quarta-feira, 22 de junho de 2022

Angola | POLÍTICOS ASSUSTADOS COM OS JORNALISTAS – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Hoje quero agradecer a Fernando Pacheco por me permitir escrever sobre Jornalismo. Evidentemente que o meu escrito não terá a acuidade e a ciência dele nas conversas à sombra da mulemba, mas vou dar o meu melhor para expor o que sei e aprendi nas Redacções de 17 jornais, sendo cinco angolanos e mais sete de Língua Portuguesa. Também numa agência noticiosa, estações de Rádio e num canal de Televisão. Isto para dizer que conheço a gramática de quase todas as linguagens da comunicação social. 

Ponto de partida. Para elaborar esta peça li, de uma ponta à outra, aquele que considero o jornal privado angolano com mais tiragem, mas também maior audiência. Primeira página. Registei 12 erros de edição e 15 erros de ortografia, acentuação e sintaxe. Dois títulos de notícias falsas. Sete violações dos critérios que suportam os conteúdos comunicacionais. Segunda página. Uma notícia falsa, seis violações do código de conduta dos jornalistas, 40 erros de ortografia, acentuação e sintaxe. Seis erros de dição. 

Em todas as páginas do jornal detectei 245 erros de ortografia, acentuação e sintaxe. Mais 80 erros de edição. E 17 violações do código de conduta dos jornalistas. Em toda a edição consultada não há vestígios dos princípios da Linguagem Jornalística. Que embora tenha por base o Português, tem uma gramática própria, ainda que aberta.

Meio campo. A Liberdade de Expressão e particularmente a Liberdade de Imprensa nasceram com o Liberalismo. Em 1821, foi adoptada pelas Cortes de Lisboa a primeira Lei de Imprensa, como tributo ao papel de jornais abertos e clandestinos que combateram os invasores estrangeiros e o absolutismo.

Na Constituição de 1822, o seu artigo 2.º dispõe que “A liberdade consiste em não serem obrigados a fazer o que a lei não manda, nem a deixar de fazer o que ela não proíbe”. A livre expressão de pensamentos é reconhecida pela Lei Fundamental do Liberalismo “como um dos mais preciosos direitos do homem (artigo 7.º) e as Cortes são incumbidas de nomear um Tribunal Especial para proteger a liberdade de imprensa (artigo 8.º). 

A Liberdade de Imprensa era de tão preciosa que até foi criado um tribunal especial para dirimir os conflitos com outros direitos fundamentais, sobretudo os Direitos de Personalidade crescentes. Foi neste ambiente que nasceu este conceito: Os jornais são espaços de liberdade, invioláveis e protegidos pela Lei Fundamental contras ataques do poder político e económico. Foi assim que prosperou a Imprensa Livre em Angola e a Imprensa Republicana e Socialista em Portugal.

Entre nós deu isto. Jornais em Luanda. Sector Público: Boletim do Governo Geral da Província de Angola (1845). Privados: Almanak Statistico da Província d’Angola e suas Dependências (1852), A Aurora (1856), A Civilização da África Portuguesa (1866), O Commercio de Loanda (1867), O Mercantil (1870), Almanach Popular (1872), O Cruzeiro do Sul (1873), O Meteoro (1873), Correspondência de Angola (1875), Jornal de Loanda (1878), Noticiário de Angola (1880), Boletim da Sociedade Propagadora de Conhecimentos Geographico-Africanos de Loanda (1881), Gazeta de Angola (1881), O Echo de Angola (1881), A Verdade (1882), O Futuro d’Angola (1882), A União Africo-Portugueza (1882), O Ultramar (1882), O Pharol do Povo (1883), O Raio (1884), O Bisnagas (1884), O Arauto dos Concelhos (1886), A Tesourinha (1886), O Serão (1886), O Rei Guilherme (1886), O Progresso d’Angola (1887), O Exército Ultramarino (1887), O Imparcial (1888), O Foguete (1888), Mukuarimi (1888), Arauto Africano (1889), Nuen’exi (1889), O Desastre (1889), Correio de Loanda (1890), O Chicote (1890), O Polícia Africano (1890), Os Concelhos de Leste (1891), Notícias de Angola (1891), Commercio d’Angola, 1892, A Província (1893), O Imparcial (1894), o Independente (1894), Bofetadas (1894), Propaganda Colonial (1896), O Santelmo (1896), Revista de Loanda (1896), Propaganda Angolense (1897), A Folha de Loanda (1899).

Em Benguela: O Progresso (1870) e A Semana (1893).Em Moçâmedes (Namibe): Jornal de Mossamedes (1881), Almanach de Mossamedes (1884), O Sul d’Angola (1892), A Tesoura (1892), A Tesourinha (1892) e A Bofetada (1893). Na Catumbela: A Ventosa (1886). No Ambriz: A Africana (1893).

Mercadoria. A comunicação à distância desenvolveu-se a partir de 1850 e no final do século XIX já existiam várias agências noticiosas. No início do Século XX (1906) registou-se a primeira emissão de Rádio nos EUA. Em Angola aconteceu no dia 28 de Fevereiro de 1936, pelo radialista Álvaro de Carvalho na jovem cidade do Lobito. 

As agências noticiosas e a Rádio exigiram o nascimento de uma nova gramática que suportasse a Linguagem Jornalística nascente, por via dos telegramas. Aos poucos a Imprensa libertou-se da Linguagem Literária, tomada de empréstimo pelo Jornalismo, desde as Tábuas Brancas dos romanos. No início do Século XX os accionistas da empresa proprietária do jornal inglês Times reuniram-se e o presidente do conselho de administração disse: “A publicidade está para o jornal como o vapor está para as máquinas”. 

Antero de Quental, arauto da ideia socialista em Portugal, num texto doutrinário publicado no Jornal Revolução de Setembro, queixava-se amargamente das “folhas a dez reis, muito informativas, que estão a matar a Imprensa Livre”. Teve razão antes do tempo. Porque a publicidade só tem lugar quando há mercadoria. A notícia passou a ser um bem de elevado valor. Os jornais deixaram de ser espaços de liberdade. Apenas instrumentos do negócio. Os Jornalistas, que antes eram homens livres (ainda não tínhamos mulheres nas Redacções), alguns até eram proprietários dos títulos e das oficinas gráficas, passaram a ser assalariados. E com salários rastejantes! Os rapazes dos jornais.

O fim do jogo. Assim estamos. Somos assalariados. Dependemos de um salário. Trabalhamos para um patrão. Já tive uma patroa. Fomos amantes e depois despedi-a. A publicidade é que paga as contas. Quando não é suficiente, por ordem dos donos, os assalariados avançam para a chantagem e extorsão. Os antigos espaços de liberdade hoje são antros de poderes instalados, ilegítimos e perigosos. O que sobra? A liberdade de estabelecimento. Qualquer cidadã ou cidadão angolano pode lançar um jornal, uma Rádio ou um canal de Televisão. Com mais ou menos dinheiro. Há alguém interessado em lançar o meu Die Fackel? Alguém está interessado em fazer de mim um Karl Kraus? A moca está pronta para as pauladas!

Fernando Pacheco, pela milésima vez, ataca o “Controlo desmesurado e inaceitável da comunicação social pública”. Mas nunca li nada dele a atacar os poderes ilegítimos instalados nos Media privados. Os do sector público, nós sabemos quem controla. E os controladores estão legitimados pelo voto popular. Preferem o controlo da embaixada dos EUA em Luanda? Que os nossos Media sejam controlados pelo bordel da União Europeia? Pelas embaixadas ocidentais que não nos perdoam a independência nacional e termos derrotado o regime racistas de Pretória?

O golpe de teatro. A censura está instalada a nível planetário. Hoje vi duas horas de notícias da CNN Internacional. Detectei quatro falsas notícias. Mais 12 manipulações criminosas. O resto, propaganda. Na CNN Portugal é tudo falso, tudo manipulação, tudo mentira. Um barqueiro do rio Douro chegou a dono do Grupo Media Capital. Fez uma negociata com a CNN (CIA) e aí está um grupo mediático invadido por poderes ilegítimos e altamente perigosos. É isto que querem em Angola? Eu não.

Para Fernando Pacheco Angola é “um conglomerado de minorias”. E para chegar a esta conclusão até fala inglês (the winner takes all) e cita Arend Lijphart. Eu respondo com Samora Machel: “Aqui não há minorias nem maiorias, há o Povo no poder. O Povo somos todos. Todos no Poder”. Agostinho Neto e Samora Machel fazem-nos tanta falta! Para o Povo regressar ao Poder. Isso de maiorias e minorias é negócio promovido pelo banditismo político reinante num mundo perigosamente unipolar. Não frequento.

Às jornalistas e aos jornalistas dos Media públicos angolanos deixo um apelo: Sejam profissionais e deixem os cães ladrar. A nossa caravana, a caravana das e dos jornalistas que sabem viver entre as fronteiras da honra e da dignidade, é imparável. Jamais vai parar! Sabem de quem somos herdeiros?

João da Ressurreição Arantes Braga, José de Fontes Pereira, Alfredo Troni, Pedro da Paixão Franco, Sant’Anna Palma, Augusto Bastos, Ernesto Lara Filho, Acácio Barradas, Luís Alberto Ferreira (o mais internacional dos jornalistas angolanos), Aníbal der Melo, João Charula de Azevedo ou a inigualável Edite Soeiro. (Não cabem aqui os nomes de todos…)

Sabem qual foi o primeiro órgão da Imprensa Livre, propriedade de angolanos e cuja Redacção era integrada exclusivamente por jornalistas africanos negros e onde pontificava José de Fontes Pereira? Echo de Angola, nascido em 12 de Novembro de 1881. 

Nós fazemos o Jornalismo que podemos e sabemos. Se todas e todos os angolanos fizerem o mesmo nas suas áreas, daqui a dez anos temos o melhor País do mundo para viver.

*Jornalista

Sem comentários:

Mais lidas da semana