Margarida Balseiro Lopes* | Jornal de Notícias | opinião
Os últimos meses têm sido marcados pelo aumento crescente das dificuldades das famílias para pagar todas as despesas consideradas essenciais. Dados da Deco mostram-nos que 74% das famílias enfrentam sérios problemas para suportar os encargos com os transportes, a habitação, a saúde e a alimentação. Se é verdade que a subida de preços tem afetado a generalidade dos bens, também o é a circunstância de a subida, no caso dos produtos alimentares, se destacar relativamente aos restantes: voltou a subir em fevereiro, fixando-se acima dos 20%, o valor mais elevado em 38 anos.
Nesta, como em muitas outras discussões, é possível abordar o problema de forma séria, quando o intuito é a sua resolução. Ou é possível, mas não desejável, fazer apenas chicana política, regra geral, quando o objetivo é fazer ruído e afastar responsabilidades. Parece ter sido essa a estratégia do Governo.
Colocando em marcha uma campanha de responsabilização única das grandes cadeias de distribuição, procurou que estivesse aí encontrado o bode expiatório ideal para assumir as culpas do agravamento dos custos de vida. Se houver práticas que violem a lei, que haja daí as devidas punições e sanções. Mas a verdade parece estar muito além disso.
Entre dezembro de 2021 e dezembro de 2022, o aumento de preços no consumidor de bens alimentares foi de quase 20%, enquanto o aumento dos preços agrícolas no produtor foi de 36%, isto é, 80% mais do que no consumidor. Significa isso que, a jusante da produção, se passou a acomodar estes aumentos, sem repercutir parte do aumento dos preços na produção. Os dados disponíveis permitem também concluir que a acomodação tem tido lugar na distribuição, permanecendo a pergunta: quem tem lucrado com a subida dos preços?
A resposta é inquietante. Tem sido o Estado, na arrecadação da receita fiscal. Olhando para o ano de 2022, podemos concluir que a subida, em sede de IVA, foi de quase 20%, em comparação com 2021, mas o aumento médio anual dos preços no consumidor foi de 13%.
De facto, a situação periclitante em que milhares de pessoas se encontram obriga a que se olhe com atenção para a possível existência de lucros imorais, resultantes deste contexto. O aproveitamento de uma situação de excecionalidade, como a que vivemos, é condenável, se estiver a ser feita de forma desproporcional pelos agentes de mercado. Mas também é imoral e indigno que seja o Estado a lucrar com a subida dos preços, num momento de tanta aflição para milhares de famílias.
*Jurista
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