A UBER não é apenas um problema
no sector dos transportes. É a concretização de um modelo que conduz à
eliminação do assalariamento e ao desaparecimento dos direitos que lhe estão
associados. É por isso que a decisão de um tribunal de Londres de obrigar a UBER
a reclassificar os seus condutores como assalariados é tão importante. E é por
isso também que a passividade do governo do PS em relação à UBER (culminando
com a falada intenção de lhe perdoar multas decorrentes da aplicação da lei)
deve ser denunciada.
(…) A UBER pretende ser uma
plataforma que relaciona condutores de automóvel, considerados como
trabalhadores independentes, e clientes. O instrumento de trabalho, o veículo,
pertence ao condutor, mas a aplicação, que permite o estabelecimento da relação
com os clientes é propriedade da UBER. O que, aliás, autoriza esta sociedade a
fixar os preços do percurso feito pelo condutor, e a impor uma certa categoria
de veículos. A remuneração da UBER consiste numa percentagem que ela retém
sobre o preço do trajecto.
Por um lado, o preço é fixado
pelas sociedades e não pelos condutores. Deste ponto de vista, está-se numa
estranha situação. Por outro lado, os condutores vêm-se na necessidade de
contrair dívidas para adquirir o veículo que a UBER (ou as outras sociedades)
lhes impõe. Este endividamento pesa fortemente sobre o seu equilíbrio
financeiro. Então, poderá dizer-se, porque é que esses condutores não se
retiram dessas sociedades para operarem como “verdadeiros” independentes? O que
é mais fácil de dizer do que de fazer. Para exercer como taxista é necessária
uma licença, e estas licenças são estritamente controladas pela prefeitura da
polícia. E para trabalhar como VTC independente é necessário dispor de um
caderno de endereços e de clientes regulares. Vê-se assim que por detrás da
aparente promessa de uma “liberdade” se perfila um implacável constrangimento
que encurrala os condutores UBER num colete de forças do qual não se podem
libertar.
Neste contexto, chegou-nos de
Londres uma importante notícia que não foi suficientemente divulgada pela
imprensa. É nesta cidade, capital do Reino Unido – como sabem, o país que é
descrito como um templo do neoliberalismo e como um inferno em consequência da
sua decisão de sais da UE – que foi tomada uma decisão que fará história: a
sociedade UBER é intimada a requalificar os condutores que trabalham para ela
em «assalariados». Esta decisão (na realidade a primeira etapa de um processo
judicial que se prolongará por toda a próxima primavera) vem aliás na sequência
de decisões análogas tomadas nas grandes cidades californianas, mesmo no
coração daquilo a que se chama a «nova economia».
É uma decisão importante porque
põe fim à hipocrisia que reina em torno da UBER, que pretende não ser mais do
que uma simples plataforma que coloca em contacto trabalhadores independentes e
os seus clientes Efectivamente, a UBER pretende não ser uma transportadora.
Mas, sendo assim, porque é a UBER a fixar os preços que os condutores podem
pedir? Vê-se bem aqui onde bate o ponto. A UBER pretende impor as regras mas
recusa-se a assumir qualquer responsabilidade. É por isso que esta decisão da
justiça londrina, para além das queixas que deverão ser apresentadas na justiça
em França no final do mês de Março de 2018, convida a que nos debrucemos sobre
aquilo que é chamado o «modelo económico» da UBER.
(…) A ideia que preside à criação
desta sociedade é engenhosa, mas não necessariamente moral. Ela incide, segundo
o que foi dito, em substituir o contrato de trabalho por um contrato de aluguer
(da aplicação UBER) e em pretender que os trabalhadores se tornaram
«auto-empresários». Vê-se onde se situa a vantagem para esta sociedade. Deixa
de pagar encargos sociais, e desinteressa-se em absoluto da situação em que
coloca os seus condutores. Este modelo deu origem ao fantasma de uma economia
em que o assalariamento teria desaparecido, e com ele os direitos sociais que
lhe estão associados, para ser substituído por uma sociedade de empresários,
mesmo de micro-empresários. Entretanto, diversos estudos mostram que esses
estatutos de empresário ou de micro-empresário, estatutos tão elogiados pelo
nosso Presidente da República Emmanuel Macron, encobrem na realidade uma
degradação significativa da situação dos trabalhadores. Cabe aqui convidar os
leitores a consultarem a obra Ma Vie d’Auto-entrepreneur de Sophie Vouteau, que
acaba de ser publicada.
Em numerosos casos esse estatuto,
e em particular no caso dos condutores UBER, não faz mais do que reactualizar
um modelo económico do início do século XIX: o trabalho «a feitio». O
encomendador passava pelos seus trabalhadores a distribuir as matérias-primas e
voltava no final da jornada de trabalho a recolher o produto do seu trabalho,
pagando portanto à peça, sem contrato nem qualquer obrigação. O “progresso”
seria portanto o regresso às mais negras condições da Revolução industrial.
Aqui, no caso da UBER, poder considerar-se que os inventores ou os detentores
dos direitos de uma aplicação estão sobretudo na situação do proprietário de
terras que explora, por meio do arrendamento, o camponês que não pode
plenamente constituir-se em «pequeno proprietário».
É por isso que a decisão do
tribunal de Londres é tão importante. Resta agora aguardar o que irá resultar
desse procedimento, e os resultados dos processos análogos que foram
empreendidos em França.
*O Diário.info
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