Thierry Meyssan*
Thierry Meyssan interrompeu a sua série de crónicas sobre o conflito titânico que opõe a Rússia aos Estados Unidos. Ele dirige-se a todos para desmontar as mentiras da propaganda de guerra
A opinião pública ocidental está
revoltada pela guerra na Ucrânia e mobiliza-se para levar socorro aos
Ucranianos
Como em todos os conflitos, explicam-nos que os outros são os maus, enquanto nós somos os bonzinhos.
A nossa reacção é a das pessoas violentadas pela propaganda de guerra porque essas não se lembram dos conflitos precedentes e ignoram tudo sobre a Ucrânia. Recomecemos a partir do zero.
QUEM COMEÇOU?
Como no pátio do recreio quando os nossos colegas de classe se batiam uns com os outros, queremos sempre saber quem começou. Quanto a este ponto, não há reportagens : há oito anos, os Estados Unidos montaram uma mudança de regime em Kiev com ajuda de grupúsculos armados. Esses tipos afirmam-se « nacionalistas », mas de forma nenhuma no sentido em que o entendemos. Proclamam ser os verdadeiros ucranianos, os de origem escandinava ou proto-germânica e não eslavos como os Russos. Eles reclamam-se também da herança de Stepan Bandera [1], o chefe dos colaboracionistas ucranianos dos nazis, o equivalente a Philippe Pétain de um ponto de vista simbólico para os Franceses, mas principalmente a Joseph Darnand e aos soldados da Divisão SS francesa Charlemagne. Os Ucranianos, que até agora se consideravam ao mesmo tempo de origem escandinava e proto-germânica por um lado, e eslavos por outro, chamam-nos «neo-nazis».
Aqui, em França, a palavra «nazi» é uma injúria que se usa a torto e a direito. Historicamente, é um movimento que pregava uma visão racialista da humanidade para justificar os impérios coloniais. Segundo ela, os homens pertencem a « raças » diferentes, diríamos hoje a «espécies» diferentes. Não deviam ter descendência em comum, tal como éguas e os burros. Na natureza, estas duas espécies procriam mulas, mas essas são em geral estéreis. Era por isso que os nazis proibiam as misturas inter-raciais. Se somos de raças diferentes, uns são superiores aos outros, daí a dominação ocidental sobre os povos colonizados. Nos anos Trinta, esta ideologia era considerada como uma « ciência » e era ensinada nas universidades, sobretudo nos Estados Unidos, na Escandinávia e na Alemanha. Reputadíssimos cientistas defenderam-na. Por exemplo, Konrad Lorenz (Prémio Nobel de Medicina em 1973) foi um ardente nazi. Ele escreveu que para manter a raça era preciso extirpar em massa os homossexuais e eliminá-los como um cirurgião remove um tumor porque misturavam o seu património genético com o de outras raças sem que nos déssemos conta.
Estes cientistas não eram mais sérios do que aqueles que nos anunciaram o apocalipse durante a epidemia de Covid-19. Tinham o título de « cientista », mas não a atitude razoável.
A Rússia moderna construiu-se sobre a memória daquilo que os Russos chamam a « Grande Guerra Patriótica » e nós a « Segunda Guerra Mundial ». Ela não tem o mesmo sentido para eles que para nós. Aqui, em França, a guerra durou apenas alguns meses, depois acreditou-se na vitória nazi e entrou-se na Colaboração. Viu-se os nazis e os Petainistas prender, a partir de 1940, 66. 000 pessoas, geralmente por « terrorismo » (resistência). Depois a partir de 1942, prender 76. 000 judeus por que eles eram de uma « raça inferior » e enviá-los para o Leste, na realidade para campos de extermínio. Pelo contrário, na União Soviética, os nazis não prenderam ninguém. Eles queriam exterminar, ou reduzir à escravatura, em trinta anos todos os eslavos para limpar um « espaço vital » onde poderiam edificar um império colonial (Generalplan Ost). Foi por isso que a URSS sofreu 27 milhões de mortos. Na memória russa os nazis são um perigo existencial, mas não para nós.
Quando esta gente chegou ao Poder em Kiev, não se declararam como «nazis», mas como « nacionalistas » no senso de Stepan Bandera, que também se dizia « nacionalista » e não « nazi », tendo-se superado em relação às suas intenções genocidas contra os eslavos e os judeus. Eles qualificaram o antigo regime de « pró-russo », o que é factualmente falso, e proibiram tudo o que cheirasse a cultura russa. E em primeiro lugar a língua russa. Os Ucranianos eram maioritariamente bilingues, falando tanto russo como ucraniano. De repente, disseram a metade deles que não poderiam mais falar a sua língua na escola e na administração. A região do Donbass, muito russófona, revoltou-se. Mas também a minoria húngara que recebia um ensino na sua própria língua e que foi apoiada na sua reivindicação pela Hungria. Os ucranianos do Donbass exigiram que os distritos de Donestsk e Luhansk pudessem dispor de um estatuto de autonomia e recuperar a sua língua. Estes municípios (oblast em russo) declararam-se repúblicas. Isso não significava que aspirassem à independência, mas unicamente à autonomia, como a República da Califórnia nos Estados Unidos ou as antigas repúblicas da URSS.
Em 2014, o Presidente François Hollande e a Chancelerina Angela Merkel sentaram as gentes de Kiev a uma mesma mesa com os do Donbass e negociaram os Acordos de Minsk. Foram a França, a Alemanha e a Rússia quem ficou como os garantes.
Kiev recusou sempre aplicá-los, apesar de os ter assinado. Em vez disso, armou milícias «nacionalistas» e enviou-as para estoirar os nervos nos limites do Donbass. Todos os extremistas ocidentais vieram então dar uns tiros na Ucrânia. Estes paramilitares eram no mês passado, segundo o Governo de Kiev, 102.000. Eles constituem um terço do Exército ucraniano e estão integrados nas Forças de Defesa Territoriais. Cerca de 66. 000 novos «nacionalistas» —ainda que estrangeiros— acabam de chegar como reforço, do mundo inteiro, por ocasião do ataque russo.
Durante os oito anos que nos separam dos Acordos de Minsk, estes paramilitares mataram 14. 000 pessoas no Donbass, segundo o Governo de Kiev. Este número inclui as suas próprias perdas, mas estas não são numerosas. A Rússia diligenciou a sua própria comissão de inquérito. Ela não só contou os mortos, mas também os feridos graves. Encontrou 22. 000 vítimas. O Presidente Putin fala a propósito de « genocídio », não no sentido etimológico de destruição de um povo, mas no sentido jurídico de crime cometido por ordem das autoridades contra um grupo étnico.
É aí que bate o ponto : o Governo de Kiev não é homogéneo e ninguém deu de forma clara a ordem para um tal massacre. No entanto, a Rússia responsabiliza os Presidentes Petro Poroshenko e o seu sucessor Volodymyr Zelensky. Nós também o somos, pois fomos fiadores dos Acordos de Minsk que nunca foram aplicados. Sim, somos co-responsáveis desta hecatombe .
Mas, o pior ainda estava para chegar. Em 1 de Julho de 2021, o Presidente Zelensky, que armava os paramilitares « nacionalistas » e recusava aplicar os Acordos de Minsk, promulgou a Lei nº 38 sobre os Povos Autóctones [2]. Ela garante aos Tártaros e Judeus caraítas (ou seja, aqueles que não reconhecem o Talmud) o exercício dos seus direitos, nomeadamente o de falar a sua língua, mas não aos eslavos. Estes não existem. Eles não são protegidos por nenhuma lei. Eles são Untermenschen, infra-humanos. Foi a primeira vez, depois de 77 anos que uma lei racial foi adoptada no continente europeu. Direis vós para vós próprios que existem organizações de Direitos do Homem e que elas protestaram. Mas nada. Só um grande silêncio. Pior: aplausos de Bernard-Henri Lévy.