Afonso Camões* | Jornal de Notícias
| opinião
Um famoso político, que aliás
terminou a carreira perdendo eleições, achava que a melhor maneira de adiar uma
decisão é criar um grupo de trabalho. Ele mesmo ironizava que um camelo é um
cavalo desenhado por uma comissão. O político era britânico, mas os portugueses,
uns e outros, especializaram-se na aplicação da doutrina. E um exemplo acabado
é o da descentralização.
Por mais que façamos de conta, há
quem nos tope de longe. Um correspondente da imprensa estrangeira residente em
Lisboa reportava, há dias, que "bem pode a França ficar com a fama, mas há
poucos países na Europa mais centralizados que Portugal". Apesar do
objetivo descentralizador estar inscrito na Constituição e constar dos
cardápios eleitorais de todos os partidos, as desigualdades regionais têm vindo
a acentuar-se e cavámos mais fundo o fosso na distribuição da riqueza. O
rendimento da Área Metropolitana de Lisboa representa 110% da média na União
Europeia, mas o do Norte só equivale a 64%, o do Centro, a 68% e o do Alentejo,
a 73%. E há a chaga do despovoamento e do abandono da metade interior do país
para que só teremos acordado depois das tragédias do último verão.
Aquele aperto de mãos de António
Costa e Rui Rio, a selar a "declaração conjunta sobre
descentralização", foi um bom sinal, é certamente uma das fotos do ano,
mas é poucochinho. Limitou-se, por ora, a criar mais uma comissão, a
estabelecer novos prazos e, para aquietar autarcas, assumir o compromisso de
que haverá um envelope financeiro que compense a transferência de competências
para as autarquias locais. É justo que se pague o que é devido, mas o acordo é
omisso quanto à reorganização do mapa administrativo. Da última vez que se
mexeu nele, extinguiram-se (por fusão) muitas dezenas de freguesias. Quase
sempre bem, quando se tratou de freguesias urbanas, em sedes de concelho. Mas
faltou coragem para propor a fusão de municípios, atualizando um mapa político
com quase dois séculos. Olha-se para ele e percebe-se que mais de metade dos
nossos municípios tem menos de 20 mil habitantes, ou seja, caberiam todos no
Estádio do Fontelo, em Viseu. E que um em cada 10, entre os 308 concelhos, tem
menos de 5 mil habitantes, menos do que em alguns condomínios de Gondomar ou da
Amadora, e até menos que o número de amigos que alguns juntam no Facebook. Ora,
insistir em ignorar o território e as distorções do mapa é continuar a atirar
dinheiro para cima de um problema sem o resolver, com medo dos votos que ainda
representam muitas dezenas de régulos locais e regionais que sobrevivem à custa
das suas clientelas.
*Diretor do JN
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