Virtualmente tudo que alguém
precisa saber sobre como [tentar] inventar uma revolução colorida no Irã pode
ser lido em Which Path to Persia [Que trilha para a Pérsia],
publicado em 2009 pela Brookings.
Mas, antes, um pouco de
informação sobre o contexto nesse início de 2018.
O presidente Rouhani fez a coisa
certa ao ir à TV iraniana e pelo menos reconhecer a insatisfação popular ante
as graves dificuldades econômicas. A inflação está realmente alta no Irã - e o
recente aumento nos combustíveis e nos preços da alimentação, de mais de 40%,
não ajuda. É parte do orçamento da Equipe Rouhani para 2018, que corta
subsídios para os mais pobres - traços chaves do governo de Ahmadinejad. O
desemprego entre os jovens, por exemplo, chega a horrendos 40%, maior até que
na Espanha.
Mas Rouhani deveria ter oferecido
melhor contextualização para a relação direta entre as dificuldades econômicas
e as sanções que EUA impõem ao Irã, ainda ativas, para nem falar das
proverbiais ameaças contra empresas ocidentais estão novamente operando no Irã.
Rouhani prometeu depois de
assinar o acordo nuclear em 2015, que aquele acordo traria mais empregos e
melhoraria a economia do Irã. Washington tem feito de tudo para pressionar cada
vez mais, de modo a assegurar que nada de bom aconteça. Protestos legítimos
contra as dificuldades econômicas, por sua vez, sempre foram parte do cenário
político no Irã - de fato há décadas.
O que aconteceu agora é que esses
protestos foram completamente sequestrados pelos suspeitos de sempre - que de
fato influenciam uma pequena minoria de cidadãos iranianos. Na sequência, os
peixes grandes pularam no aquário, de Avaaz à ONG Human Rights Watch, mais toda
a Think-tank(e)lândia e até o próprio Trump.
O que nos leva à essência do que
está acontecendo nesse exato momento: reencenação de toda a parte III, capítulo
6 ("A Revolução de Veludo: todo o apoio a um levante popular") e
capítulo 7 ("Inspirar uma insurgência: apoiar a minoria no Irã e grupos de
oposição") do supracitado Which Path to Persia [Que trilha para a Pérsia].
Se se assume que a Equipe Rouhani
é de certo modo um governo neoliberal - e é, comparada aos anos de Ahmadinejad
-, o que se tem é uma tentativa para dirigir protestos legítimos: o estado da
economia manobrado para se converter num movimento "revolucionário"
que pode visar à mudança de regime mediante o que, para todas as finalidades
práticas seria uma guerra civil.
Não vai funcionar. A sociedade
civil iraniana é muito sofisticada e esperta para cair numa armadilha óbvia,
simplória, como essa.
Até agora já está claro que esses
clamores "revolucionários" são instigados de fora. Em 24 horas de
tuítos, por exemplo, 74% deles eram de fora do Irã; 35% em árabe; sauditas
tuitaram mais que iranianos, e no Reino Unido estavam quase tão ativos quanto
na Arábia Saudita.
Para que não reste qualquer
dúvida quanto à ação externa, assistam ao
professor Marandi da Universidade de Teerã -, meu amigo pessoal e
homem de absoluta integridade -, que desmonta um ex-palhaço da BBC que
ainda sonha com "a carga do homem branco".
E há também a CIA. Pense num
exército de analistas e especialistas preparando e agora já implementando
diretamente ações clandestinas no Irã - dirigidos pelo sinistro Mike D'Andrea,
ex-diretor do Centro de Contraterrorismo da CIA.
Infelizmente tenho de declinar de
mais um convite para ir ao Irã precisamente esse mês, por força de outros
compromissos. Espero poder estar lá dentro de mais ou menos duas semanas.
Outros analistas também irão. Certo é que essa instrumentalização dos protestos
está sendo concebida também como provocação. Os suspeitos de sempre já tuitaram
o próprio jogo - em tom de "todo o mundo está assistindo". Mesmo
assim, haverá resposta à violência, como Rouhani deixou sugerido: imaginem a
resposta policial na França ou na Alemanha, por exemplo.
Os suspeitos de sempre talvez até
saibam que não conseguirão a 'mudança de regime' com que sonham. Agora, o que
esperam obter é mais sanções econômicas contra o Irã - pela União Europeia (cabe
pois à União Europeia não se deixar prender na arapuca). Teerã, seja como for,
já trabalha para aumentar os negócios em toda a Eurásia: Novas Rotas da Seda,
União Econômica Eurasiana, sem privilegiar necessariamente a União Europeia.
Depois dependerá de a Equipe Rouhani ser criativa - e menos neoliberal - no
front econômico.
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