As maiores instalações de
petróleo do mundo estão em chamas e os EUA têm as mãos amarradas. Como os
rebeldes do Iêmen, massacrados há anos, vingaram-se e sacudiram o xadrez
político de uma das regiões mais explosivas do planeta
Pepe Escobar | Tradução: Antonio
Martins | Imagem: Sebastião Salgado
Somos os Houthis e estamos
entrando em cena. Com o ataque espetacular às duas maiores refinarias de
petróleo sauditas, em Abqaiq,
os houthis do Iêmen sacudiram o xadrez político no Sudeste da Ásia e foram tão
longe que introduziram uma dimensão totalmente nova: a possibilidade de tirar
do poder a Casa de Saud, [dinastia monárquica saudita].
Contra-ataque é uma merda. Os
houthis – xiitas zaidistas do
norte do Iêmen e os wahhabistas sauditas
estão há muito na garganta uns dos outros. O livro Tribes and Politics in
Yemen, de Marieke Brandt, é essencial para compreender a complexidade
estonteante das tribos Houthis. Além disso, ele situa o conflito no sul da
Península Árabe além de uma mera guerra por procuração entre o Irã e a Arábia
Saudita.
Ainda assim, é sempre importante
considerar que os xiitas árabes da Província Oriental [da Arábia Saudita], que
trabalham nas instalações de petróleo deste país são aliados naturais dos
houthis em combate contra Riad.
A surpreendente capacidade houthi
– de enxames de drones a ataques com mísseis balísticos – ampliou-se de modo
notável no último ano. Não foi por acidente que a União de Emirados Árabes
percebeu para que lado sopravam os ventos geopolíticos e geoeconômicos: Abu
Dhab retirou-se da guerra absurda do príncipe saudita Mohammad bin Salman
contra o Iêmen e está engajada agora no que descreve como uma estratégia de
paz.
Mesmo antes de Abqaiq, ou houthis
já haviam tramado alguns ataques contra instalações petrolíferas sauditas, além
de ataques aos aeroportos de Dubai e Abu Dhabi. No início de julho, o Centro de
Comando de Operações do Iêmen exibiu fartamente, em Sana’a [a capital do país]
seu amplo
acervo de drones e mísseis, balísticos e alados.
A situação chegou a um ponto em
que há, no Golfo Pérsico, conversa constante sobre um cenário espetacular: os
houthis investindo numa louca corrida através do deserto para capturar Meca e
medina, em conjunção com uma revolta maciça dos xiitas no cinturão de óleo do
Oriente. Não é mais algo impossível. Coisas estranhas aconteceram no Oriente
Médio. Basta lembrar que os sauditas não são capazes sequer de vencer uma rixa
de bar – e por isso, dependem tanto de mercenários.
O Orientalismo ataca outra vez
O refrão das agências
norte-americanas, segundo o qual os houthis são incapazes de tais ataques
sofisticados trai os piores traços de orientalismo e do complexo e carga de
superioridade do homem branco. As únicas partes de mísseis exibidas pelos
sauditas até agora vêm de um míssil de cruzeiro yemeni Quds1. Segundo o
general-brigadeiro Yahya Saree, porta-voz das Forças Armadas Yemenis, sediadas
em Sana’a, “o sistema Quds provou sua grande capacidade de atingir seus alvos e
despistar os sistemas de interceptação inimigos”.
As forças armadas houthis
assumiram a responsabilidade por Abqaiq: “Esta operação é uma das maiores
executadas por nossas forças no interior da Arábia Saudita e seguiu-se a uma
operação acurada de inteligência, monitoramento avançado e cooperação de homens
livres e honrados no interior do reino [saudita]”.
Repare no conceito chave:
“cooperação” no interior da Arábia Saudita – que poderia incluir todo o
espectro de iemenitas na Província Oriental xiita.
Ainda mais relevante é o fato de
que montanhas de equipamento norte-americano instaladas no interior e exterior
da Arábia Saudita – satélites, o sistema de vigilância AWACS,
mísseis Patriot, drones, navios de guerra, jatos – não viram nada, ou pelo
menos não o fizeram a tempo. O avistamento, por um caçador de pássaros no
Kuwait, de três drones supostamente dirigidos à Arábia Saudita é apresentado
como “prova”. Sinal da imagem embaraçosa de que um enxame de drones – de onde
quer que tenha vindo – voando sem obstáculos, por horas, sobre o território
saudita…
Funcionários norte-americanos admitem
abertamente que agora tudo o que importa está ao alcance dos 1500 km de alcance do novo
drone UAV-X dos houthis: campos de petróleo da Arábia Saudita, um usina nuclear
ainda em construção nos Emirados e o mega-aeroporto de Dubai.
Minhas conversações com fontes em
Teerã, nos dois últimos anos, deixaram-se seguro de que os novos drones e
mísseis houthis são, em essência, cópias de designs iranianos,
montados no próprio Iêmen com apoio crucial de engenheiros do Hezbollah.
As agências norte-americanas
insistem que 17 drones e mísseis de cruzeiro foram lançados de modo combinado,
a partir do sul do Irã. Mas radares Patriot teriam captado suas trajetórias e
os derrubado. Até agora, nenhum registro de sua trajetória foi revelado.
Especialistas em temas militares em geral concordam que o radar dos mísseis
Patriot é bom, mas sua taxa
de êxito é controversa, para dizer o mínimo. O importante, mais uma vez, é
que os houthis foram capazes de construir mísseis ofensivos. E sua acurácia em
Abqaiq é excepcional.
No momento, parece que o vencedor
da guerra da Arábia Saudita, apoiada pelos EUA e Reino Unido, contra a
população civil iemenita – este conflito que começou em março de 2015 e gerou
uma crise humanitária considerada pela ONU como de bíblicas proporções – não é
o príncipe coroado, conhecido pelas iniciais MBS.
Ouçam o general
As torres de estabilização de
petróleo cru em Abqaiq – muitas delas – foram alvos específicos, junto com
tanques de armazenamento de gás natural. Fontes do Golfo Pérsico contam que a
reparação e ou reconstrução pode levar meses. Até Riyad admitiu o mesmo.
Culpar cegamente o Irã, sem
provas, não ajuda. Teerã conta com grandes grupos de pensamento estratégico.
Eles não precisam nem querem explodir o Sudeste Asiático, algo que poderiam
fazer. Os generais da Guarda Revolucionária do Irã disseram muitas vezes, de
forma aberta, que estão prontos para a guerra.
O professor Mohammad Marandi, da
Universidade de Teerã, que tem relações muito próximas com o ministério das
Relações Exteriores, é claríssimo: “[O ataque] Não partiu do Irã. Se tivesse
partido, seria muito embaraçoso para os norte-americanos, porque mostraria que
são incapazes de detectar um grande número de drones e mísseis iranianos. Não
faz sentido.”
Marandi acrescenta: “As defesas
aéreas sauditas não estão equipadas para defender o país do Iêmen, mas do Irã.
Os iemenitas estão se tornando cada vez melhores. Desenvolvem tecnologia de
drones e mísseis há quatro anos e meio. Foi um alvo muito fácil.
Um alvo fácil e desprotegido. Os
sistemas US PAC-2 e PAC-3, instalados na Arábia Saudita, estão todos orientados
para o leste, na direção do Irã. Nem Washington, nem Riyad sabe com segurança
de onde vieram os mísseis ou enxames de drones.
Os leitores deveriam prestar
muita atenção à entrevista
arrasadora com o general Amir Ali Hajizadeh, comandante da Força Aérea
dos Guradas Revolucionários Islâmicos, do Irã. Feita em farsi (com legendas em
inglês), ela foi concedida ao intelectual iraniano Nader Talebzadeh, que está
sob sanções norte-americanas. Inclui questões sugeridas por mim e pelos
analistas norte-americanos Phil Giraldi e Michal Maloof, em quem confio.
Ao explicar a autossuficiência do
Irã em defesa, Hijazadeh parece um ator muito racional. A linha básica: “Nossa
interpretação é que nem os políticos norte-americanos, nem nossos governantes
querem uma guerra. Se um incidente como o ocorrido com o drone [refere-se, aqui
ao RQ-4N, derrubado pelo Irã em junho] ocorrer, ou se sobrevier um mal
entendido, e se isso conduzir a uma guerra em larga escala, é outro assunto.
Nesse caso, estaremos sempre preparados.”
Ao responder a uma de minhas
perguntas, sobre que mensagem os Gurdas Revolucionários querem deixar,
especialmente aos Estados Unidos, Hajizadeh não economiza palavras: “Além das
bases norte-americanas em várias regiões, como o Afeganistão, o Iraque, o
Kuwait, os Emirados e o Qatar, são nossos alvos todos os navios, até uma
distância de 2 mil km. Nós os monitoramos constantemente. Eles pensam que se se
afastarem 400 km ,
estarão fora de nosso alcance. Onde quer que estejam, basta uma fagulha. Nós
atingimos seus navios, suas bases aéreas, suas tropas.
Compre seu S-400 ou mais
No front energético
Teerã tem jogado com muito precisão, mesmo pressionada. Vende carregamentos de
petróleo, desligando os transponders de seus petroleiros quando eles
deixam seus portos e transferindo o petróleo em mar, de petroleiro para
petroleiro, à noite, pagando um pouco para recarimbar a carga como se tivesse
origem outros produtores. Confirmei isso há semanas com os traders do
Golfo Pérsico em quem confio – e todos o confirmam. O Irã pode continuar nesta
toada para sempre.
O governo Trump, é claro, sabe.
Mas o fato é que olha de lado. Para dizer em poucas palavras: foi pego numa
armadilha por sua loucura total, ao se retirar do acordo nuclear internacional
com o Irã. Busca uma saída para salvar a face. A chanceler alemã Angela Merkel
advertiu-o com todas as palavras: Washington precisa voltar ao acordo que
renegou, antes que seja tarde demais.
E aqui chegamos ao ponto de
arrepiar os cabelos.
O ataque a Abqaiq mostra que toda
a produção de petróleo do Oriente Médio, de mais de 18 milhões de barris por
dia – incluindo o Kuwait, o Qatar, os Emirados Árabes e a Arábia Saudita – pode
ser facilmente atingida. A defesa adequada contra drones e mísseis é zero. Aqui
entra a Rússia.
Eis o que ocorreu na entrevista
coletiva após o encontro de cúpula de Ancara sobre a Síria, que reuniu esta
semana os presidentes Putin, da Rússia, Rouhani, do Irã e Erdogan, da Turquia.
Pergunta: A Rússia abastecerá
a Arábia Saudita com qualquer apoio para restaurar sua infraestrutura?
Putin: Sobre este
tema, está escrito também no Corão que todo tipo de violência é ilegítimo,
exceto para proteger o próprio povo. Se for para proteger a Arábia Saudita e
seu povo, estamos prontos a oferecer a assistência necessária. Os líderes
políticos da Arábia Saudita precisam tomar uma decisão sábia, como tomaram o
Irã ao comprar o sistema de defesa contra mísseis [russo] S-300, e o presidente
Recep Tayyip Erdogan, quando comprou o último sistema S-400. Eles ofereceriam
proteção confiável para todos os equipamentos de infraestrutura sauditas.
Hassan Rouhani: Então, eles
precisam comprar o S-300 ou o S-400?
Putin: Cabe a eles decidir
(risos).
Em The Transformation of War,
Martin van Creveld previu que todo o complexo industrial, militar e de
segurança desabaria, quando ficasse claro que a maior parte de suas armas é
inútil contra oponentes assimétricos de quarta geração. Não há dúvidas de que
todo o Sul Global está observando – e de que captou a mensagem.
Guerra híbrida, reloaded
E agora entramos em uma dimensão
inteiramente nova da guerra híbrida assimétrica.
Na hipótese horrível de que
Washington decidisse atacar o Irã, animada pelos suspeitos neocons de sempre, o
Pentágono jamais poderia esperar atingir todos os drones do Irã e ou do Iêmen.
Os EUA poderiam esperar, certamente, uma guerra até o fim. E nesse caso nenhum
navio cruzaria o Estreito de Ormuz. Todos sabemos as consequências.
O que nos remete à Grande
Surpresa. A verdadeira razão por que não haveria navios atravessando o Estreito
de Ormuz é que não haveria petróleo para bombear no Golfo Pérsico. Os campos
petrolíferos, tendo sido bombardeados, estariam em chamas.
E então voltamos à linha básica
real, traçada não apenas por Moscou e Pequim mas também por Paris e Berlim.
Donald Trump apostou por muito tempo – e perdeu. É preciso encontrar uma saída
que lhe salve a face. Se o Partido da Guerra permitir.
Na foto: Operários contêm
explosão em campos de petróleo no Kuwait, após a guerra de 1991. Agora, os EUA
gostariam de agir contra o Irã – mas perderam tanto as condições morais quanto
o poder bélico
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