Carlos Roberto Saraiva da Costa Leite* | Porto Alegre
| Brasil
Há
86 anos, em 16 de setembro de 1931, na cidade de São Paulo, foi criada a Frente
Negra Brasileira (FNB). Durante a primeira metade do século 20, a FNB foi a
mais destacada entidade negra no Brasil, Com um programa preestabelecido de
luta, visava conquistar posições para o negro em todos os setores da
sociedade brasileira.
A
entidade se expandiu como grupos homônimos em vários estados, a exemplo do Rio
de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo Pernambuco, Rio Grande do Sul e Bahia.
Arregimentando milhares de afrodescendentes, esta se converteu num verdadeiro
movimento de massa, chegando a atingir o número expressivo de 20 mil sócios. A
FNB proporcionou à população afrodescendente - excluída e marginalizada -
não apenas assistência social, mas meios de enfrentar e combater o
preconceito.
A
Frente Negra Brasileira (FNB) desenvolveu um significativo trabalho
socioeducativo e cultural: escola, grupo musical e teatral, time de futebol,
departamento jurídico e, na área da saúde, prestou atendimento médico e
odontológico. Havia também cursos de formação política, de artes e ofícios,
além de ter sido responsável pela publicação do periódico “A Voz da Raça”
(1933-1937).
Na
época, vicejavam as teses do racismo científico (Eugenia), apregoando a ideia
de que negros e mulatos constituiam uma raça “degenerada” e, portanto, estavam
predestinados ao desaparecimento. Entre os adeptos dessa concepção de raça
estavam Nina Rodrigues (1862-1906) e Monteiro Lobato (1882-1948). Essas teses
resultaram em políticas públicas, que incentivaram à imigração europeia, indo
ao encontro da ideia de embranquecimento.
Quanto
às mulheres negras, de acordo com um dos fundadores da FNB, o ativista
Francisco Lucrécio, estas “eram mais assíduas na luta em favor do negro, de
forma que na Frente [Negra] a maior parte eram mulheres. Era um contingente
muito grande, eram elas que faziam todo movimento”. Ainda que outros estudos
considerem a afirmação acima um tanto exagerada, torna-se importante registrar
que as afrodescendentes exerciam várias funções na FNB. Na Cruzada
Feminina, elas eram mobilizadas, visando à realização de trabalhos
assistencialistas. Já as Rosas Negras se dedicavam a organizar bailes e
festivais artísticos.
A
FNB, em 1936, transformou-se num partido político, almejando participar de
futuras eleições, a fim de arregimentar votos da “população de cor”. Sob a
influência do contexto internacional de ascensão do nazifascismo, a entidade
defendeu um programa político e ideológico com características de autoritarismo
e ultranacionalismo. Naquele momento, sua principal liderança foi Arlindo Veiga
dos Santos que exaltava publicamente o governo do italiano Benedito Mussolini
(1883-1945), na Itália, e de Adolfo Hitler (1889-1945), na Alemanha. O próprio
subtítulo do periódico “A Voz da Raça” era sintomático: “Deus, Pátria, Raça e
Família”, sendo diferente do lema dos integralistas (movimento de extrema
direita) apenas pela presença do termo “Raça”.
Neste
período, A Frente Negra Brasileira (FNB) organizou uma milícia inspirada nos
“boinas verdes” do fascismo italiano. Recebida numa audiência pelo, então,
Presidente da República Getúlio Vargas (1882-1954), teve algumas de suas
reivindicações atendidas, a exemplo do fim da proibição de ingresso de negros
na Guarda Civil de São Paulo. O episódio é uma indicação do poder de barganha
que o movimento negro, naquele momento, dispunha no cenário político.
À
época, o racismo se apresentava de forma exacerbada até em forma de anúncio em
muitos periódicos: “Precisa-se de empregado, mas não queremos de cor”. A
entidade também atuava por meio de alguns movimentos no interior, especialmente
nos lugares em que os afrodescendentes não passeavam nos jardins, mas na
calçada.
Segundo
Abdias Nascimento (1914-2011), o fracionamento da FNB ocorreu devido à
polarização política de suas lideranças: Arlindo Veiga dos Santos (1902-1978)
liderava o Movimento Patrianovista de caráter nacionalista, monarquista
conservador e tradicionalista, alinhando-se à Ação Integralista
Brasileira; e José Correia Leite (1900-1989) que se filiava à corrente
socialista. Abdias também declarou “Como movimento de massas, foi a mais
importante organização que os negros lograram após a Abolição da Escravatura em
1888”.
Implantada
a ditadura do “Estado Novo”, em 1937, por Getúlio Vargas, a Frente Negra
Brasileira (FNB) e todas as outras organizações políticas foram extintas. O
movimento negro, diante do novo modelo político, que se instalara no Brasil,
foi diluído e enfraquecido. O Movimento Negro havia escolhido, desde os
anos 20, a figura ícone da Mãe-Preta, cujo monumento foi inaugurado, em São
Paulo, somente em 1955,.como parte das comemorações do IV Centenário da Cidade
de São Paulo.
O
importante jornal O Exemplo (1892-1930), editado em Porto Alegre, por afrodescendentes,
registrou a campanha, para que se inaugurasse um monumento alusivo à Mãe Preta.
Um dos principais objetivos da Frente Negra Brasileira era a defesa de
uma “Segunda Abolição”, pois a primeira (1888) havia deixado um legado de
exclusão social e pobreza, sem oferecer aos libertos a condição de exercerem de
forma plena e integrada a sua condição de cidadãos.
Marcada
de forma indelével pelo racismo, a vida dos afrodescendentes tem sido árdua nas
lutas diárias por melhores condições socioeconômicas. Desmitificando a ideia,
em nosso país, da “Democracia Racial”, as estatísticas do próprio IBGE
ratificam o quanto se tornam necessárias políticas afirmativas, visando a
atenuar os 400 anos de escravidão, cujo legado nefasto, da miséria e da
exclusão social, faz-se sentir, até os dias hoje, por um número expressivo da
população afrodescendente. A realidade estigmatizada da dicotomia entre a “Casa
Grande e da Senzala”, infelizmente, não se esvaziou, nem com o passar dos
séculos, desde o Brasil Colônia.
Importante
registrar que, além da Frente Negra Brasileira, na década de 30, outras do
gênero surgiram, buscando promover a integração do afrodescendente à sociedade
de forma mais abrangente, como o Clube Negro de Cultura Social (1932) e a
Frente Negra Socialista (1932), na cidade de São Paulo; a Sociedade Flor do
Abacate, no Rio de Janeiro, a Legião Negra (1934), em Uberlândia/MG, e a
Sociedade Henrique Dias (1937), em Salvador.
No
Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, merece destaque a fundação da mais antiga
do Brasil, ainda, em atividade: trata-se da Sociedade Beneficente e Cultural
Floresta Aurora que foi criada, em 1872, por negros alforriados, um ano após de
ter sido assinada a Lei do Ventre Livre (1871).
O
caminho dos afrodescendentes tem sido pontuado por lutas, desafios, avanços e
retrocessos, porém, diante da nossa condição de um povo miscigenado, não
podemos recuar e nem desistirmos do ideal em construir um Brasil com mais
justiça e com menos desigualdades sociais, fazendo, finalmente, jus ao verso de
uma das estrofes do Hino Nacional “... Dos filhos deste solo és mãe gentil
pátria amada Brasil “.
*
Pesquisador e coordenador do setor de imprensa do Musecom
Bibliografia
FERNANDES,
Florestan. Significado do protesto Negro. São Paulo: Cortez, 1989.
LEITE,
José Correia Leite. ... E disse o velho militante José Correia Leite.
Organização e textos de Luiz Silva (Cuti). São Paulo: Secretaria Municipal de
Cultura, 1992.
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Marisa Schneider. Tudo Começou em uma Madrugada/ Sociedade Beneficente Cultural
Floresta Aurora (1872-2015). Porto Alegre: Medianiz, 2015.
PINTO,
Regina Pahin. O movimento negro em São Paulo: luta e identidade. São Paulo,
1993.
SCHWARCZ,
Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial
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SKIDMORE,
Thomas E. Preto no Branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro. Rio de
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