PSD e CDS andam preocupados com o
interior. O sr. Presidente da República também. E o PS não lhes fica atrás.
Preocupadíssimos. Preocupados, sobretudo, com as consequências negativas dos
incêndios florestais para a sua imagem política, descobriram agora, novamente,
o «interior». Descobriram que a desertificação económica e humana de vastas
regiões do País é causa de incêndios. E vai daí, é um ver se te avias.
Agostinho
Lopes * | opinião
Declarações. Reclamações.
Protestos. Preocupações com os dinheiros do Portugal 2020 retirados do interior
para aplicar em Lisboa. Projectos de Resolução e de Lei. Todas as propostas do
PSD para o OE2018 tinham como considerando justificatório « (…) uma verdadeira
política de coesão territorial». O CDS avançou com uma «Comissão para a
elaboração do Estatuto Fiscal do Interior». (Se a demagogia pagasse imposto,
poder-se-ia reduzir os impostos sobre o capital, no OE para 2018, a zero!). Os
choradinhos são infindáveis… Capoulas Santos, ministro da Agricultura em
sucessivas encarnações de governos PS, além de considerar que «faria sentido» o
Ministério sair de Lisboa, chora compungido: «(…) aquilo que mais me entristece
nos últimos anos, fruto de vários governos, foi ter visto o sucessivo
desmantelamento do Ministério e particularmente nas zonas onde mais devia
estar, que era nos territórios rurais.»(Público, 30NOV17)! Oh! O desmantelador
chora o desmantelamento!
E acaba de ser parido, por um
ajuntamento do Bloco Central, um novíssimo Movimento pelo Interior que, segundo
a imprensa, irá avançar com «seis medidas fortes e radicais com custos
contabilizados, para serem concretizados em 12 anos» (!) (JN, 14DEZ17). A
iniciativa tem promotores conhecidos, Miguel Cadilhe, Jorge Coelho, Pedro
Lourtie, Álvaro Amaro, Rui Santos, entre outros. Sabemos o que lhes pesa na
consciência, mas foi pena que não tivessem aproveitado o poder político de que
dispuseram para obviar ao que veio a acontecer. O resultado final será, como é das
normas de qualquer boa montanha de propaganda, um rato…
A generalidade dos órgãos de
comunicação social, dos seus articulistas e comentadores, não fugiu à onda do
«interior». Mergulhou de cabeça com a habitual amnésia congénita, muita
hipocrisia e superficialidade. Como dá gosto vê-los chorar lágrimas de cebola
podre pelo mundo rural e o interior. Não se nomeiam, para não esquecer algum.
Por todos, o grito do editorial do Público (23OUT17): «Cuidar do interior é
agora ou nunca»! Como eles choram por aquelas populações que não fazem
manifestações no Terreiro do Paço… porque as fizeram do Marquês de Pombal até
junto da Assembleia da República e de S. Bento inúmeras vezes, e nunca ninguém
desta chorosa comunicação social e da sua elite comentadora os enxergou.
Invisível era povo da floresta dos baldios, era povo das Beiras e Trás-os-Montes, do Minho, do Alentejo e Ribatejo, era o povo do mundo rural, das explorações agrícolas familiares mobilizadas pela CNA. Como nunca enxergaram que uma das principais «produções» da política de direita de sucessivos governos era, e é, o «deserto». Como nunca enxergaram as «cassetes» do PCP sobre as desigualdades regionais e o mundo rural. Sacripantas.
Os partidos do arco da
desertificação, PS, PSD e CDS
Não há nenhum mistério sobre as
causas das assimetrias regionais e a desertificação económica e humana
regional. O desenvolvimento desigual é uma lei de ferro e intrínseca do
capitalismo. O capitalismo produz desigualdades sociais e no território. Nada
que há muito não seja denunciado pelos comunistas. Mas quando prevaleceu o
capitalismo neoliberal, as desigualdades explodiram (1). Até porque as
políticas, nomeadamente as orçamentais, como sucedeu ao longo dos últimos 40
anos, «desistiram» de as combater e atenuar. Antes as agravaram.
Os partidos do «arco da
desertificação», PS, PSD e CDS, gostam muito de falar das «assimetrias
regionais» quando chega o tempo das eleições! Depois, essas «preocupações» de
pura demagogia eleitoral dissolvem-se rapidamente no necessário «realismo» das
políticas para o grande capital, da «internacionalização», da
«competitividade», da captação de um dito «investimento estrangeiro»!
«Preocupações» que começam pela ausência de qualquer análise séria,
fundamentada, rigorosa das causas das assimetrias. Que não fazem, nem podiam
fazer, e não por acaso. Fazê-lo significaria PS, PSD e CDS assumirem as
responsabilidades de um grave e estrutural problema do País – as desigualdades
territoriais – por força das dinâmicas económicas e sociais das suas políticas.
Estes partidos não querem saber
das repercussões regionais das suas políticas agrícolas e florestais, das suas
políticas industriais e comerciais. Das consequências da PAC, das suas reformas
e aplicações. Das políticas de encerramento de escolas e de unidades de saúde.
Do trespasse e fecho de postos e estações dos CTT. Do encerramento de
delegações da EDP ou do BdP. Do fim de inúmeras agências bancárias. Não querem
saber da mobilidade e acessibilidades no interior, nomeadamente dos resultados
da sua política ferroviária (?) de encerramento de centenas de quilómetros de
linhas férreas. Do encerramento de muitos outros serviços públicos, reduzindo o
emprego e empobrecendo as comunidades locais. Das políticas orçamentais
restritivas (o Pacto de Estabilidade obriga!) com orçamentos do Estado que
nunca corrigem desigualdades. Da subversão e travagem da regionalização,
condição necessária mas, certamente, não suficiente para o desenvolvimento
regional.
O PSD, depois de, enquanto foi
governo, fechar tudo o que ainda mexia nessas regiões, inclusive freguesias,
teve ainda a lata de apresentar, já na presente Legislatura (em que é
«oposição») o PJL n.º 292/XIII/1.ª que «Cria o Estatuto dos Territórios de
Baixa Densidade».
Projecto que, no art.º 27.º se propõe regular «O encerramento de serviços públicos nos territórios de Baixa Densidade»! (Cai o pano com tanta desfaçatez).
Os governos PS não fazem nada de
diferente. Depois de muitos programas e planos anteriores, surgiu, em 2008, o
PROVERE (nos acrónimos ninguém os bate), Programa de Valorização Económica dos
Recursos Endógenos, para os «territórios de baixa densidade», que produziu
tanto como os anteriores. Tanto, que agora foi produzido e baptizado outro, o
PNCT – Plano Nacional de Coesão Territorial. Elaborado por uma dita Unidade de
Missão para a Valorização do Interior – uma promessa de António Costa em
Bragança nas eleições de 2015 – não vai por melhor caminho. Erra no diagnóstico
e propõe um ajuntamento caótico de dezenas de medidas cobradas em diversos
ministérios, sem qualquer visão estratégica integral e global e sem programação
orçamental. Pior. Sem pôr em causa os eixos centrais das políticas que nos
conduziram ao «interior em extinção»! Nomeadamente da política agro-florestal.
Nomeadamente na não reprogramação radical do Portugal 2020, revertendo as suas
lógicas, critérios e objectivos.
Acrescente-se que a generalidade
das propostas apresentadas pelo PCP no quadro da nova situação política após as
eleições de 2015, quer no âmbito dos orçamentos de Estado quer noutras matérias
como a reversão da extinção de freguesias e as políticas agro-florestais, tem
contado com a oposição do PS, PSD e CDS. O mesmo aconteceu com a recusa do
Governo PS de uma reconsideração global e radical do PNCT. E se no OE2018 foram
aprovadas algumas medidas importantes como o reforço de recursos humanos nos
Sapadores Florestais, Guardas Florestais e Instituto de Conservação da Natureza
e Florestas, potenciando a criação de umas centenas de postos de trabalho no
interior, um programa de apoio à pastorícia em zonas de montanha e uma
reprogramação do PDR 2020, obrigando ao estabelecimento de plafonds mínimos de
fundos para projectos nas NUT III de baixa densidade, certo é que muitas outras
e significativas medidas foram reprovadas pelo PS e a abstenção do PSD e CDS.
As políticas agro-florestais não
dão hipótese ao interior
Há muitas décadas que as
políticas agro-florestais de sucessivos governos, sob o alto patrocínio e
inspiração da PAC e das suas sucessivas reformas, não dão qualquer hipótese ao
interior. Os dados estatísticos demonstram-no. É elucidativo o exemplo de
Trás-os-Montes. Alguns dados.
Entre 1989/2009, passou de uma
cultura de 25 mil hectares de batata para 11 mil. De 44 mil hectares de centeio
para 29 mil! No trigo, a redução de área foi de 2/3. Perdeu quase 2/3 dos
bovinos e mais de 50% das cabras. Na vinha, a redução será superior a 20 mil
hectares. O olival, o único que apresentava uma evolução favorável (mais 21 mil
hectares), deve agora estar em perda face à concorrência impossível do olival
tradicional com a olivicultura intensiva do Alentejo. E se alguém perguntar
onde estão hoje as vacas leiteiras (redução global de 10 mil cabeças) da Veiga
de Chaves, do vale de V. P. de Aguiar e do Planalto Mirandês, podemos informar
que estão a pastar na Holanda, Irlanda e Alemanha.
Muitos outros números podiam ser
citados. O próximo Recenseamento Agrícola (2019) exibirá uma fotografia mais
negra. E atrás da extinção da exploração agrícola, foram-se as pessoas.
Trás-os-Montes e Alto Douro perdem, em 30 anos (1981/2011), 100 mil habitantes.
Pode ampliar-se a informação a
muitas outras regiões. Por exemplo, entre 1989 e 2013, a Beira Litoral perdeu
2/3 da sua área de vinha e a Beira Interior cerca de 50%.
O que ficou em vez da batata, do
centeio, da vinha, do gado? No melhor dos casos, eucalipto. Em geral, silvas e
matos. Isto é, pasto para o fogo.
Outro caminho, outras políticas
A situação vivida pelo interior
do País, e muito particularmente pelas aldeias, freguesias e concelhos do mundo
rural português, tem uma causa: a política de direita. Tem responsáveis
políticos: PS, PSD e CDS.
Face a uma situação que nenhum
deles se atreve a negar, seria tempo de darem a volta ao texto e apresentarem
respostas para este problema crucial da colectividade humana que somos! Basta
olhar para as suas propostas eleitorais ou para o que agora, sob a pressão dos
incêndios, descobrem e propõem, e constatar que nada de substancial querem
mudar!
A correcção das assimetrias
regionais exige um leque amplo de políticas integradas e dinamizadas
regionalmente. Exige poder regional com a regionalização, e não simulacros de
órgãos desconcentrados da Administração Central, pseudolegitimados pelas
autarquias ou associações de municípios. Exige orçamentos do Estado apoiados
nos fundos comunitários com forte discriminação positiva dos territórios
atingidos pela desertificação. Mas fundamentalmente, exige políticas económicas
que, no actual quadro capitalista, possam romper com a lógica única de mercado
na afectação de recursos materiais e meios humanos, e atenuar
significativamente, através de instrumentos económicos, sociais e políticos, as
suas consequências mais gravosas.
Exige seguramente outra política
agrícola e florestal, a defesa da agricultura familiar e do mundo rural, outra
visão para reindustrializar o País e as redes de distribuição comercial e
assegurar serviços públicos de qualidade.
Separar a demografia da economia
e pensar que se vai lá com incentivos à natalidade, à fixação das pessoas ou
uns utópicos projectos de «novos pioneiros» é pura fantasia que rapidamente
(como a experiência já demonstrou) frustrará expectativas!
É necessário criar oferta de
emprego, emprego estável, bem remunerado e com direitos, e isso só com outras
políticas económicas viradas para a actividade produtiva. É sobre esse emprego
e economia produtiva que se poderá semear, ancorar e ampliar de forma
sustentável outras actividades, nomeadamente de serviços, nomeadamente o
turismo! Só assim se dará sustentabilidade a todo o território nacional.
Se não, não se sairá de um ciclo
vicioso bem conhecido: menos emprego, migração / emigração, envelhecimento,
menos população, diminuição severa da população em idade activa, menos gente
para trabalhar, menos consumo, menos investimento, menos serviços públicos,
menos actividade económica, e outra vez, menos emprego… fechando-se o ciclo.
Após o trágico ano de 2017, os incêndios florestais devem ser, explicitamente,
incluídos no ciclo.
Pôr fim a este ciclo vicioso
exige novas políticas, e logo, a ruptura com a política de direita, a exigência
de uma política patriótica e de esquerda.
As promessas nunca cumpridas
As crónicas da política de
direita, responsável pelas assimetrias regionais, e das suas promessas de
solução, inclusive da comunicação social dominante que lhe dá cobertura, dão
para encher uma biblioteca. Uma breve referência às mais próximas.
Em pleno reinado da troika é
debatido, em Setembro de 2011, o PJR n.º 75/XII/1.ª do PSD, que recomendava ao
governo a criação e dinamização de um «Plano para a Coesão Territorial no
quadro de uma nova estratégia nacional». Com o apoio de todos os partidos, foi
transformado na Resolução da Assembleia da República n.º 129/2011 que
recomendava ao governo: um «Plano Nacional para a Coesão Territorial (PNCT)
(…)» e a «monitorização e avaliação periódica da coesão territorial do País e
do impacto na mesma das políticas, programas e grandes projectos públicos (…)»,
que assegurassem «a transversalidade e integração do princípio da coesão
territorial na concepção e execução das políticas públicas (…)», «a coesão
territorial como princípio e objectivo essencial da reorganização
administrativa (…)» e «a coordenação interministerial na promoção da coesão
territorial (…)».
A transcrição é longa, mas dá a
medida exacta da dimensão da mentira e demagogia. Nem um só dos objectivos
previstos na Resolução foi concretizado. Todas as políticas do governo PSD/CDS,
de todos os seus ministérios, trouxeram novos estrangulamentos, novas
carências, novos problemas, sem resolver um que seja. Siglas de novas entidades
e instrumentos institucionais não faltaram. O pior foi que ao vazio das boas
intenções afirmadas nas páginas do Diário da República correspondeu uma brutal
política de autêntica guerra contra o território e o interior.
A tudo o que já vinha de trás,
dos governos PS e PSD/CDS, se deu continuidade reforçada! Tornaram definitivo o
encerramento de troços de via-férrea com circulação apenas suspensa, eliminando
simultaneamente as alternativas rodoviárias de substituição. Aplicaram sem dó
nem piedade as portagens nas SCUT do interior. Continuaram os encerramentos na
saúde e educação. Criaram sérios obstáculos no transporte de doentes.
Intensificaram as privatizações e abdicaram de qualquer comando público (Golden
Shares) em empresas estratégicas com estruturas em rede no território (EDP,
REN, CTT, GALP, ANA, PT). Mas mesmo nas que se mantiveram públicas, como a CP,
o governo permitiu-lhes que eliminassem, como «primeiro compromisso social», a
garantia da mobilidade de toda a comunidade, independentemente da sua condição
económica ou geográfica. E deixou de constar do sítio electrónico da CP que
esta operava em 2830 quilómetros de linhas férreas «contribuindo para a coesão
territorial do País a preços equitativos»!
Depois, a liquidação de
freguesias. Depois, um novo mapa judiciário que, para aproximar a Justiça dos
cidadãos, liquidou tribunais, sobretudo nos concelhos do interior! Depois, o
projecto de encerramento de 154 Repartições de Finanças, 45% das existentes, que
só não avançou porque o povo português não lhes deu mais tempo.
Pelo seu evidente potencial em
matéria de correcção de assimetrias no território, pela disponibilidade de
investimento público que criam, os fundos comunitários, merecem particular
atenção. Mas as lógicas/critérios/objectivos decididos na aplicação dos fundos,
a centralização e governamentalização acrescida na sua gestão, a «descoberta»
de que o País não já não precisa de infra-estruturas físicas, a focagem quase
obsessiva na competitividade empresarial, as restrições no volume de fundos
postos à disposição das autarquias e suas associações, terão como resultado que
o Portugal 2020, tal como os quatro anteriores Quadros Comunitários de Apoio,
vai reproduzir o mapa das desigualdades regionais no País.
*O Diário.info | Este artigo foi
publicado no “Avante!” nº 2302, 11.01.2018
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