José Sócrates* | Jornal de Notícias
1. Começo pelo princípio:
sou amigo de Manuel Pinho, pessoa que considero e estimo. Segundo: tenho ouvido
o que se diz sobre a sua relação com o Banco Espírito Santo durante o período
em que foi ministro do meu Governo e sobre isso tenho a dizer que a minha
primeira exigência é que o Ministério Público prove o que diz. Não, não pactuo
com a operação em curso de inverter o ónus da prova como, de forma geral, os
jornalistas e os ativistas disfarçados de comentadores têm feito: o primeiro
dever de um Estado decente é provar as gravíssimas alegações que faz seja
contra quem for, ainda que estas tenham sido, como habitualmente, feitas
através da Comunicação Social. Só para recordar o que devia ser óbvio: não é o
próprio que tem de se defender ou de provar que é honesto ou inocente; é quem
acusa que tem o dever de provar o que diz. Estranhos tempos estes em que
lembrar o princípio estrutural do Direito moderno, a presunção de inocência, se
confunde com a defesa seja de quem for.
Em terceiro lugar, desejo afirmar
que tenho Manuel Pinho por um homem honesto e incapaz de uma coisa dessas, tal
como é descrita - receber um vencimento privado enquanto exercia funções
públicas. Por essa razão recuso-me sequer a discutir hipóteses que para mim são
inadmissíveis, sem que o Estado, que o afirma, prove o que está a dizer.
Compreendo e partilho o desejo dos seus amigos e colegas de Governo de que
Manuel Pinho negue imediatamente as alegações. Não me parece que ele ignore as
responsabilidades que também tem connosco. Todavia, não sobreponho o meu desejo
de esclarecimento imediato ao seu direito de se defender de tão graves
imputações quando achar que o deve fazer. Por mais que isto custe a quem é seu
amigo e foi seu colega, é isto que a decência impõe.
Um último ponto para me defender
da ignóbil intrujice que acompanha a notícia: a ideia de que o nome de Manuel
Pinho para fazer parte do Governo me terá sido sugerido pelo dr. Ricardo
Salgado. Esta mentira tem sido há muito tempo disseminada pelo Ministério
Público e convenientemente divulgada por jornalistas, que nenhum esforço fazem
para verificar a sua veracidade. Desde logo, posso afirmar que a primeira vez
que me encontrei com o dr. Ricardo Salgado desde que fui eleito líder do PS foi
no dia 13 outubro de 2006, conforme registado na secretaria da Residência
Oficial do Primeiro-Ministro. A verdade é que nunca fiz parte do seu grupo de
amigos nem dos seus círculos sociais. A história da proximidade com o dr.
Ricardo Salgado é, portanto, falsa e disparatada.
Depois, há mais: a escolha que
fiz de Manuel Pinho como porta-voz do PS para a área da economia, e mais tarde
para o Governo, aconteceu naturalmente na decorrência da colaboração que este
há muito prestava, na condição de independente, ao PS, como conselheiro
económico do então líder Ferro Rodrigues. Foi aí, nessa condição de membro do
chamado grupo económico da Lapa (por reunir regularmente no Hotel da Lapa), que
o conheci e que desenvolvemos um trabalho comum que viria a culminar no convite
que lhe fiz. Muitas pessoas dentro e fora do PS conhecem esta história, que
desmente por completo a ficção da indicação por outros, com quem não tinha
nenhum contacto.
2 - P.S. Já depois de escrever
este artigo, ouvi Carlos César. Durante quatro anos defendi-me das acusações
falsas e absurdas que me foram feitas: a falsidade da propriedade do dinheiro
da Suíça, a falsidade sobre a propriedade do apartamento em Paris, a falsidade
sobre a PT, a falsidade sobre a Parque Escolar, a falsidade sobre o TGV, a
falsidade sobre a relação de proximidade a Ricardo Salgado. Durante quatro anos
suportei todos os abusos: a encenação televisiva da detenção para
interrogatório; a prisão para investigar; os prazos de inquérito violados
sucessivamente como se estes não representassem um direito subjetivo que não está
à disposição do Estado; a campanha de difamação urdida pelas próprias
autoridades com sistemáticas violações do segredo de justiça; o juiz expondo na
televisão a sua parcialidade com alusões velhacas; a divulgação na televisão de
interrogatórios judiciais com a cumplicidade dos responsáveis do inquérito.
Na verdade, durante estes quatro
anos não ouvi por parte da Direção do PS uma palavra de condenação destes
abusos, mas sou agora forçado a ouvir o que não posso deixar de interpretar
como uma espécie de condenação sem julgamento. Desde sempre, como seu líder, e
agora nos momentos mais difíceis, encontrei nos militantes do PS um apoio e um
companheirismo que não esquecerei. Mas a injustiça que agora a Direção do PS
comete comigo, juntando-se à Direita política na tentativa de criminalizar uma
governação, ultrapassa os limites do que é aceitável no convívio pessoal e
político. Considero, por isso, ter chegado o momento de pôr fim a este embaraço
mútuo. Enderecei hoje uma carta ao Partido Socialista pedindo a minha
desfiliação do Partido. Pronto, a decisão está tomada. Bem vistas as coisas,
este post scriptum é congruente com o que acima escrevi.
Lisboa, 3 de maio de 2018
*Ex-primeiro-ministro
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