Mariana Mortágua | Jornal de Notícias
| opinião
Há uma substância capaz de fazer
face a sintomas associados a várias doenças graves, entre elas o cancro. Os
seus benefícios estão comprovados por milhares de estudos certificados. Tem
efeitos secundários, mas não mais que muitas drogas legais, como antidepressivos
ou analgésicos fortes, que geram profundas dependências. Quem precisa de aceder
à canábis para uso terapêutico, ou quem acompanha a situação, conhece a revolta
de saber que há um tratamento mais indicado que, por ignorância e preconceito,
não está legalmente disponível. Eu já a senti.
O debate na Assembleia da
República foi clarificador. Ninguém nega os benefícios do uso terapêutico da
canábis, o que torna frágeis os argumentos contra a legalização. De todas as
posições, a mais incompreensível, de tão conservadora, é a do PCP.
O PCP optou por se manifestar
contra o projeto do Bloco, aprovando uma resolução com o CDS em que recomenda
ao Governo que estude o que já está medicamente comprovado. Ignorou, nesse
processo, que a canábis já é legalmente usada para fins terapêuticos em vários
países, do Canadá à Alemanha. Tentou ainda argumentar, como o CDS, que o
projeto do Bloco era redundante porque o Infarmed já prevê o uso de substâncias
derivadas da canábis. Não só este argumento contraria a necessidade de mais
estudos, como faz tábua rasa da opinião de muitos profissionais da saúde que
reivindicam a legalização e regulamentação da canábis. Atacou depois o
autocultivo, porque já há farmacêuticas a produzir canábis. Foi surpreendente
ver o PCP a defender as farmacêuticas. Além disso, o cultivo doméstico,
devidamente regulamentado e fiscalizado, como no Canadá, pode ser uma garantia
de qualidade, e não o contrário.
Finalmente, o pior de todos os
argumentos: que este projeto é uma forma encapotada de abrir a porta ao uso
recreativo da canábis. Sobre isto, há duas coisas a dizer. Primeiro, o Bloco
defende abertamente a legalização para fins recreativos e já apresentou
projetos para esse efeito. Não precisamos de nos esconder. Segundo, vai sendo
hora de acabar com o moralismo hipócrita que convive bem com uma sociedade que
é livre para se alimentar mal, para consumir álcool e tabaco em excesso, para
ser dependente de antidepressivos e calmantes, mas não para consumir canábis.
Independentemente da nossa
posição, este projeto, que terá 60 dias para ser discutido na especialidade, é
exclusivamente sobre o uso terapêutico da canábis. A abertura para melhorá-lo e
ir ao encontro das preocupações dos outros partidos é total.
O Parlamento já várias vezes
mostrou ser capaz de ultrapassar velhos preconceitos para se colocar na
vanguarda internacional dos direitos sociais e individuais. É essa coragem que
se pede mais uma vez. Há muita gente, muitos doentes, que esperam por esta lei
com uma expectativa imensa e com uma urgência impaciente. Não os vamos
desiludir.
* Deputada do BE
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