quarta-feira, 16 de maio de 2018

Um antídoto à propaganda ocidental sobre a Coreia

Patriots, Traitors and Empires: The Story of Korea's Struggle for Freedom

Gregory Elich [*]

A publicação do excelente novo livro de Stephen Gowan não podia ser mais oportuna. Com a Península Coreana à beira de uma grande mudança potencial, olhar para os media de referência ocidental para uma análise fundamentada é tempo perdido. Gowans presta um valioso serviço ao preencher essa lacuna situando a Coreia no seu contexto histórico, sem fazer compromissos com ideias feitas ou recorrer a formulações preguiçosas.

Uma chave para o entendimento da Coreia é a sua experiência sob a dura dominação colonial do Império Japonês desde 1910 até o fim da Segunda Guerra Mundial. Tal como foi o caso em outros lugares, alguns daqueles sob a opressão optaram por servir o poder e outros resistiram. Enquanto o Japão Imperial despachava coreanos como trabalhadores forçados para todo o seu império e lançava mulheres na escravidão sexual, levantou-se um movimento determinado de resistência, particularmente na Manchúria, onde o futuro líder norte-coreano, Kim Il-sung, era um líder guerrilheiro eminente. Muitos daqueles que posteriormente iriam preencher as fileiras do governo sul-coreano optaram por um caminho diferente e colaboraram activamente com os ocupantes japoneses.

Após o fim de Segunda Guerra Mundial, os EUA dividiram a Península Coreana ao longo do Paralelo 38º, um acto que, destaca Gowan, o povo coreana nunca desejou. A libertação do domínio japonês, sentiam os coreanos, significava que o país era seu outra vez. Comités populares surgiram espontaneamente por toda a península, pois os coreanos recém libertados queriam forjar o seu destino.

A presença soviética no norte era sobretudo não intervencionista, permitindo que os acontecimentos se desdobrassem sem obstáculos.

No sul a história foi diferente. O general dos EUA John R. Hodge, como governador militar da Coreia do Sul, juntamente com os seus conselheiros "redigiu um plano de quatro pontos para destruir o movimento pela independência". O plano apelava à construção de um exército e uma força policial a ser amplamente recrutada aos mais altos níveis entre aqueles que haviam colaborado com o imperialismo japonês. Gowans cita fontes militares dos EUA a descrever a força policial coreana sob o domínio colonial japonês como "japonizada a fundo e utilizada eficientemente como um instrumento de tirania", o que fazia destes homens uma escolha natural para as autoridades de ocupação dos EUA executarem o mesmo papel no estabelecimento de uma polícia de estado anti-comunista. Comités populares foram sistematicamente esmagados, dezenas de milhares de pessoas de esquerda foram mortas ou caçadas e aprisionadas. Para os coreanos do sul, um mestre colonial fora simplesmente trocado por outro, pois era os EUA que davam as ordens. Traidores que haviam servido os japoneses agora recebiam ordens dos americanos. "Em 1950", escreve Gowans, "entre 100 mil e 200 mil patriotas coreanos foram mortos pelas forças de ocupação dos EUA e seus subalternos coreanos".

A divisão da Península Coreana estava destinada a perdurar não mais do que um período relativamente breve, mas discussões entre os EUA e a União Soviética sobre o estabelecimento de um governo provisório não deram em nada. Os EUA abandonaram logo qualquer pretensão de respeito ao acordo sobre o pós guerra coreano. "Uma presença permanente dos EUA na Península Coreana", observa Gowan, "era demasiado atraente para que Washington deixasse a Coreia aos coreanos". Os EUA prosseguiram a fim de construir um governo separado através do lançamento de um processo eleitoral na sua zona de ocupação que foi boicotado pela maioria. No entanto, os EUA pressionaram em frente. "Os coreanos, afinal de contas, não eram o objecto a considerar", informa Gowans. "O edifício de um império global estado-unidense sim". A votação no sul foi organizada por uma força policial que era dominada pelos antigos colaboradores dos japoneses, juntamente com bandidos de direita. Sob aquelas circunstâncias, o resultado estava predeterminado.

A União Soviética retirou suas forças da Coreia do Norte de acordo com o programado, em 1948. Décadas depois, os militares dos EUA permanecem firmemente arraigados na Coreia do Sul e não mostram inclinação para deixá-la.

A divisão da Península Coreana, a qual a maior parte dos coreanos se opõe e poucos com ela se identificam, preparou o terreno para a Guerra da Coreia. Para os coreanos, a guerra foi um pesadelo brutal tornado muito pior pelo programa estado-unidense de destruição total e de aniquilação da Coreia do Norte, juntamente com uma percentagem significativa da sua população.

A Coreia do Sul sofreu longas décadas sob uma ditadura de direita. Gowans é eloquente ao descrever as duras realidades da vida sob repressão e esta secção é uma das melhores do livro. Através da luta contínua, o povo sul-coreano finalmente conseguiu romper as cadeias da ditadura, mas sob muitos aspectos a nação permanece subserviente aos EUA. Esta libertação ainda tem ser conquistada.

Durante mais de um século a história da Coreia tem sido uma luta entre as necessidades do povo e as exigências dos poderosos. Gowans coloca a Coreia no contexto da luta global pela libertação da dominação imperialista, uma perspectiva que muita luz sobre desenvolvimentos em décadas recentes.

A estrutura analítica e a informação apresentada por Gowans revela a base para a animosidade entre os EUA e os norte-coreanos e descreve um quadro muito mais complexo das relações entre os EUA e os sul-coreanos do que os que se encontram habitualmente. É razoável dizer que se tudo o que alguém saber acerca da Coreia antes de ler este livro é dos noticiários de referência, então o leitor chegará a um entendimento e apreciação muito mais profundos do combate da Coreia pela independência e auto-determinação.

Stephen Gowans não é um escritor com papas na língua ou submisso às distorções dos media de referência. Ele não faz concessões à narrativa em causa própria que é o padrão ocidental e esta é uma das razões porque o seu trabalho é tão estimulante. Gowans também se destaca pela sua investigação cuidadosa e pelo dom magistral para posicionar informação em apoio à análise lógica. Patriots, Traitors and Empires não é diferente a este respeito. O seu livro é um apelo apaixonado pela justiça, impregnado por um profundo sentimento de simpatia pelo povo coreano e a sua luta pela liberdade. 

07/Maio/2018

Patriots, Traitors and Empires pode ser encomendado à Baraka Books 

[*] Director do Jasenovac Research Institute, associado ao Korea Policy Institute, membro do Solidarity Committee for Democracy and Peace in Korea e da Task Force to Stop THAAD in Korea and Militarism in Asia and the Pacific. Seu sítio web é https://gregoryelich.org

Esta resenha encontra-se em http://resistir.info/ 

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