Não só Francisca Van Dunem
reforçou a posição da procuradora como obrigou o primeiro-ministro a inventar à
pressa uma séria candidata à Pior Desculpa de 2018.
João Miguel Tavares | Público |
opinião
Por favor, não critiquem
Francisca Van Dunem — agradeçam-lhe. Todas as pessoas que desejam, como eu
desejo, que Joana Marques Vidal seja reconduzida no seu cargo devem estar
gratas à ministra da Justiça por ter tido a simpatia de nos informar que o
Governo não tem qualquer interesse em renovar o mandato da procuradora-geral da
República. A partir de agora sabemos que António Costa não a quer, que Rui Rio não
a quer e que Marcelo Rebelo de Sousa não se pronuncia. Isso só pode querer
dizer que Joana Marques Vidal está a fazer um excelente trabalho.
O caso acaba por ser um duplo
embaraço para o Governo. Não só Francisca Van Dunem reforçou a posição da procuradora,
dado o clamor generalizado que originou, como entalou o primeiro-ministro no
Parlamento, ao obrigá-lo a inventar à pressa uma séria candidata à Pior
Desculpa de 2018 — é incrivelmente estapafúrdia a teoria segundo a qual a
ministra, na entrevista à TSF, não havia transmitido uma opinião “política”
sobre o assunto, mas apenas partilhado a sua opinião “jurídica”. Ah, ah, ah,
ah. Que magnífica piada.
Em bom rigor, a análise jurídica
do artigo 220 da Constituição Portuguesa pode ser feita por qualquer um dos
meus quatro filhos, talvez com excepção da Rita, que ainda não sabe ler. Diz
assim no seu ponto 3: “O mandato do Procurador-Geral da República tem a duração
de seis anos.” Basta ler esta frase em voz alta e a análise jurídica está
concluída. Dirão os fãs de António Costa: “Mas também não está lá escrito que o
mandato é renovável”. É verdade que não. Mas logo dois artigos abaixo (222,
ponto 3) podemos ler: “O mandato dos juízes do Tribunal Constitucional tem a
duração de nove anos e não é renovável.” Quando o legislador quis garantir a
não-renovação de um mandato escreveu — imaginem — “não é renovável”.
Donde, se há coisa que Francisca
Van Dunem não fez foi uma interpretação jurídica da lei. O que ela fez, de
facto, foi uma interpretação 100% política. É perfeitamente defensável
argumentar que um mandato longo de seis anos de um procurador-geral não deve
ser renovado, de forma a preservar a sua independência e não ceder à tentação
de agradar ao governo em funções. Mas — lamento muito — não é isso que lá está
escrito. E se houve coisa que Joana Marques Vidal demonstrou ao longo dos
últimos seis anos é imunidade à terrível tentação de agradar aos governos. É
por isso que os portugueses se afeiçoaram tanto a ela.
É verdade que não se percebe bem
porque é que Francisca Van Dunem se lembrou de dizer tal coisa numa altura
destas — para mais, com a infelicidade acrescida de ter concedido a entrevista
um dia depois de o Presidente de Angola se ter atirado de forma desbragada à
justiça portuguesa. Até admito que tenha sido apenas ingenuidade e inépcia. Às
vezes acontece. O que não admito é que Van Dunem não saiba de cor e salteado
qual a opinião de António Costa sobre o tema. Logo, 1) as suas declarações
comprometem todo o Governo, 2) o desejo de afastar a procuradora é bem real, e
3) Joana Marques Vidal precisa de ser defendida.
Dir-me-ão: não haverá outros
magistrados habilitados para desempenhar o cargo com idêntica competência? A
minha resposta é simples: em 44 (curioso número) anos de democracia não houve.
Se fosse fácil ser independente, outros teriam sido. Não foram. Portugal
precisa que Joana Marques Vidal continue até 2024. Doze anos de magistrados
livres para investigar a corrupção que há décadas sufoca o país não é muito — é
muito pouco.
Sem comentários:
Enviar um comentário