Pedro Carlos Bacelar de
Vasconcelos* | Jornal de Notícias | opinião
Carles Puigdemont foi preso
graças a uma operação policial desencadeada, em estreita colaboração, pelos
governos de Espanha e da Alemanha. Mas a partir de agora o seu destino não está
nas mãos dos polícias nem dos governantes dos dois países. Depois do tribunal
belga - que não encontrou motivo para deter os exilados catalães - chegou a vez
dos juízes alemães apreciarem o pedido de extradição do ex-Presidente do
governo regional da Catalunha e decidirem se o vão entregar ou não. Vão
acusados do crime de "sedição" que consiste no apelo ao derrube
violento das autoridades legítimas de um estado soberano. Porque se trata de um
"crime" tradicionalmente utilizado pelas ditaduras para perseguir a
oposição e os dissidentes em nome da "segurança do estado", este
crime foi apagado das constituições democráticas mais recentes, tal como fez a
Constituição portuguesa de 1976, e naquelas onde se manteve - como, por
exemplo, na Espanha ou na Alemanha - a sua interpretação é necessariamente
limitada pela garantia dos direitos fundamentais e ponderada com a maior
prudência no quadro dos valores do pluralismo democrático e do Estado de
direito. É uma evidência permanentemente reiterada que os dirigentes catalães
condenam a violência como instrumento da luta pela autodeterminação. Bem pelo
contrário, continuam a reclamar com inabalável determinação o diálogo com as
autoridades espanholas. Transformar as divergências políticas em crime é
indício de uma deriva perigosa e antidemocrática. Entretanto, o Comité de
Direitos Humanos das Nações Unidas já recebeu as queixas de Puigdemont e outros
dirigentes catalães presos ou exilados. Em consequência, o Governo espanhol foi
notificado para responder às acusações de violação das obrigações que assumiu
ao subscrever o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, cujo
cumprimento é fiscalizado por aquele órgão das Nações Unidas. Puigdemont acusa
as autoridades espanholas de tentarem contrariar a vontade democrática expressa
pelos eleitores e denuncia a violação do direito à liberdade de expressão,
"sem consideração de fronteiras" (artigo 19.º do Pacto
Internacional), de "reunião pacífica" (artigo 21.º) e da
"liberdade de eleger e ser eleito", e de "aceder, em condições
gerais de igualdade, às funções públicas do seu país" (artigo nº 25.º). A
Europa que tudo fez para evitar suspeitas de intrusão nos assuntos internos de
um estado membro, por quanto tempo se vai manter silenciosa? A situação dos
presos políticos catalães não é compatível com a proteção internacional dos
direitos humanos nem com a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
Aguardemos, pois, a sentença dos tribunais alemães.
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As vidas de um espião russo e da
sua filha estão em perigo, em consequência de um atentado em Inglaterra. A
primeira-ministra britânica acusa os russos e os russos negam e dizem que a
origem do veneno só poderá ser estabelecida quando se conhecer a fórmula usada.
Entretanto, um deputado do PSD indignou-se nas redes sociais contra o Governo
português por não ter imitado os estados que expulsaram diplomatas russos,
apesar de o Ministério dos Negócios Estrangeiros ter manifestado a sua
solidariedade com a Inglaterra e com os parceiros europeus. E o deputado foi
mais longe, invocando a coragem de Sá Carneiro, numa crise dos anos 80, para
qualificar como cobarde a "moderação" do Governo do PS que, até
agora, se limitou a chamar o nosso embaixador em Moscovo. O deputado não
explica porque devia Portugal seguir o exemplo dos governos que expulsaram
diplomatas russos ao contrário dos estados europeus e dos membros da NATO que
não o fizeram. O deputado também não explica quantos diplomatas devia Portugal
expulsar para fazer boa figura. Sessenta seria suficiente? Tal como fez Donald
Trump, depois de felicitar Putin pela sua reeleição? Ou bastaria expulsar um,
imitando a Irlanda? Mas se o deputado nem sequer distingue entre a União
Soviética, extinta em 1989, e a Federação Russa, nascida muito depois da morte
de Francisco Sá Carneiro, que mais se lhe pode exigir? Que estude!
* Deputado e professor de direito
constitucional
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