Afonso
Camões* | Jornal de Notícias | opinião
Entre
a tragédia de Pedrógão e o assalto ao paiol de Tancos há um traço comum: um e
outro revelam um Estado precário, por vezes ausente. Acontece que o Estado
também somos nós e as escolhas que fazemos.
Da
Base de Tancos, junto a Almourol, sabe-se que desapareceram explosivos, dezenas
de lança-granadas e milhares de munições. Tudo material de guerra cuja
utilização e guarda confiamos às Forças Armadas, agora em mãos criminosas.
"É grave!", reconhece o próprio ministro da Defesa. Enquanto a investigação
não esclarecer melhor como foi possível, sabemos apenas que a videovigilância
está avariada há dois anos e que a vedação estava em mau estado. Talvez se
houvesse mais sentinelas...
Tal
como diante do fogo, o argumento da falta de meios e recursos é teimoso e recorrente.
Muitos dos que hoje reclamam são os mesmos que ontem apontavam o dedo à
dimensão excessiva do Estado, fazendo pressão para a diminuição do emprego
público. Esse efeito, que as políticas de austeridade acentuaram em diferentes
áreas da nossa relação com o Estado, vai-se destapando e revela, em muitos
casos, a degradação das condições de exercício das suas funções. Pior no
interior do país, que as políticas de várias décadas têm votado ao abandono.
Somos hoje mais exigentes com a segurança e mais intolerantes ao risco, mais
exigentes com os serviços que nos são prestados pelo Estado e mais intolerantes
com os erros, falhas e omissões. Mas também é verdade que se hoje exigimos que
se cumpra e faça cumprir a lei (e temos leis para quase tudo), ainda ontem
fechávamos os olhos aos mais variados incumprimentos, desde os arraiais de fogo
de artifício, à manutenção dos perímetros de segurança, nas estradas e
povoações. Além de que nem sempre estamos disponíveis para compreender e
aprovar os investimentos necessários à prevenção dos riscos e à defesa da
qualidade dos serviços públicos.
É
claro que a tragédia de Pedrógão e municípios vizinhos tem uma dimensão humana
irreparável. Mas não podemos continuar a acordar para o pesadelo como se fosse
a primeira vez. Sobre as cinzas de cada ano ainda vinga a visão de curto prazo
e prospera a economia do fogo, que prefere pagar mais (cinco vezes mais) em
meios de combate do que investir na defesa. Ora, em vez da algazarra e da
recriminação, o consenso político deveria passar por aqui e com urgência:
elevar a prevenção ao posto de comando e assumir que o primeiro corta-fogo está
nas políticas e em quem as lidera.
*Diretor
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