quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Será que vai haver eleições antecipadas em Timor-Leste?


O Orçamento Geral de Estado para 2019, no valor de 2,13 mil milhões de USD, o mais elevado de sempre, poderá ser vetado pelo Presidente da RDTL, Francisco Guterres / Lu´Olo. Se tal acontecer, ainda este ano, poderão realizar-se eleições legislativas antecipadas.

M. Azancot de Menezes | Jornal Tornado

O Presidente da República Democrática de Timor-Leste (RDTL), desde o dia 7 do corrente mês, iniciou uma ronda de consultas junto de vários líderes partidários, representantes de igrejas e de outras forças vivas da sociedade para melhor fundamentar a sua decisão em relação ao gigantesco Orçamento Geral de Estado para 2019 (OGE para 2019).

Polémica em torno do consórcio do Greater Sunrise

A dimensão do valor elevado do OGE para 2019, na ordem dos 2,13 mil milhões de USD, é explicada pela coligação partidária governamental, constituída pelo CNRT, PLP e KHUNTO, como uma necessidade para a compra das acções da Shell, num valor de 300 milhões de USD, e para a participação da Conoco Phillips, no valor de 350 milhões de USD, as duas companhias que integram o consórcio do Greater Sunrise.

Os partidos políticos que não integram a coligação governamental, onde se inclui o maior partido de Timor-Leste, a FRETILIN, questionam os valores financeiros e a transparência de todo o processo do envolvimento da Shell e da Conoco Phillips, nomeadamente porque implica a integração de um valor muito avultado no OGE para 2019.


A sociedade timorense vive, por isso, mais um momento de muita tensão. Se o Presidente da RDTL vetar o orçamento, obrigatoriamente terá que o fazer até 23 de Janeiro, este voltará ao Parlamento Nacional para ser reapreciado. Contudo, como para a sua reaprovação a coligação governamental precisaria de dois terços (43 dos 65 deputados), apesar de não ser impossível, tratando-se de uma meta muito difícil de se concretizar, o Parlamento Nacional, nos termos da Constituição da RDTL, sem Orçamento aprovado, teria que ser dissolvido e convocadas novas eleições.

A confirmar-se este cenário de eleições antecipadas para este ano, o panorama político-partidário mudaria bastante, com o surgimento de novas coligações partidárias e o provável ponto final de algumas das coligações actualmente existentes.

Timor-Leste precisa de novas políticas sobre os recursos petrolíferos e minerais

O Ponto 1 do Artigo 139.º (Recursos naturais) refere que:

Artigo 139.º (Recursos naturais)

Ponto 1

os recursos do solo, do subsolo, das águas territoriais, da plataforma continental e da zona económica exclusiva, que são vitais para a economia, são propriedade do Estado e devem ser utilizados de uma forma justa e igualitária, de acordo com o interesse nacional”.

As políticas actuais e a legislação em vigor sobre os recursos petrolíferos, concretamente, a Lei do Fundo Petrolífero e a Lei das Actividades Petrolíferas precisam de ser reformadas para que Timor-Leste possa beneficiar dos seus recursos, nos termos constitucionais, nomeadamente a garantia de concretização do Artigo 139.º, para garantir o desenvolvimento nacional.

O benefício dos recursos para Timor-Leste, com novas políticas do Estado e com nova legislação, terá implicações positivas em todos os sectores da sociedade, a atravessar momentos muito complicados, com múltiplos e diversos pontos de constrangimento, que ocasionaram a paralisação quase total do país.

A constatação deste meu triste sentimento é visível nos problemas tremendos existentes, ao nível do desenvolvimento económico e do progresso da educação e da investigação científica, apenas para citar estes dois sectores estratégicos.

Um modelo de desenvolvimento económico com valores timorenses

Sobre o sector económico, tomo a liberdade de partilhar alguns pensamentos de Avelino Coelho da Silva, com quem conversei há dias a propósito da situação política vivida no país. Na opinião deste líder partidário, grande nacionalista leste-timorense, o solo nacional é fértil e a mão de obra é jovem, contudo, por falta de incentivos, muitas zonas férteis estão por cultivar e muita mão de obra jovem prefere emigrar para outros Países em busca de emprego.

O que nós devemos fazer é questionar, será que estamos aptos para abordar uma estratégia que torna a agricultura e a nossa indústria artesanal como base e motores do desenvolvimento sustentável? Será que a nossa legislação para este sector é suficientemente objectiva?

Na opinião de Avelino Coelho, os líderes políticos de Timor-Leste devem sentar-se a uma mesa para debater estas questões e o Estado deve repensar a construção de um Novo Modelo de Desenvolvimento Agrícola do País.

As agências internacionais concebem programas para serem implementados em território nacional, note-se, sem consulta local, deslocados da realidade, programas previamente fabricados pelos “peritos” internacionais, pretensamente para o desenvolvimento de infraestruturas nas áreas rurais, com o envolvimento das comunidades locais (agricultores, pescadores, criadores de gado, etc…), nas obras de construção e reabilitação, tais como estradas e pontes.

Estes projectos e programas, que supostamente deveriam ser medidas correctas para a criação de emprego e combate à pobreza, não resolverão nunca o problema de fundo porque, desde logo, estas medidas são temporárias, não contribuindo eficazmente para a resolução sustentada da situação do desemprego e na redução da pobreza. Uma outra razão adicional é explicável porque o desenvolvimento económico que se propõe não toma em devida consideração os valores timorenses.

Novos paradigmas e acções para o progresso da educação e da investigação em Timor-Leste

Os pontos de constrangimento no sector da educação, e no domínio da investigação, na sua maior parte, já foram identificados por especialistas nacionais. Agora, é preciso vontade política e trabalhar com espírito nacionalista e patriótico para vencer e ultrapassar esses pontos de constrangimento.

No âmbito do ensino, para além da formação contínua, é necessário haver um incremento substancial da formação inicial de professores tendo presente que deve haver outro paradigma de formação, consentâneo com uma sociedade em mudança, em contexto global e local.

O (novo) docente timorense tem que assumir uma postura diferente, reformulando os seus modelos e métodos de ensino, no pressuposto de que o processo de ensino-aprendizagem deverá centrar-se no desenvolvimento de competências do estudante promotoras de pensamento crítico, tal como é mencionado na Lei de Bases da Educação do país.

A aposta na educação, a começar no pré-escolar, está esquecida e marginalizada. Se alguém tiver dúvidas a este respeito, eu pergunto:

Onde estão os educadores de infância, a não ser os portugueses que estão no «Centro de Aprendizagem e Formação Escolar» (CAFE), devidamente habilitados em termos científicos e didáctico-pedagógicos, e em número suficiente para garantir a educação pré-escolar em Timor-Leste?

A educação está tão mal que nem sequer há uma política de manuais escolares com medidas legislativas que garantam a avaliação, certificação e disponibilização de manuais escolares com protecção para as famílias mais vulneráveis que vivem nas zonas rurais e nos pontos mais pobres do país.

Ao nível do Ensino Superior, devido à ausência de políticas bem delineadas ou mesmo inexistentes, não havendo uma perspectiva correcta de se pensar este nível de ensino, a investigação científica é muito reduzida ou praticamente nula, e não se enquadra nos níveis exigidos pela comunidade científica internacional.

Para o desenvolvimento da Ciência e Tecnologia no país, é imprescindível proceder-se a um inventário da actividade de pesquisa realizada e fazer o registo dos estudos científicos nacionais e internacionais da autoria de nacionais ou estrangeiros.

Os decisores políticos terão que ter uma visão estratégica no sentido de compreender e assumir, no espírito e na letra, que a educação e a investigação são o motor de desenvolvimento de qualquer país.


*Com mais imagens em Jornal Tornado

Timor-Leste | Parlamento timorense reaprova alterações vetadas pelo Presidente da República


Díli, 10 jan (Lusa) -- O Parlamento Nacional timorense reaprovou hoje, perante a ausência da maior bancada da oposição, um conjunto de várias e polémicas alterações à lei de operações petrolíferas, vetadas pelo Presidente da República, e que têm agora que ser promulgadas.

Em causa estão, entre outras mudanças, o fim do limite de 20% à participação máxima que o Estado pode ter em operações petrolíferas e a introdução de uma exceção ao regime de visto prévio da Câmara de Contas.

O objetivo é permitir que o Estado concretize, através da petrolífera Timor Gap, a compra de 350 milhões de dólares (312 milhões de euros) pela participação da ConocoPhillips e de 300 milhões pela participação da Shell no consórcio do Greater Sunrise em que, quando a operação se concretizar, Timor-Leste passará a ter uma maioria de 56,56%.

As alterações foram vetadas pelo Presidente da República, Francisco Guterres Lu-Olo, e reapreciadas hoje numa sessão plenária extraordinária, onde a bancada da Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (Fretilin) decidiu não participar.

As mudanças foram reaprovadas com 41 votos a favor e apenas um contra, do deputado Adriano do Nascimento (Partido Democrático), que em declaração de voto disse contestar a eliminação do visto prévio da Câmara de Contas.

Vários deputados que votaram a favor defenderam a decisão por considerarem que as mudanças beneficiam o Estado timorense, reforçando a soberania do país e o controlo dos seus próprios recursos.

As alterações vão voltar a ser enviadas para o Presidente da República que terá oito dias para as promulgar.

ASP // JMC

Leia mais em TIMOR AGORA sobre o relacionamento em crise entre o governo, a maioria parlamentar e o Presidente da República, em português e em tétum

Secretário-executivo da CPLP quer "avanços muito concretos" na mobilidade


Praia, 10 jan (Lusa) -- O secretário-executivo da CPLP reconheceu hoje que o interesse da organização a nível internacional" não é tão evidente junto das populações dos Estados-membros e prometeu esforçar-se para "avanços muito concretos" na mobilidade dos cidadãos lusófonos.

Francisco Ribeiro Telles falava durante a sessão solene de abertura da VIII reunião da Assembleia Parlamentar da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (AP-CPLP), que decorre hoje e sexta-feira na capital de Cabo Verde.

O embaixador referiu que o interesse que a CPLP granjeia a nível internacional é hoje demonstrado no número de países observadores - 18 e a Organização dos Estados Ibero-Americanos.

Este interesse, referiu, "parece não ser tão evidente no plano interno junto das populações dos Estados-membros", disse.

"Em diversas vezes, responsáveis políticos da nossa organização têm expressado o desejo de aproximar a CPLP dos cidadãos. Também as pessoas querem e desejam cada vez mais resultados práticos da ação da CPLP", acrescentou.

Francisco Ribeiro Telles recordou que a última conferência realizada em Cabo Verde, em julho de 2018, "consagrou as pessoas, a cultura e os oceanos como os temas".

"A mobilidade é essencial para fomentar o relacionamento mútuo, não só entre as pessoas, mas também entre os Estados. É um processo gradual, ao qual vamos adicionando novas iniciativas, ao mesmo tempo que procuramos aperfeiçoar instrumentos que já existem", referiu.

O secretário-executivo da CPLP deixou uma garantia aos cerca de 120 participantes nesta AP-CPLP: "Não pouparei esforços para que, juntamente com a presidência cabo-verdiana, este processo possa ter avanços muito concretos nos próximos dois anos".

O embaixador sublinhou depois o empenho da comunidade em áreas como a luta contra a violência sobre mulheres e meninas -- objeto de uma declaração que será aprovada na sexta-feira e contra o trabalho infantil.

Na sua intervenção, o presidente da Assembleia Nacional de Cabo Verde, Jorge Santos, anfitrião do encontro e que se prepara para assumir a liderança da AP-CPLP, sucedendo ao brasileiro Rodrigo Maia, reafirmou a necessidade de se proporcionar "aos cidadãos melhores condições de mobilidade e intercâmbio, o que significa remover os constrangimentos que ainda condicionam uma melhor convivência e conhecimento mútuo".

"Torna-se necessário vencer de forma permanente e sustentável os obstáculos que ainda impedem a livre circulação dos cidadãos e bens no espaço da CPLP", disse.

Para Jorge Santos, "é fundamental que se proporcione condições de intercâmbio entre jovens, entre artistas, entre homens de cultura, entre empresários, entre universidades e entre organizações da sociedade civil, no espaço da CPLP".

"É ainda fundamental que se encontre formas de promoção e conquista de mercados, de investimentos específicos para o espaço da lusofonia, criando um ambiente de negócios favorável para o incremento de atividades empresariais comuns na nossa comunidade", acrescentou.

O Presidente da República de Cabo Verde e da Conferência de Chefes de Estado e de Governo da CPLP, Jorge Carlos Fonseca, anunciou durante a sua intervenção que, no âmbito da presidência cabo-verdiana da comunidade, foi já elaborado um plano de ações que dão corpo ao programa, com vários projetos e ações já concebidos.

Estes projetos deverão ser submetidos em fevereiro e apreciados com vista à sua execução.

O objetivo, disse o chefe de Estado, é permitir que, no final da presidência cabo-verdiana, a comunidade possa registar avanços concretos, correspondendo às expectativas dos cidadãos.

"Uma comunidade mais de pessoas do que de Estados, mais de cidadãos do que instância política" é o que Jorge Carlos Fonseca deseja ver concretizado.

Esta Assembleia Parlamentar da CPLP arrancou com um momento cultural, com a cantora Cremilda Medina a interpretar duas mornas, em apoio da candidatura deste género musical a Património Imaterial da Humanidade.

A passagem de testemunho do presidente da AP-CPLP, atualmente a cargo do brasileiro Rodrigo Maia, foi adiada para sexta-feira, uma vez que, por razões de trabalho parlamentar no seu país, este só chegará a Cabo Verde ao final do dia de hoje.

Para a tarde de hoje está agendada a sessão plenária da AP-CPLP, na qual cada parlamento poderá realizar uma intervenção.

Na sexta-feira, os trabalhos serão retomados com uma sessão plenária e a apreciação de aprovação de deliberações, entre as quais a composição das comissões permanentes e uma declaração pelo combate a todas as formas de violência contra as mulheres e meninas.

Neste dia será igualmente escolhido o país que acolherá a próxima reunião da AP-CPLP e apreciado e aprovado o plano de atividades para o mandato 2019-2020.

Na sessão de encerramento será apresentada a declaração final da VIII AP-CPLP.

SMM/RYPE // JH | Imagem: Francisco Ribeiro Telles

Brasil | O gaúcho João Cândido: o grito libertário contra a chibata



A Abolição da Escravatura (1888) ocorreu sem inclusão social, restando aos libertos –considerados cidadãos de terceira classe - a pobreza, o subemprego e a marca indelével de 400 anos de escravidão. Este contexto, marcado pela exclusão e invisibilidade social, foi denominado de Brasil Inconcluso pelo saudoso historiador Décio Freitas (1922-2004).
   
No Brasil, entre outras contribuições, o samba se constitui numa herança musical do negro, representando uma das formas da sua resistência cultural.  “O Mestre-Sala dos Mares” (1975), de João Bosco e Aldir Blanc, é um relicário desse gênero musical, cuja letra foi censurada no regime militar (1964-1985) por trazer a público a figura libertária de João Cândido Felisberto (1880-1969) - o Almirante Negro - personagem que a história oficial soterrou nos porões da memória nacional. Entre outras alterações na letra, destacam-se a substituição de marinheiro por feiticeiro e navegante no lugar de almirante.
Ao iniciar este Ano Novo, período que antecede ao Carnaval, é importante que nos lembremos do magistral samba de cunho sociopolítico que evoca a figura do herói negro João Cândido. Esta composição poderia, também, ser batizada com o título de “Mestre-Sala da Liberdade”, devido à sua luta contra a opressão, a injustiça e o desrespeito à dignidade humana. Na escola de samba, o mestre-sala corteja e protege a porta-bandeira. No caso do “Almirante Negro”, ele defendeu a porta-bandeira da liberdade no bailar das águas.

Nascido, em Encruzilhada do Sul, no Rio Grande do Sul, em 24 de junho de 1880, João Cândido era filho dos negros libertos João Felisberto e Inácia Cândido Felisberto. Na condição de marinheiro, ele dedicou quinze anos da sua vida à Marinha de Guerra do Brasil. Em 2019, completará 139 anos do seu nascimento.

À noite, no dia 22 de novembro de 1910, ano em que cruzou os céus o Cometa Halley, eclodiu, no Rio de Janeiro, então Capital Federal, a Revolta da Chibata devido aos castigos corporais sofridos pelos marujos. Marcelino Menezes foi punido, com 250 chibatadas, no encouraçado Minas Gerais. Revoltada com a cena de maus tratos, a marujada, composta por 90% de negros pobres, rebelou-se sob a liderança de João Cândido, estendendo-se o motim a outros navios. 

Cerca de 2.300 homens comandaram os navios de guerra, direcionando mais de 80 canhões para o Palácio do Catete. Além da anistia, os marujos exigiam, também, o fim dos castigos, aumento do soldo e redução da carga horária. No dia 25 de novembro de 1910, o presidente Hermes da Fonseca (1855-1923) lhes concedeu anistia, porém, três dias depois, decretou as expulsões da Marinha e prisões. Os marujos, confiantes no acordo realizado, devolveram os navios a seus legítimos oficiais, porém foram traídos.
   
Acusados de um segundo levante, dezoito líderes foram presos na solitária do Quartel da Ilha das Cobras. João Cândido e outro marujo foram os únicos a sobreviverem. Os outros dezesseis companheiros, que se encontravam na prisão, morreram sufocados devido à evaporação da cal que, misturada à água, era utilizada para lavar o local.

No ano de 1911, o Almirante Negro foi internado como louco devido ao choque de presenciar a morte de seus companheiros de luta. Ao obter alta, retornou para a prisão da Ilha das Cobras, saindo em 1912. Viveu o resto da sua vida existência pobre, como estivador e vendedor de peixe na praça XV do Rio de Janeiro. Casou-se três vezes, teve onze filhos e faleceu, aos 89 anos, em 06 de dezembro de 1969, vítima de câncer.

Em 1959, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul concedeu uma pensão de dois salários para o marinheiro gaúcho. A pensão foi o único dinheiro que João Cândido recebeu dos cofres públicos, após a revolta de 1910, para sustentar a sua família.

No mês de março de 1964, João Cândido recebeu o convite da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil, sob a liderança de José Anselmo dos Santos – agente infiltrado dos órgãos de repressão brasileiros –, para participar do histórico encontro do Sindicato dos Metalúrgicos no Rio de Janeiro. Reunindo cerca de duas mil pessoas,  segundo historiadores, foi um verdadeiro estopim para o golpe militar de 64.

Naquela ocasião, junto a Leonel Brizola (1922-2004), então deputado federal, João Cândido presenciou discursos inflamados. Alguns discursos, acerca da melhoria na alimentação dos barcos e revisão dos regulamentos da Marinha, eram velhos na memória do marinheiro. Outras questões, de cunho político, contra o governo, causavam-lhe desconfiança. Ao encerrar o palavrório, o velho marinheiro disse a frase que entraria para a história dos movimentos sindicais e seria lembrada por vezes: “revolta de marinheiro só dá certo no mar”.

Porto Alegre - a capital dos gaúchos – presta a sua homenagem a João Cândido, por meio de um busto criado por Vasco Prado (1914-1998), no Parque Marinha do Brasil. Essa é uma réplica de outro que se encontra na tradicional Sociedade Floresta Aurora, fundada, em 1872, por negros alforriados. Esta sociedade voltada, principalmente à comunidade afrodescendente, é considerada, no gênero, a mais antiga do Brasil em atividade.

O Museu da Comunicação Hipólito José da Costa (Musecom), instituição fundada, em setembro 1974, em Porto Alegre, (RS) guarda e preserva, em sua hemeroteca, jornais e revistas deste período, nos quais o pesquisador tem a oportunidade de constatar a forma como a Revolta da Chibata (1910) foi divulgada na época. Um exemplo, do registro desta história, é a revista “Careta”, de 10 de dezembro de 1910, que faz parte do acervo desta Instituição. Nela se encontra uma charge com o título “A disciplina do futuro: Eu to vendo que nom guento ocês sem chibata”. Nela oficiais de carreira reverenciam a figura de João  Cândido no Encouraçado Minas Gerais. Atualmente, o Museu é dirigido pela jornalista Elizabeth Corbetta.

Em julho de 2008, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a anistia póstuma ao marinheiro João Cândido Felisberto, líder da Revolta da Chibata (1910). Desde 2002, a anistia havia sido proposta pela senadora Marina Silva (PT-AC). Numa solenidade, em 20 de novembro de 2008 - “Dia da Consciência Negra”, com a ausência da Marinha e do Ministério da Defesa, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reinaugurou, no Rio de Janeiro, à beira-mar, a estátua do “Mestre Sala dos Mares”: o marinheiro João Cândido Felisberto.

Devido à resistência da Marinha, a estátua em bronze demorou meses até ser transferida para Praça XV, no centro do Rio de Janeiro. Seu local de origem era o Museu da República. Graças à atuação do ministro da Igualdade Racial, Edson Santos, a transferência foi efetivada. Durante o evento, o ministro declarou:“É uma medida emblemática na luta contra o racismo e pela Igualdade Racial, quando comemoramos 120 anos da Abolição da Escravatura. João Cândido é um herói negro do Brasil”.

*Pesquisador e coordenador do setor de imprensa do Musecom


Imagens: 
João Cândido (1880-1969)
Estátua de João Cândido, na Praça XV , no RJ

Bibliografia
BRAGA, Cláudio da Costa. 1910 – O Fim da Chibata – Vítimas ou Algozes. Rio de Janeiro: Editora Cláudio Braga, 2010.
GRANATO, Fernando. O Negro da Chibata. Rio de Janeiro: Editora Objetiva 2000.
MAESTRI, Mário. Cisnes negros: 1910: a revolta dos marinheiros contra a chibata. São Paulo: Moderna, 1998.
MARTINS, Hélio Leôncio. A revolta dos Marinheiros – 1910. Rio de Janeiro: Imprensa Naval, 1985.
MOREL, Edmar. A Revolta da Chibata. Quarta Edição. 1986. Editora Graal.

Brasil | Entenda o que levou o Ceará a mais uma crise na segurança pública


Estado vive ápice da violência, com 169 ataques em 42 cidades; sociedade civil pede políticas estruturantes

Com uma crise crônica na área de segurança pública, o Ceará tem vivido os últimos dias um clima de tensão para a população, especialmente para as comunidades da periferia.

Comércios fechados, toques de recolher, redução de frota de ônibus, linhas de transporte circulando sob o patrulhamento de policiais, interrupção de coleta de lixo e outros serviços compõem o cenário de terror que já dura uma semana e atinge a capital e mais 41 municípios do interior.

Sob ataques desde a última quarta-feira (2), o estado registrou, até o momento, 169 ações, incluindo incêndios de carros e coletivos; disparos em agências bancárias; explosões em pontes e viadutos; ataques a prédios públicos, creches, semáforos, fotossensores, ambulâncias, câmaras de vereadores, entre outros.

De um lado, o governo tenta, como medida emergencial, articular um reforço nas ações de patrulhamento, com o auxílio de homens da Força Nacional e da Polícia Militar da Bahia. Também foram nomeados novos agentes penitenciários e da PM, ao mesmo tempo em que 21 líderes de facções criminosas foram transferidos para presídios federais.

De outro lado, atores da sociedade civil organizada e especialistas defendem a adoção de outras medidas. Para o pesquisador César Barreira, coordenador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV) da Universidade Federal do Ceará (UFC), é preciso atuar em diferentes frentes.

Uma delas se refere aos investimentos na área de inteligência, de forma que o Estado tenha capacidade para frustrar as ações das facções e desarticular o crime organizado. Além disso, ele ressalta que a atuação estatal precisa ser traçada com técnica e organização.

“A questão do planejamento tem que ser feita de forma muito rigorosa, pra que nós tenhamos ações de curto, médio e longo prazos. Nós não podemos conter violência com violência. Temos que contê-la com inteligência, com racionalidade”, analisa.

Militarização

O caráter militarizado das ações implementadas pelo governo estadual também é outra preocupação dos especialistas. O pesquisador Luiz Fábio Paiva, do LEV/UFC, destaca que a utilização da Força Nacional (autorizada pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro), por exemplo, é uma ação limitada e por isso sem capacidade de promover mudanças reais no cenário da violência.

O governo afirma que o uso das tropas seria uma forma emergencial de tentar inibir a ação de facções criminosas, suspeitas da autoria dos ataques.

O contexto da violência no estado é marcado atualmente pelo fortalecimento de grupos que migraram do Rio de Janeiro e de São Paulo para o Ceará, como o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC), além da Família do Norte, surgida no Amazonas, e de facções locais. Por conta da localização geográfica, a capital cearense é considerada estratégica para a rota do tráfico internacional de drogas.

Contexto

Os ataques tiveram início na última quarta (2), após uma declaração do novo secretário de Administração Penitenciária, Mauro Albuquerque, de que o estado iria promover mudanças nos presídios, como a proibição da entrada de celulares.

Ele também anunciou que acabaria com a prática de divisão de presos conforme a facção criminosa, o que tenderia a prejudicar a articulação do crime organizado. Como resposta, as facções iniciaram a série de ataques, que contabiliza, até esta quarta-feira (9), 215 pessoas capturadas, entre detidos e apreendidos.  

Entre outras medidas, o governo estadual deslocou policiais civis dos trabalhos de investigação para o patrulhamento de rua, que agora conta também com cerca de 200 agentes da Força Nacional. O pesquisador Fábio Paiva ressalta, no entanto, que a ação das polícias e especialmente da Força Nacional tem caráter pontual e superficial.

“Obviamente, a Força Nacional garante um apaziguamento porque há maior presença de efetivo policial. No entanto, ela não tem poder nenhum de resolver os problemas que geram o crime e a violência no estado. Quando ela sair, todos esses problemas vão continuar. Inclusive, durante o período em que ela permanecer, é muito provável que esses coletivos [facções] continuem com o processo de agenciamento de jovens, formando fileiras e aguardando o momento para voltarem a demonstrar sua força”, aponta o professor.

Iniciativas de políticas públicas

Em 2015, ao assumir o primeiro mandato, o atual governador, Camilo Santana (PT), lançou o programa “Ceará Pacífico”, voltado à execução de diferentes projetos intersetoriais que envolveriam reforço de efetivos do Estado, atuação policial com caráter comunitário e oferta de serviços públicos nas áreas social e de segurança. 

O foco era voltado para territórios de alta vulnerabilidade. Entre outras coisas, as ações envolveriam parcerias com o setor privado e com a Prefeitura de Fortaleza.

A ideia do Ceará Pacífico seria, entre outras coisas, reduzir a vulnerabilidade das comunidades-alvo para evitar a captura de jovens pelo crime organizado, articulador do tráfico de drogas. O trabalho, no entanto, não conseguiu atingir o horizonte esperado. É o que afirma Adriano Almeida, do Fórum Popular de Segurança Pública do Ceará, que reúne entidades, movimentos populares e outros atores.

Atuante no Grande Bom Jardim, uma das áreas mais violentas de Fortaleza, Almeida aponta que o estado não teria conseguido suprir com eficiência as necessidades diagnosticadas para o lançamento do programa, como, por exemplo, uma maior articulação entre as forças estatais e os territórios mais vulneráveis.

“A perspectiva comunitária, de diálogo com a sociedade civil e os movimentos populares, foi totalmente modificada. Durante o processo, a perspectiva militarizada alterou o caráter e o escopo geral do programa. A concepção primeira e a atual são totalmente diferentes”, afirma.

Juventude

Caio Feitosa, da coordenação da ONG Centro de Defesa da Vida Herbert de Souza, que atua em bairros periféricos da capital cearense, sublinha que jovens são considerados o público mais vulnerável à atuação do tráfico de drogas. Por conta disso, acabam se tornando alvo certeiro da violência.

Em Fortaleza, por exemplo, cerca de 50% dos homicídios se concentram em 17 bairros, todos de alta vulnerabilidade, segundo diagnóstico do Comitê Cearense pela Prevenção dos Homicídios na Adolescência. No ano passado, os assassinatos ocuparam o topo do ranking das mortes de jovens com idade entre 10 e 19 anos, com 2.053 casos.

Feitosa destaca que, em geral, as vítimas são pessoas com bastante proximidade com o círculo da violência.

“O perfil é sempre de um jovem que abandona a escola; um jovem que, ao contrario do que se diz, já tinha procurado oportunidade de trabalho, uma inserção precarizada de trabalho. É também um jovem quase sempre filho só de mãe, ou seja, tem um contexto de desassistência paterna muito grande, e mora em área de pouca infraestrutura urbana, uma moradia quase sempre muito precária e em condições de pobreza”, acrescenta o coordenador.

Diante desse cenário, o pesquisador Luiz Fábio Paiva afirma que os investimentos prioritários em políticas de segurança pública ostensiva e repressiva não teriam funcionado porque não garantem resultados na melhora da qualidade de vida, sobretudo das periferias.

Ele acrescenta que o estado carece de políticas mais estruturantes voltadas à prevenção da violência e ao bem-estar social. Entre outras iniciativas, os especialistas defendem ações enérgicas nas áreas de educação, assistência social e foco nos territórios.

“Se você não faz isso, efetivamente, você não tem solução nenhuma para um problema que é muito grave e que, infelizmente, tem sido tratado com amadorismo e bravatas”, aponta.

O que diz o governo

Em entrevista ao Brasil de Fato, o secretário-chefe da Casa Civil do Ceará, Élcio Batista, admitiu problemas levantados pelos especialistas ouvidos nesta reportagem. Ele afirmou que “as ações dentro dos territórios do Ceará Pacífico vêm ocorrendo de forma mais lenta do que o esperado”. Além disso, afirmou que há necessidade de maiores investimentos nesses locais, com ações integradas de educação, saúde, proteção social, etc.

Do ponto de vista do combate ao crime, Batista disse que haveria necessidade de maior participação do governo federal na administração do problema.

“Nos últimos 15 ou 20 anos, a ação da União foi basicamente enviar a Força Nacional para o estado e abrir vagas no sistema penitenciário federal para transferir alguns líderes de facções criminosas”, sublinha.

O secretário-chefe defende a efetivação de uma política nacional articulada entre União e estados para fazer uma repressão qualificada do crime organizado. Ele argumenta que as facções criminosas têm amplitude nacional e por isso os estados não teriam condições de encontrar, sozinhos, soluções mais efetivas para a questão.

“Estamos falando de tráfico de drogas e de armas, lavagem de dinheiro. São crimes federais. Estamos falando de questões que ultrapassaram as fronteiras do país, de crimes que são transnacionais. Esse é o grande desafio que precisa ser enfrentado, porque não estamos falando de um problema localizado no Ceará. Ele já ocorreu, nos últimos quatro anos, no Espírito Santo, no Acre, em São Paulo, no Rio de Janeiro, no Rio Grande do Sul”, finaliza.

Cristiane Sampaio | Brasil de Fato | Brasília (DF) | Edição: Mauro Ramos

Imagem: Loja de revenda de motos foi incendiada em Fortaleza (CE) durante ataques / José Cruz/Agência Brasil

Brasil | Falta uma nova esquerda para encarar Bolsonaro


Governo expõe múltiplas contradições e incapacidades. Mas para frear a ofensiva conservadora, e reconquistar as maiorias, será preciso algo que os partidos não parecem capazes de oferecer

Antonio Martins | Outras Palavras

Um enigma crucial, sobre a figura e o papel de Jair Bolsonaro, tormenta e ameaça boa parte dos que se opõem e tentam resistir a ele. O que representa, afinal, o presidente? O homem despreparado e patético, que chegou ao poder por circunstâncias extraordinárias e dele poderá ser expelido a qualquer momento, assim que o jogo político tradicional se reorganizar? Ou o poderoso representante do capitalismo contemporâneo – brutal e avassalador, capaz de transformar para pior a face do país e impor seus desígnios por largo prazo? Há vestígios destes dois personagens nos dez dias iniciais de governo, que se completam amanhã.

O Bolsonaro frágil é o presidente que anuncia uma alta de impostos para ser desmentido duas vezes, nas horas seguintes, por seus subordinados. É o falastrão que acena com uma base militar norte-americana no Brasil e ouve seu ministro da Defesa dizer que a ideia nem chegou a ser cogitada. É o ansioso que reúne todo o ministério duas vezes, em oito dias, e não é capaz de apresentar um único plano concreto. É o caótico cujos assessores apresentam a cada dia uma ideia distinta sobre a contrarreforma da Previdência. É o incauto que dá espaço para gatunagens pequenas e amadoras, [2] capazes de se transformar, em pouco tempo, em armadilhas que reduzirão seu espaço de manobra e de comprometer, no limite, a própria continuidade do governo.

Mas este aparente poço de incompetências age com força destrutiva superior à esperada, em múltiplas frentes. Os bancos públicos têm agora dirigentes claramente empenhados em liquidá-los, abrindo ainda mais espaço e negócios para a oligarquia financeira privada. Uma nova onda de privatizações – incluindo a Eletrobrás e o manejo dos rios – está a caminho, apesar das pesquisas que revelam oposição da sociedade a elas. O Consea, um raro espaço de participação social na definição das políticas públicas, foi extinto com uma penada. A demarcação de terrasindígenas e quilombolas ficará bloqueada, no ministério da Agricultura, por uma líder ruralista. Os LGBT estão excluídos da política (?) de Direitos Humanos e a educação sexual nas escolas pode ser banida, também em confronto com a maioria. O sistema S e sua vasta ação cultural permanecem por um fio. Haverá “monitoramento” das ONGs. A lista amplia-se a cada dia.

Qual dos Bolsonaros é o real? – pergunta-se. Mas talvez a dúvida decorra da falta de um elemento, na equação. É impossível conhecer a força de um governo sem testá-la. E a característica mais notável dos primeiros dez dias não está nos atos do capitão – mas no campo aberto que ele parece ter à sua frente, para agir. Os partidos da ordem tradicionais encolheram-se naturalmente, como era de esperar. A mídia e os barões das finanças fazem jogo duplo, atiçando o fúria ultraliberal do governo e buscando, ao mesmo tempo, encabrestar seus ímpetos antiestablishment. (Estas duas atitudes merecem ser analisadas em textos futuros). Porém, o mais notável é: a vasta galáxia que se opõe ao conservadorismo e ao ultracapitalismo permanece desarticulada. A esquerda institucional parece incapaz de representá-la e mesmo de dialogar com ela. Não surgiram formas alternativas de construção de solidariedades, resistências comuns e alternativas. Enquanto esta ausência persistir, será impossível tanto encarar as (anti)políticas do bolsonarismo quanto reconquistar os vastíssimos setores do eleitorado que votaram por ele sem compartilhar seu programa de retrocessos.

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O analista político e professor de Filosofia Marcos Nobre talvez tenha sido, até o momento, quem enxergou o mais longe a capacidade de Bolsonaro para governar sem barreiras. Numa série de artigos publicados na Piauí e uma entrevista concedida a El País, no final do ano passado, ele demonstrou como estão iludidos os que apostam num naufrágio inevitável do governo do capitão. A força deste, argumenta Nobre, está no colapso do sistema político, evidente desde 2013. É um fenômeno global, aliás. As instituições e as políticas que mantinham a coesão social, e a força dos partidos de centro ou adjacências, esgotaram-se. Décadas de políticas neoliberais, de corrosão dos serviços públicos, de aumento das desigualdades ou – como no caso do Brasil – de frustração de expectativas produziram um estado de desencanto profundo que abre avenidas ao antissistema (vale ler Priscila Figueiredo a respeito). Por mais precário que seja, Bolsonaro e seu entorno terão muito impulso, enquanto surfarem nesta onda.

Mas talvez tenha escapado a Marcos Nobre uma dimensão que revela a real profundidade do problema. Ele propõe, como saída, uma Concertação Democrática  que, a exemplo da frente de oposição à ditadura pós-64, esteja fortemente ancorada nos partidos. Nobre fala no PT, em Ciro, em Marina, talvez num novo “centro” armado em torno de Luciano Huck. Sugere que estes partidos “abram-se para a sociedade” por meio de instrumentos como as prévias. E frisa que esta concertação não deveria apenas defender as instituições – mas, ao mesmo tempo, consertá-las.

Há, porém, algum sinal, no Brasil, de que os partidos, da esquerda ao centro, estejam dispostos a deixar a pequenez de seus assuntos internos e a se lançar à aventura de desbravar e enfrentar o capitalismo contemporâneo? O que permite a ascensão da ultradireita não é um fenômeno superficial. A produção e as relações sociais estão, há décadas, em transformação veloz. Este processo se acelerará, com o avanço da inteligência artificial, da robótica, das edições genéticas, da nanotecnologia.

Neste cenário totalmente reconfigurado, os velhos programas de enfrentamento do capital tornam-se ineficazes. E é precisamente o impulso do capital para se expandir, para quebrar as velhas regulações que lhe impõem limites, que dá origem a fenômenos como Bolsonaro. Trump. O aumento contínuo e brutal das desigualdades humanas, que em breve chegarão à esfera biológica. A redução da internet a máquina de vigilância, comércio e controle. As execuções de milhares de adversários sem julgamento, por meio de drones, e a destruição de Estados nacionais como a Líbia – perpetradas por “centristas” ou “centro-esquerdistas” como Barack Obama, Hillary Clinton e François Hollande.

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É possível reverter esta ofensiva, que às vezes parece tão alucinante? Decerto, inclusive porque ela devasta os direitos e condições de vida das maiorias, liquida as classes médias, favorece no máximo uma minoria de 1%. Mas é preciso ter determinação para rever, de alto a baixo, os antigos programas e métodos políticos. A luta contra a opressão capitalista é cada vez mais atual. Muitas das formas que ela assumiu nos séculos XIX e XX, não.

A renovação já está em curso – mas de maneira muito embrionária. Pense no ar que se respirou nas ruas do Brasil, em centenas de cidades, em episódios como o Ele Não, os protestos contra a execução de Marielle Franco ou muitas das manifestações que tentaram impedir o golpe de 2016. Foram multidões que se autoconvocaram, provenientes de muitas constelações sociais e políticas, que se reconhecem todas em lógicas pós-capitalistas. Entre elas, a distribuição radical de riquezas, em vez do acúmulo. A reflexão sobre as relações sociais e o planeta, no lugar do trabalho e consumo alienados. Cooperar, cuidar e colaborar, muito mais que competir. O respeito às múltiplas formas de afeto. A cultura de paz.

Para mudar o mundo, não basta a enunciação de novas lógicas. Mas é delas que partem a construção de outras políticas e a formulação teórica. Talvez valha mais a pena apostar nestes embriões de alternativa real ao sistema, do que numa improvável regeneração dos partidos institucionais, para enfrentar Bolsonaro. Como no pós-64, a resistência foi tramada nas bases da sociedade, enquanto a oposição institucional rendia-se (o jornalista e ex-deputado Freitas Nobre, pai de Marcos Nobre, é uma saudosa exceção). O então MDB, único partido oposicionista tolerado, incorporou-se à luta contra a ditadura muito mais tarde, quando o ambiente social já havia mudado.

Um dia, quando tal processo avançar, surgirão aqui um Podemos, uma Frente Ampla (como a do Chile), um Bernie Sanders, um Jeremy Corbyn. Mas nenhum destes existiria sem que houvesse antes os Indignados espanhóis, os Pinguins de Santiago ou o Occupy. O Brasil, pleno de contradições e de energia, precisa criar as condições que permitirão a emergência de algo assim. Um jornalismo crítico e de profundidade pode ter um papel, neste processo.

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São Tomé e Príncipe no TOP 10 de destinos turísticos para 2019


A Globe Spots que promove os principais destinos turísticos do mundo colocou São Tomé e Príncipe no primeiro lugar no grupo de 10 principais destinos turísticos para o ano 2019.

Na sua décima primeira selecção de destinos turísticos no mundo, a Globe Spots, destaca pela segunda vez o arquipélago são-tomense como um destino misterioso a ser descoberto pelo mundo.

São Tomé e Príncipe entrou pela primeira vez no TOP 10 de principais destinos turísticos do mundo no ano 2014, mas depois saiu do TOP 10. 5 anos depois, ressurge na principal promoção mundial de destinos turístico e como primeira opção para os turistas em 2019, no grupo de 10 países.

A Globe Spots diz ao mundo do turismo, que São Tomé e Príncipe, é um mistério virgem. O arquipélago é descrito pelas praias virgens onde as tartarugas desovam coberta por floresta tropical virgem, onde despontam montanhas espectaculares.

As comunidades do interior são hospitaleiras, e cercadas por jardins exuberantes de cacau e café. «Há óptimas oportunidades para caminhadas sobre cumes de montanhas e cachoeiras. O crime é inédito», refere a Globe Spots.

Dizz também que talvez por causa das raras conexões aéreas, São Tomé e Príncipe tenha recebido poucos visitantes. Mesmo assim nasceram pequenas casas de hóspedes, pensões nas  plantações coloniais(Roças), resorts de luxo e até mesmo um restaurante gourmet.

Note-se que o Turismo, é definido pelos sucessivos governos de São Tomé e Príncipe, como sector estruturante para o desenvolvimento da economia nacional. O Novo Governo também colocou o turismo como pilar central do seu programa para os próximos 4 anos. Dados recolhidos pelo Téla Nón, indicam que está em forja a criação do Instituto Nacional do Turismo, que em médio prazo deverá substituir a Direcção Geral do Turismo.

Veja a publicação da Globe Spots –  https://www.globespots.com/top-10-destinations/2019/

Abel Veiga | Téla Nón

'Tchizé' dos Santos diz que transição não é a que Angola esperava


Em entrevista à agência de notícias Lusa, filha do ex-chefe de Estado José Eduardo dos Santos defende que o Presidente da República deve deixar de ser o "único" que pode "brilhar".

Numa entrevista à Lusa, em Lisboa, Welwitschea 'Tchizé' dos Santos reagiu aos primeiros meses de liderança de João Lourenço, que sucedeu ao pai, e que tem vindo a afastar elementos da família de José Eduardo dos Santos de posições do poder.

Questionada pela Lusa sobre a existência de uma "caça às bruxas" em Angola, a deputada e empresária foi lacónica: "Eu não posso afirmar isso [caça às bruxas], porque se afirmar isso se calhar saio daqui e sou processada pelo Presidente da República por difamação. E eu não quero ser um segundo Rafael Marques", numa referência ao ativista, alvo de vários processos por denúncias sobre a liderança de José Eduardo dos Santos.

Tendo presente o recente momento de tensão entre o atual Presidente, João Lourenço, que acusou José Eduardo dos Santos de ter deixado os cofres públicos "vazios", prontamente refutadas pelo ex-chefe de Estado, a deputada confessa a surpresa.

"Eu falo como angolana, não era a transição que nenhum dos angolanos esperava. Para mim, a transição era uma festa, um momento ímpar e havia ali uma transição extremamente pacífica e sem contradições. Entretanto, pelas declarações do ex-Presidente e do atual Presidente, há uma contradição pública, não é desejável para nenhum partido politico", no caso o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), afirmou.

"Não queremos novos 'Rafaeis Marques'"
Além deste momento, a transição ficou marcada também pela prisão de um dos filhos de José Eduardo dos Santos, José Filomeno dos Santos, investigado pela gestão do Fundo Soberano de Angola.

Embora sem fazer comentários sobre o processo e sobre o irmão, 'Tchizé' dos Santos defende uma pacificação, face ao momento atual.

"Nós não queremos novos 'Rafaeis Marques', não queremos novos heróis, não queremos novos presos políticos e gostava de pedir que todos se abstivessem da tentação de manipular, ou tentar manipular, os órgãos do Estado, usando qualquer tipo de influência", criticou. 

Por isso, enfatizou, Angola arrisca atualmente "perder uma grande oportunidade de fazer um 'restart' [recomeço]", na atual liderança de João Lourenço.

"Mas 'restart' não quer dizer que se vai perdoar incondicionalmente os erros todos que acontecerem para trás e as pessoas que cometeram uma série de erros que afetaram todos", disse.

Nesse sentido, a deputada do MPLA defende que o Governo deve "apenas priorizar o que é de facto importante. Há mais angolanos a passar fome do que há um ano atrás, há dois anos atrás, há três anos atrás, vamo-nos focar nestas pessoas".

"Tem que haver uma nova geração de políticos"

Recorrendo ao lema "Melhorar o que está bem e corrigir o que está mal", adotado pelo MPLA, partido no poder e pelo qual é deputada há três mandatos além de membro do Comité Central, desde 2017, ainda com José Eduardo dos Santos, 'Tchizé' dos Santos reclamou por uma mudança.

"O corrigir o que está mal também passa por deixarmos de viver num Estado em que a única [pessoa] que pode ter opinião é o Presidente da República, que a única pessoa que pode aparecer, brilhar e ser aplaudida é o Presidente da República. Numa democracia, num país, há vários atores, em várias áreas", criticou.

"Tem que haver uma nova geração de políticos e alguns mais-velhos, que existem e que são ponderados e que são pela conciliação, que diga 'desculpem, mas não foi esta a Angola que todos sonhamos'. A Angola que todos sonhamos, que José Eduardo dos Santos, apesar de ser odiado por muitos, mas que é amado por muitos mais, construiu connosco é uma Angola do diálogo, da conciliação, do perdão e da reflexão e da projeção do futuro", afirmou.

Para 'Tchizé' dos Santos, ao não ter avançado com a recandidatura a Presidente da República nas eleições de 2017, tendo então avançado João Lourenço, José Eduardo dos Santos fê-lo "justamente para que pudesse ser lembrado como um bom patriota e democrata".

"Não se volta a candidatar, faz uma transição no poder, porque queria em vida ver a consolidação e a consagração dessa democracia que hoje em dia é irrefutável", apontou a empresária e política angolana, afirmando que o pai "não teve vida própria dos 37 anos de idade até hoje" por causa de Angola.

JES "deixou um legado em Angola"

"Está na hora de os angolanos entenderem que José Eduardo dos Santos fez questão que a democracia angolana fosse irreversível ao dar o passo que deu e todos nós devemos saber honrar, tal como honramos a paz efetiva, o calar das armas, acho que devemos saber honrar esse exemplo, único em África (...) Então, agora vamos aceitar que por conveniência politica - porque política é conveniência - por bajulação, por adoração, por incompreensão dos tempos ou incapacidade de leitura da História se continuem a cometer os mesmos erros?" - questionou ainda.

A deputada, de 40 anos e desde 2008 no Parlamento angolano, assume-se filha de um homem que "deixou um legado em Angola".

"Aguentou o país e a primeira coisa que fez foi abolir a pena de morte. Em 1979 [quando sucedeu ao primeiro Presidente angolano, António Agostinho Neto], o Presidente tinha poder discricionário, a primeira coisa que ele fez foi ter querido deixar de ter poder discricionário para mandar matar as pessoas. Aboliu a pena de morte", recordou.

Agência Lusa | em Deutsche Welle

Falência de dois bancos em Angola? Uma "trapalhice a ser estudada"


Banco Nacional de Angola anunciou, na semana passada, a falência de dois bancos. Mas um deles diz que não é bem assim. Economista Precioso Domingos diz que esta é uma "trapalhice" que tem de ser estudada.

O Banco Nacional de Angola (BNA) ordenou na semana passada o encerramento compulsivo de dois bancos privados, o Banco Mais e o Banco Postal, por insuficiência de capital social. Mas um deles, o Banco Postal, já reagiu à decisão, desmentindo o BNA e garantindo que tem o capital exigido em Angola para funcionar.

Num documento divulgado no sábado (05.01), o Banco Postal refere que "não está em situação de falência" e que está "dotado de fundos próprios", "claramente suficientes" para suprir todas as suas responsabilidades.

Ao olhar para esta divergência de posições, o economista Precioso Domingos avisa que é preciso um "árbitro" para regular a banca e que há um grande volume de leis "criadas por juristas", que "mata a economia do país".

"Se olhar para uma série de instrumentos, uma série de normativas do Banco Nacional de Angola, vai ver que aquelas normas não têm nada a ver com as leis económicas. São leis de juristas. E, evidentemente, isso gera o tipo de constrangimentos que tem estado a gerar", diz Domingos em entrevista à DW África.

Uma "trapalhice"

O economista angolano salienta que o facto de o banco central angolano vir a público declarar a falência de bancos comerciais ao mesmo tempo que uma das instituições visadas nega a alegada bancarrota é uma "trapalhice que precisa de ser estudada".

"Não é o regulador que vai decretar a falência, é o banco que vai declarar. Mas o que se está a passar aqui é o BNA que está a dizer que [o banco] faliu e o falido a dizer que não. O mercado não está a funcionar", conclui. "Há aqui coisas estranhas que não têm enquadramento nos manuais."

No Huambo, dezenas de cidadãos com conta no Banco Postal protestaram em frente do governo provincial, na segunda-feira (07.01), para pedir a devolução do dinheiro que depositaram. O banco está com as agências encerradas. No entanto, garantiu que os interesses dos seus clientes estão salvaguardados.

"Deixar o mercado funcionar"

Para a resolução do problema causado pela decisão do Banco Nacional de Angola, Precioso Domingos espera que se apure, realmente, a situação financeira dos bancos. E deixa um conselho às instituições do país: "Vamos regular um pouco, com base naquilo que são as leis económicas, as leis do mercado, e não fazermos leis que não têm nada a ver com as leis de mercado e depois entram em choque."

O economista nota, por fim, que os bancos angolanos não precisam de um grande capital social e que isso faz com que sejam pouco atrativos aos olhos dos investidores estrangeiros.

"Lá fora, na Europa, os bancos, em termos de capital social, estão logo na casa dos mil milhões e aqui são valores ainda muito pequenos. Entendo que tem que se deixar, para além da regulação, o mercado funcionar. Mas o mercado agora está mais baseado em leis jurídicas", afirma.

Borralho Ndomba (Luanda) | Deutsche Welle

Guiné-Bissau | Guerra contra tráfico de passaportes diplomáticos


Autoridades judiciais da Guiné-Bissau lançam operação "Red Line" para combater o tráfico de passaportes diplomáticos e de serviços. Governo nega que haja tal negócio no país.

A polícia judiciária guineense confirmou à DW África a execução da operação "Red Line", lançada em 08.12, que visa combater o tráfico de passaportes da Guiné-Bissau - principalmente a venda de passaporte diplomático. São passaportes vendidos a grupos estrangeiros, muitas vezes envolvidos com o crime organizado.

A PJ guineense está na posse de uma longa lista de cidadãos nacionais da Alemanha, Nigéria, Rússia, Espanha, França, Togo, China, Emirados Árabes Unidos, entre outros países, que terão comprado, de forma ilegal, os passaportes guineenses.

Uma fonte da PJ revelou que nos últimos anos a prática decorreu com frequência, citando o caso de um cidadão francês que recebeu o passaporte diplomático guineense há um ano, e que neste momento está a ser investigado em França pela secreta local.

Justiça

As denúncias foram feitas há anos, mas nunca nenhum implicado foi levado à justiça, apesar de vários casos que indiciam essa prática criminosa, que alegadamente envolve altas figuras do Estado guineense.

Por sua vez, Domingos Correia, diretor-geral adjunto da polícia judiciária, afirma que a investigação e a operação continuarão:

"Confirma-se que foi lançada a operação 'Red Line' para investigar diversas denúncias que a PJ teve acesso sobre o tráfico de passaportes da Guiné-Bissau, em especial o passaporte diplomático. Estamos na fase operacional e, devido aos imperativos de segredos que cobrem a investigação, não estamos em condições de dar mais detalhes. Mas os trabalhos estão em curso", explicou.

Detenção

No início da operação "Red Line", a PJ deteve, por algumas horas, responsáveis da INACEP, imprensa nacional, responsável pelo banco de dados de passaportes e bilhetes de identidade dos guineenses, cujo servidor central se encontra na Eslováquia.

Confrontado com a situação pela DW, o ministro dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação Internacional, João Butiam Có, nega que haja tráfico de passaportes e afirma que tudo está sob controle.

"Posso garantir que nunca tivemos todo o controlo de passaportes como agora na Guiné-Bissau. Podem fazer a operação e espero bem que divulguem os resultados para que os guineenses fiquem a saber do bom trabalho que estamos a fazer. Não há tráfico de passaportes - nem diplomático ou de serviço -, por isso, estamos completamente à vontade".

A PJ manifesta a sua determinação em continuar o combate à emissão ilegal dos documentos da Guiné-Bissau aos cidadãos estrangeiros para facilitar os seus negócios. Nas redes sociais, cidadãos anónimos postaram cópias de inúmeros passaportes diplomáticos emitidos aos asiáticos e europeus, que entretanto, nunca conheceram a Guiné-Bissau.

Braima Darame (Bissau) | Deutsche Welle

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