Neste mês de fevereiro igualam-se
o período de existência da barreira entre as duas Alemanhas e o transcorrido
desde sua queda. Mas as velhas fronteiras entre Leste e Oeste perduram, opina o
jornalista Marcel Fürstenau.
Marcel Fürstenau* (av) | opinião
Eu cresci com a presença do Muro
de Berlim, ele ficava a só umas centenas de metros do meu playground. Na
adolescência – nesse meio tempo, nós tínhamos nos mudado –, eu olhava pela
janela da cozinha para o outro lado, para o leste de Berlim.
Eu estava cercado, mas me sentia
livre. E não era só autossugestão, pois podia viajar para toda parte, a
qualquer momento. Até mesmo para a Alemanha Oriental (RDA), onde viviam nossos
compatriotas que não podiam vir até nós. A não ser que fossem aposentados.
Quando, em 13 de agosto de 1961,
foi construída aquela monstruosidade, com seus 160 quilômetros de extensão, eu
ainda não existia, só vim ao mundo um ano e pouco mais tarde. Portanto o Muro
era mais velho, mas eu sobrevivi a ele.
Agora eu já existo há quase o
dobro do tempo que a "muralha antifascista" – assim os governantes da
Alemanha comunista denominavam sua misantrópica, mortal construção, que
corajosos cidadãos do Leste fizeram após insuportavelmente longos 28 anos, dois
meses e 27 dias. E neste 5 de fevereiro completa-se exatamente esse mesmo tempo
que o Muro de Berlim é história.
Portanto ele não existe mais,
exceto alguns restos que foram preservados. E que são também necessários para
dar à posteridade ao menos uma ideia das consequências que muros podem ter
sobre os seres humanos, consequências que costumam perdurar ainda por muito
tempo.
O elemento desagregador do
passado se torna presente quando eu converso com antigos cidadãos da RDA sobre
a vida deles na Alemanha unificada; quando, por exemplo, eles reclamam,
geralmente com razão, de suas aposentadorias mais baixas. É vergonhoso elas
ainda não terem sido integralmente equiparadas, passados mais de 28 anos da
queda do Muro.
Não me espanto nem um pouco que
muitos alemães-orientais continuem se sentindo como cidadãos de segunda classe.
Nunca entendi por que das elites da RDA foram substituídas, em sua maioria, por
gente do Oeste.
No caso de funcionários
especialmente contaminados pela ideologia política, percebo a motivação, óbvio.
Mas a purgação em empresas, universidades, ciência e cultura foi, para o meu
gosto, muito mais além da medida absolutamente indispensável. Em pleno 2018, a
presença alemã-oriental nos postos de liderança de todos os setores da
sociedade está muito abaixo da média.
Devo considerar um consolo o fato
de há 13 anos a minha chefe de governo ser Angela Merkel, socializada na
Alemanha Oriental, porém nascida em Hamburgo? Não estou sendo tão sarcástico
quanto pareça: pelo contrário, tenho plena convicção que teríamos avançado
muito mais em termos de reunificação interna se houvesse mais gente do tipo de
Merkel nas funções mais altas. Esse foi um dos motivos por que lamentei Joachim
Gauck não ter se candidatado para um segundo mandato presidencial, em 2017.
No que se refere a um outro campo
da política, há muito parei de querer entender: refiro-me à consequente
marginalização do partido A Esquerda, originário da RDA. Até hoje os
conservadores cristãos da CDU/CSU no governo se recusam a apresentar propostas
em conjunto com os esquerdistas – o caso mais recente foi o debate sobre o
antissemitismo, em meados de janeiro.
Esse é um tema em que todas as
bancadas – excetuada a da Alternativa para a Alemanha, de tendência
ultradireitista – estão de acordo: o antissemitismo deve ser incondicionalmente
repudiado. Ainda assim, democrata-cristãos e social-cristãos se recusaram a
unir forças com A Esquerda. Nesse momento, o mais tardar, eu teria desejado uma
intervenção decidida de Angela Merkel, enquanto chanceler federal e líder da
União Democrata Cristã (CDU)!
Para mim não há dúvida: quem até
os dias atuais rejeita toda uma ala política em razão de suas raízes
históricas, carece de maturidade democrática. É assim que se cimentam muros
mentais num país em que o Muro de concreto caiu em 9 de novembro de 1989 –
portanto 28 anos, dois meses e 27 dias atrás.
A atual data, em que essa
barreira completa exatamente o mesmo tempo de não existência do que de pé,
seria o momento ideal para também demolir os últimos muros nas cabeças. Os
jovens nos mostram como isso é possível: para a grande maioria deles, Leste e
Oeste não passam de pontos de orientação geográfica.
Recentemente celebrei na minha
família o primeiro casamento alemão-alemão – como se diria antigamente. Ambos
nasceram poucos anos antes da queda do Muro de Berlim, ele, no estado de
Baden-Württemberg, ela, na Saxônia. Hoje o casal vive em Leipzig, a cidade dos
heróis, cujos cidadãos contribuíram decisivamente para a revolução pacífica da
RDA, com seus legendários "protestos de segunda-feira".
Felizmente histórias como essa
são normais entre a geração de meus parentes mais jovens, à qual também
pertencem os meus filhos. Muitos dos mais velhos poderiam tomá-los como
exemplo, embora isso seja difícil para grande parte deles, por motivos em parte
compreensíveis.
No que se refere aos responsáveis
na política, desejo que também os últimos "guerreiros frios"
finalmente reconheçam os sinais do tempo e façam jus à própria
responsabilidade. Só aí os últimos muros também poderão cair.
*Marcel Fürstenau é jornalista da
DW
Deutsche Welle
Sem comentários:
Enviar um comentário