quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

A grande explosão do negócio privado da saúde em Portugal


Entre 2007 e 2017 o número de hospitais privados aumentou de 99 para 114, representando neste último ano já  50,7% do número total de hospitais existentes no país.

O grande problema é que é a saúde publica que está a financiar isto tudo.

É ao nível dos grandes grupos de saúde, alguns deles já controlados por entidades estrangeiras, (Grupos Luz, José Mello Saúde, Lusíadas, Trofa, grupo Hospitais Privados do Algarve) que se tem verificado o maior crescimento que tem engolido os pequenos e médios hospitais, assim como as velhas policlínicas, tornando os consultórios de médicos cada vez mais uma recordação do passado, e transformando a maioria dos médicos e outros profissionais de saúde (incluindo os que trabalham também  no setor publico)  em autênticos “proletários descartáveis” aos quais pagam uma percentagem do preço que cobram ao doente, ou por peça (ex. por cada operação que fazem), sem qualquer vinculo de trabalho permanente.

Morte anunciada da ADSE e SNS

Esta explosão do negócio da saúde em Portugal, tem sido feita fundamentalmente à custa do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e das suas dificuldades e dos subsistemas públicos de saúde, nomeadamente da ADSE, que os financiam.

O próprio SNS tem financiado em larga escala o setor privado da saúde e fornecido trabalhadores altamente qualificados (médicos e enfermeiros) a preços baratos sem encargos adicionais para os grupos privados de saúde.

Os subsistemas públicos de saúde, em particular a ADSE, têm tido também um papel fundamental na promoção dos grandes grupos privados de saúde, na medida que lhes concedem um tratamento preferencial em prejuízo dos médios e pequenos prestadores que muito dificilmente conseguem assinar uma convenção com a ADSE e que são engolidos pelos grandes grupos.

Recorde-se que só os Hospitais PPP custaram ao SNS 444 milhões em 2018 e, em 2019, essa fatura passada pelos grandes grupos de saúde ao SNS subirá para 474 milhões de euros, ou seja, um crescimento de 6,8%, o que é 7,6 vezes superior ao aumento percentual dos rendimentos do SNS em 2019 que foi apenas de 0,9%.

O SNS como fornecedor de mão de obra barata aos grandes grupos de saúde

A promiscuidade público-privada dos profissionais de saúde que trabalham simultaneamente no SNS e nos grandes grupos privados, tem contribuído também para a baixa produtividade e mesmo para a desresponsabilização que se verifica em muitas áreas do SNS, consentida e até promovida pelos sucessivos governos que se têm recusado a acordar com os representantes destes profissionais remunerações e carreiras dignas em troco da exclusividade.

Quem conheça a forma de funcionamento de pequenos, médios mas fundamentalmente dos hospitais dos grandes grupos privados de saúde sabe bem que eles possuem um reduzido corpo clínico próprio permanente, que designam por “médicos e enfermeiros residentes”.

Para além destes  possuem uma enorme carteira constituída por centenas de médicos e também de enfermeiros que trabalham no SNS, a quem  recorrem apenas quando têm serviço  (consultas, operações etc.), e a quem pagam normalmente à peça (por ex. um preço por operação que realizam que constitui apenas uma parcela que recebem do doente) ou à percentagem (por ex. 70% do preço cobrado ao doente por uma consulta ou 20% por um TAC).

Os grandes grupos privados de saúde têm acesso a trabalhadores altamente qualificado a um preço muito baixo (trabalho barato e altamente precário) devido à existência do SNS, à ausência de remunerações, carreiras e condições de trabalho dignas no SNS causado pelo seu sub-financiamento crónico, e à ausência de exclusividade e à  má gestão e baixa produtividade que lhes  estão naturalmente associadas.

Os grandes grupos privados da saúde, é preciso ter a coragem de o afirmar com clareza, só têm conseguido prosperar, e desenvolver-se da forma como tem acontecido em Portugal à custa do SNS, nomeadamente dos seus profissionais e dos seus recursos financeiros, empobrecendo naturalmente o serviço público de saúde.

SNS é viável

Apesar de tudo o SNS é viável e tem feito o seu trabalho com a população. Como revela a OCDE, em 2016, a esperança de vida em Portugal era de 81,3 anos, enquanto a média nos países da União Europeia era de 81 anos.

Os indicadores apresentados, que são os mais utilizados para avaliar os ganhos de saúde, revelam que, apesar dos ataques ao SNS, Portugal continua a apresentar valores mais favoráveis. No entanto, se a situação não se inverter é evidente que a saúde dos portugueses, que enfrentam já graves dificuldades no acesso a serviços, se degradará rápida e inevitavelmente.

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