal, gostam de criar a partir do que está lá dentro – da casa,
deles, de quem está com eles. É, continua a ser, acima de tudo, uma questão de
verdade e da verdade – porque o Teatro não tem de ser mentira.
Hoje,
continuam a apostar na formação, porque querem ver o TUP crescer; querem gente
interessante de ver, que encha a casa do que tem para dar, que goste de dar
mesmo quando faz ferida – que fique. E que, como disse o Mestre José Rodrigues,
escultor e antigo cenógrafo do TUP: «Alertar, não deixar ninguém
esquecer. Lembrar, lembrar constantemente. E não perder a memória. Compete ao
TUP ser uma espécie de despertador. Não agredir, despertar. Mostrar às pessoas
que ser curioso é fundamental».
A
história do TUP podia ser uma história contada de forma convencional, feita de
números e datas; de dados históricos e acontecimentos relevantes. No entanto,
falar da história do grupo de teatro, ainda em actividade, mais antigo da
cidade do Porto seria banalizar aquelas que têm sido as suas características
mais reconhecidas: a vontade de inovar e de experimentar.
A
importância do TUP no teatro português, em especial no teatro do Porto, não se
mede, nunca se poderia medir, em estatísticas desapaixonadas, acontecimentos
pontuais e recortes de jornais. A importância do TUP está intimamente ligada à
natureza da própria instituição, orgulhosamente universitária e amadora. É da
paixão dos seus elementos que vive o TUP. Da paixão e, consequentemente, da sua
dedicação sem limites. E só se faz teatro como o do TUP, experimental para lá
da definição de «teatro experimental», inovador, arrojado e inconformado, com
paixão e dedicação; com a vontade permanente de arriscar, de ir mais longe, de
não ser refém de convenções.
Mas
falar do TUP, contar a sua história, é, acima de tudo, falar com o coração nas
mãos. Falar das suas memórias, histórias e experiências, muitas destas escritas
para serem decoradas e ditas em palco, ouvidas por um público que as reconhece
como suas. E é este uma dos maiores motivos de orgulho de muitas das gerações
de actores que passaram por lá, que passam por lá, que querem continuar a passar
por lá. O orgulho da criação de textos originais, construídos de raiz, da raiz
de cada um; o criar um teatro que também é a fazer de conta mas que nunca é uma
mentira ou sequer uma verdade ficcionada. É, sim, a mais pura das verdades,
muitas vezes dolorosa, durante tanto tempo guardada, mantida em segredo.
Falar
do TUP será para sempre falar de amor e desamor, de saudade, da perda
irreparável, das dores e alegrias do crescimento. Falar do TUP será sempre tudo
isto porque tudo isto é a verdade que os alimenta e os faz encarar o teatro com
seriedade, dedicação e paixão. Acreditam nisto. Acreditam que são as suas
próprias ferramentas de trabalho. E no entanto não é trabalho. É amor.
Amor
que, infelizmente, está a passar ao lado de quem mais deveria estar com eles, a
Universidade do Porto.
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