quarta-feira, 4 de março de 2020

Isabel dos Santos ainda pode contestar ação interposta pelo Estado angolano


Ação principal contra Isabel dos Santos deu entrada no Tribunal de Luanda. Jurista lembra que se não for provado que a empresária está efetivamente em dívida, Ministério Público corre o risco de ter de indemnizá-la.

A ação interposta no Tribunal Provincial de Luanda pelo Estado angolano, que reclama um crédito de mais de mil milhões de dólares, dá seguimento ao arresto de contas bancárias e participações sociais da empresária Isabel dos Santos, do seu marido Sindika Dokolo e do gestor Mário Leite da Silva em dezembro último.

De acordo com a Procuradoria-Geral da República (PGR), terá havido uma tentativa dos visados em pagar as dívidas em kwanzas, o que foi recusado porque o acordo afinal teria sido de um pagamento em euros.

A DW África falou sobre o caso e possíveis cenários com o jurista angolano Albano Pedro.

DW África: O gesto revela uma atuação de má fé ou tentativa de ganhar tempo?

Albano Pedro (AP): Penso que isso tudo está no âmbito negocial. Na verdade, a dívida sendo uma situação que decorre de uma ação cível, ela admite a possibilidade de as partes negociarem. Devemos admitir que este dinheiro era uma proposta, era uma tentativa de negociar que não pode ser descartada nos processos cíveis. Agora o que temos de entender é que quando o Estado angolano não aceita que estes valores, afinal acordados em dólares, sejam pagos em kwanzas, significa apenas que o Estado não aceitou a proposta, não aceitou que aquilo que foi convencionado no contrato fosse alterado em kwanzas. E é óbvio que isso não ofende de forma nenhuma a ordem jurídica em termos de contrato. Portanto, se o Estado não aceita que seja pago em kwanzas, obviamente a parte devedora fica obrigada a cumprir aquilo que está claramente no contrato.


DW África: Os visados podem contestar esta ação interposta pelo Estado?

AP: Podem sempre contestar desde que o Estado não tenha razão de ter acionar esse mecanismo. E é evidente que se o Estado angolano tiver violado normas de processo - e aqui o Estado angolano até pode ter motivos de arrestar - mas se violou regras, se criou embaraços, obviamente a parte lesada pode sempre. E esse é o momento adequado para contestar porque está a ser acionado o processo principal que vai dar agora oportunidade da parte arrestada vir contestar junto do tribunal. No processo de arresto, que é uma providência cautelar, a parte arrestada não tem qualquer oportunidade de chegar ao tribunal, porque é uma posição bilateral que o tribunal, que foi o que aconteceu.

DW África: E quais são os cenários possíveis se considerarmos o que está em cima da mesa neste momento?

AP: Em primeiro lugar é preciso perceber se efetivamente existe ou não um crédito. É preciso que Isabel dos Santos e os seus parceiros estejam efetivamente em dívida. E parece-me que é aqui que está a grande dança. Parece que há argumentos bastantes para se demonstrar que a dívida não está tão formulada e formada como o Ministério Público alega. A ser assim, o cenário é muito simples: se não se consegue provar a dívida, o Ministério Público obviamente fica obrigado a repor. Portanto, o tribunal vai obviamente liberar o uso dos direitos retidos e arrestados e do património, mas o Ministério Público, em nome do Estado, pode correr o risco de ser condenado a indemnizar. E obviamente o Estado há-de indemnizar pelos danos que foram contraídos por Isabel dos Santos e pares. Agora, havendo provas de que efetivamente existem dívidas e que elas devem ser pagas, há realmente essa obrigação de pagar. Obviamente o tribunal vai condenar Isabel dos Santos a fazer esse pagamento e vai pagar acrescido de juros e outros custos que podem ser adicionados.

DW África: Os bens de Isabel dos Santos, do marido e do gestor Mário Leite da Silva arrestados em que circunstâncias podem voltar para mãos dos donos?

AP: Desde que se prove que a dívida não existe, por um lado. Ou desde que se prove que a dívida é menor do que os bens que foram arrestados. Ou, numa terceira hipótese, desde que ele acabem pagando efetivamente aquilo que devem. Caso contrário, os meios serão obviamente alienados e o fruto desses bens, portanto os valores que daí advirem, se vai descontar aquilo que é devido ao Estado e o remanescente é reposto para quem foi arrestado.

Nádia Issufo | Deutsche Welle

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