Carvalho da Silva* | Jornal de Notícias | opinião
Dizemos muitas vezes que a maior conquista da humanidade, desde o final do século XIX, foi o extraordinário aumento da esperança média de vida e os ganhos de tempo com saúde na velhice, embora continue a haver imensos seres humanos que não estão a usufruir desses benefícios. Não sabemos onde se situará o limite da vida humana, mas sabemos que podemos conquistar mais tempo de velhice saudável e digna.
Quando refletimos sobre as políticas e instrumentos utilizados para o caminho de progresso já feito, descortinamos os contributos da ciência e da tecnologia, de opções na organização da economia temporariamente adotadas e, acima de tudo, do investimento público na criação de infraestruturas básicas, nos sistemas públicos e universais de educação, da saúde e da proteção social.
Esse processo deu origem a novas áreas de negócio privado, mas aqueles sistemas serão liquidados se forem entregues à lógica do lucro, ou se nos convencerem de que a riqueza existente é escassa para sustentar o seu desenvolvimento. Há imensa riqueza, só que está concentrada e o setor financeiro desbarata-a, como vimos esta semana.
Entretanto, há contradições a ultrapassar. Em nome da defesa da escola pública, vêm sendo feitos cortes nas infraestruturas, os professores e outros profissionais são maltratados, o que significa depauperamento da escola. No Serviço Nacional de Saúde acontece a mesma poda, com os mesmos efeitos de incapacitação e, desde logo, não se geram condições para serviços propiciadores de um envelhecimento com saúde e tratamento digno. Nas políticas sociais e no Sistema de Segurança Social, que é um pilar determinante para assegurar vidas dignas, há que tomar fortes cautelas.
Na minha crónica do passado dia 19/11, neste espaço, expressei alguns alertas sobre o que pode tolher a nossa Segurança Social, tendo presente que há uma Comissão criada pelo Governo para estudar propostas de reforma. Na passada quarta-feira participei no colóquio sobre "O Futuro da Segurança Social Pública em Portugal", organizado pelo Observatório Sobre Crises e Alternativas do Centro de Estudos Sociais, juntamente com os ex-ministros José Silva Peneda e Paulo Pedroso, duas das pessoas que mais bem conhecem o percurso histórico da Segurança Social e que mais se debruçam, a partir de perspetivas diferenciadas, sobre o seu futuro. Noutros painéis estiveram, designadamente, a CGTP-IN e a UGT e no encerramento o secretário de Estado Gabriel Bastos.
Nas intervenções e nos debates foi evidenciado que o sistema público, universal e solidário (vertente previdencial) é sustentável, é eficaz no combate à pobreza e na melhoria do nível de vida das pessoas mais velhas. Financeiramente está saudável, há medidas que o podem reforçar e é imperioso melhorar as pensões.
As reformas a adotar devem ser incrementais e relacionadas com as dinâmicas do sistema de produção da riqueza e da sua melhor distribuição; com a evolução qualitativa do emprego, dos salários, da legislação laboral e do sistema de relações laborais que precisa de efetividade de negociação coletiva; com a resolução do problema demográfico; com impactos vindos da digitalização, robotização e inteligência artificial. É no sistema público que devem ser acolhidos sistemas complementares e os governos não podem desrespeitar as leis que enquadram as obrigações legais relativas à prestação dos direitos.
A velhice digna para todos os cidadãos é uma miragem com sistemas assentes no lucro. Para a garantir, hoje e a longo prazo, há que lutar pelo trabalho digno.
*Investigador e professor universitário
Sem comentários:
Enviar um comentário